quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Afetividade e Aprendizagem na Primeira Infância (0-3 anos)



A Primeira Infância, considerada a base para todas as aprendizagens humanas, perpassa o período do nascimento até os seis anos de idade, mas para a relação existente entre afetividade e aprendizagem, pode retroceder até a vida intra-uterina, visto que o feto já recebe os primeiros estímulos afetivos e, consequentemente, cognitivos de sua existência; vista já neste momento como a preparação de uma longa jornada, a qual pode ser abortada se não houver estímulos muito agradáveis ou caso não haja a preocupação de que a vida ali existente já está totalmente disposta a receber bons e amorosos fluídos intelectuais.

Dotado de desejos, vontades e sentimentos próprios, já no nascimento o ser humano começa a se desenvolver, seja respondendo por estímulos – ainda dentro do útero – seja, afetivamente, entrando em contato com seus pares. Sua postura de ator pensante no mundo, por mais que ali não esteja totalmente definida, para a cognição social já está em projeto, já está em potência. E é neste ponto que as primeiras experiências relacionais desempenham papel importante no curso do desenvolvimento cognitivo.

Pensadores como Piaget falarão da importância da vivência destas crianças com os adultos, principalmente da vivência afetiva. Já Vygotsky afirmará que o ser humano se constrói nas suas relações e trocas com os outros, em especial, quando estas relações se constroem por meio do afeto. Em Wallon “no início da vida, afetividade e inteligência estão sincreticamente misturadas, com predomínio da primeira.” (apud LA TAILLE: 1992, p. 90), ou seja, ambos os três pensadores colocam a afetividade como elemento primordial para a construção da identidade social e constituição educacional das crianças.

Por conseguinte, alguns estudiosos vão defender que, devido um ritmo mais lento de desenvolvimento, em nos comparando com outros mamíferos, o ser humano é mais dependente de seus pares por um período mais extenso e prolongado, daí a justificativa – e a necessidade – da afetividade para o pleno desenvolvimento dessa criança, visto que, por ser tão dependente, esta situação de afeto é algo muito caro para o bebê. E é isso que, mais indistintamente, nos torna humanos.

Por um lado, tal fato constitui um grande inconveniente para a criança e para os pais, embora, simultaneamente, isso acarreta em grande benefícios para a criança. Com efeito, um período tão longo de dependência justifica-se pelo fato da criança ser uma criatura cuja principal especificidade é sua capacidade de aprender e; invenção básica dos seres humanos, aprender a cultura, isto é, os modos de ser e estar no mundo que cada geração transmite para a seguinte. Transmissão que tem no afeto o primeiro elemento de confrontação e confirmação de saberes.

Assim, a cognoscência do bebê, devido este processo de maior dependência do adulto, tem na afetividade o elemento que liga esta criança com seus pares humanos. Com tanto a aprender, as crianças têm muito a ganhar com o fato de serem “forçadas” a permanecer junto daqueles que as ensinam com afeto.

Desde seu primeiro ano de vida, a capacidade perceptiva e a inteligência do bebê atuam como elemento consoante ao ambiente, outrora hostil, do mundo que a circunda. Esta relação de interação com as coisas ao seu redor garante uma certa autonomia cognitiva, além do mais, traz situações de conflito e afeto. Situações que serão lembradas pela criança na configuração de sua vida, e de suas relações sociais.

Por isso mesmo é que Ramires (2003), em Cognição Social e Teoria do Apego: Possíveis Articulações, busca na conexão emocional com outras crianças e com os adultos, o processo que garante a composição da individualidade do bebê e sua separação do mundo intra-uterino, logo, o processo que apresenta ao bebê o mundo da cultura tal como ele é, e como sua dependência dos adultos lhe é útil: “O desenvolvimento sócio-cognitivo, portanto, começa com os primórdios do processo de separação-individuação e conexão emocional com o outro nos bebês. Esse desenvolvimento inclui a compreensão crescente das emoções e dos perceptos, e também o conhecimento das crianças e dos adolescentes acerca dos atributos pessoais dos outros e do self. Inclui ainda o conhecimento das causas do comportamento e uma compreensão das relações sociais que implicam no reconhecimento de relações recíprocas como a amizade, os relacionamentos amorosos e os julgamentos morais.” (p. 404)

Como se vê, mais que preparar o bebê para receber os símbolos e estímulos do mundo, a afetividade (seja ela apresentada em casa, com os familiares, seja também entre este bebê e seus educadores) tem papel importante, inclusive, em relações interpessoais e, principalmente, na composição dos futuros julgamentos morais desta criança; o quê significa que o afeto, mais que um elemento aproximativo do bebê com seus parentes e o mundo, é também um elemento conformador da cognição e do desenvolvimento educacional deste ser em formação, bem como seu passaporte para o mundo dos adultos e sua criação identitária.

Daí a importância das interações socioafetivas do bebê e de sua dependência para com os adultos, situações que proporcionam vivências afetivas, e consolida sua entrada no mundo, como ser individual que é. Tanto a entrada social como a entrada cognitiva, onde há o reconhecimento de símbolos que são constantemente apresentados e decodificados pelo bebê.

Para melhor compreendermos estas interações socioafetivas, tanto Wallon quanto Piaget e Vygotsky nos serão mui úteis, trazendo-nos elementos formativos e conformativos para a confirmação desta tese. Mas, além disso, também a relação psicológica exercida entre a criança e seus pares pode mostrar bons elementos para a constatação deste estudo.

Diante disso, este trabalho tentará analisar a importância dos aspectos socioafetivos para o desenvolvimento e o processo ensino-aprendizagem, com foco na importância da afetividade como recurso intelectivo e motivacional e para a relação professor-aluno na construção destes saberes.

Apontar a importância da qualidade das primeiras relações afetivas da criança, com seus primeiros educadores, implica em focar numa boa teoria do desenvolvimento e como isso, diretamente, afeta no exercício da aprendizagem e na construção das relações interpessoais desta criança pelo resto de sua vida escolar.

E aqui podemos apontar como Piaget apresenta esta informação, conforme seus estudos, “é nas vivências que a criança realiza com outras pessoas que ela supera a fase do egocentrismo, constrói a noção do eu e do outro como referência. A afetividade é considerada a energia que move as ações humanas, ou seja, sem afetividade não há interesse nem motivação.” (SILVA e SCHNEIDER: 2007, p. 83), significando que, a afetividade funciona como um motor para o desenvolvimento da criança e, mais que isso, para que a criança entre no universo consolidado por sua relação com seus educadores e seus métodos de ensino-aprendizagem é necessário que ela chegue até este universo levada pela mão do afeto e do carinho, tanto aquele advindo de casa – sendo considerado o mais importante – quanto aquele recebido nas escolinhas infantis, por seus educadores; daí a grande importância do elemento afeto no desenvolvimento deste educando e como isso afetará, positivamente, toda a vida escolar do indivíduo.

Se no início, a criança sente a mãe como parte de si mesma, no culminar do primeiro ano, ela aprende a vivenciar a mãe como objeto separado (com identidade e papel próprios) e, como tal, mais um elemento de seu mundo conformativo e identitário, momento considerado ideal para apresentá-la ao mundo escolar, e às outras pessoas que deste mundo fazem parte.

Aprende a esperar, visto que, no universo social e escolar ela não está mais sozinha, ela interage com outras crianças e com outros adultos que não aqueles de seu convívio familiar. Neste processo de separação a criança desenvolve a  tolerância à frustração e, desta capacidade de espera resulta o ecoar interno de uma representação da mãe; uma representação que vem simbolicamente focada no carinho que os educadores trazem para a criança, e para seu universo pessoal. Carinho que traz até a criança os símbolos do mundo, logo, confirma-se o processo de ensino-aprendizagem.

Mas, esses momentos de crescimento só serão possíveis se esta etapa for suficientemente preenchida de boas experiências emocionais, que permitam ao bebê um modelo de estabilidade e segurança, previsível e contínuo. Um modelo que lembre o universo familiar e, ao mesmo tempo, separa-se dele, trazendo os símbolos do mundo. Mostrando que o mundo também pode trazer elementos de aprendizagem e de construção de saberes. Construção essa que necessita deste outro afeto, que não o familiar, para que a criança se constitua como um ser em formação, e com uma identidade própria, apesar de vinculado aos primeiros símbolos advindos de sua família.

Ganham os bebês que se ligam bem aos adultos mais próximos, e com eles constroem uma relação de confiança básica, marcada por um padrão rotineiro, sem períodos de separações traumáticas ou perdas de figuras de referência. E por adultos mais próximos, não são necessariamente aqueles da estirpe familiar, mas todos aqueles que passam a integrar este novo universo da criança; o universo da escola. Por outro lado, perdem aqueles que, por oposição, possuírem vinculações inseguras, marcadas pela instabilidade ou, por múltiplos prestadores de cuidados; daí a importância da criança ter uma continuidade na constituição de seus saberes primordiais.

A segurança que a criança constrói em seus primeiros contatos afetivos com a mãe serão levados para o mundo externo. Dessa forma, ela terá maior segurança de separar-se da mãe sem que isso se torne um trauma. Esta vinculação pode ser indicadora da qualidade das ligações emocionais que a criança, numa situação futura, continuará na escola, em seu processo de ensino-aprendizagem.

Aquelas crianças cuja ligação com a mãe (e com seus pares mais próximos) ocorreu de modo seguro e tranquilo, estão naturalmente mais aptas a gostar de ir à escola, aprender, brincar, receber e visitar amigos, e um dia namorar, casar, terem a sua família organizada. Pois, o afeto que se desenvolveu neste primeiro momento será marcante durante toda a vida socioafetiva da criança, em seu processo de ensino-aprendizagem. Isso dá-lhe confiança, para com suas relações com o mundo.

Ensina-as a lidar com as frustrações de uma forma mais serena, visto que o desapontamento e a desilusão garantem a elas limites, dão-lhes elementos cognitivos para lidarem com o mundo.

Como justificativa desta afirmação, Silva e Schneider (2007), afirmaram o seguinte: “Partindo do pressuposto de que a afetividade é um composto fundamental das relações interpessoais que também norteia a vida na escola, acresce em relevância uma pesquisa teórica que facilite a compreensão, por exemplo, da relação entre a afetividade e a aprendizagem no âmbito da relação professor–aluno para a construção do conhecimento, para o desenvolvimento da inteligência emocional e para o processo de avaliação da aprendizagem.” (p. 83), mostrando que muitas pesquisas atuais já estão sendo feitas, justamente, para confirmar esta teoria. Mais que isso, a empatia, nesse sentido, é o primeiro elemento para que o educando se disponha a empreender uma busca pelo saber; e isso ocorre em todas as fases de sua vida escolar.

Um comentário:

Anônimo disse...

Simplesmente maravilhoso o texto!! Muito esclarecedor,contribuiu ainda mais para minha relação com meu bb, e na minha profissão. Adorei !!! Obg.