domingo, 22 de novembro de 2009

Bem Sei Que Não é Meu...




Bem sei que me ocorre não raro falar das coisas que são melhor e mais precisamente comentadas pelos mestres do ofício. O que escrevo resulta de minhas faculdades naturais e não do que se adquire pelo estudo. E quem apontar algum erro atribuível à minha ignorância não fará grande descoberta, pois não posso dar a outrem garantias acerca do que escrevo, não estando sequer satisfeito comigo mesmo. Quem busca sabedoria, que a busque onde se aloja; não tenho a pretensão de possuí-la. O que aí se encontra é produto de minha fantasia; não viso explicar ou elucidar as coisas que comento, mas tão-somente mostrar-me como sou. Talvez as venha a conhecer a fundo um dia, ou as tenha conhecido, se por acaso andei por onde elas se esclarecem. Mas já não as recordo. Embora seja capaz de tirar proveito do que aprendo, não o retenho na memória: daí não poder assegurar a exatidão de minhas citações. Que se veja nelas, apenas, o grau de meus conhecimentos atuais.


Não se preste atenção à escolha das matérias que discuto, mas tão-somente à maneira por que as trato. E, no que tomo de empréstimo aos outros, vejam unicamente se soube escolher algo capaz de realçar ou apoiar a idéia que desenvolvo, a qual, sim, é sempre minha. Não me inspiro nas citações; valho-me delas para corroborar o que digo e que não sei tão bem expressar, ou por insuficiência da língua ou por fraqueza dos sentidos, não me preocupo com a quantidade e sim com a qualidade das citações. Se houvesse querido tivera reunido o dobro. Provêm todas, ou quase, dos autores antigos [e também dos “novos”] que hão de reconhecer embora não os mencione. Quanto às razões, às comparações e aos argumentos que transplanto para meu jardim, e confundo com os meus, omiti muitas vezes, voluntariamente, o nome dos autores, a fim de pôr um freio nas ousadias desses críticos [já eu procurei as ousadias dos críticos para me ajudarem a falar, também, deles e dos outros] apressados que se espojam nas obras de escritores vivos e escritas na língua de todo mundo, o que dá a quem queira o direito de as atacar e insinuar que planos e idéias sejam tão vulgares quanto o estilo...


Michel de Montaigne
Dos Livros