domingo, 30 de agosto de 2009

Emplasto Brás Cubas...


As luzes da cidade são mesmo imprevisíveis, ainda mais quando estão sob o efeito de alguma chuva fina. A beleza que essas tênues gotas projetam sobre o arcabouço concreto e metálico de formas mortas e, por vezes, sujas, nos hipnotiza, traça-nos uma linha absurda entre o estado de consciência e o inconsciente. São luzes que, como vida, correm diante de nossos olhos... são luzes da cidade, vistas pelo carro em movimento, sob uma noite escura e molhada.


A criação absurda de um romance sem heróis ou vilões..., apenas a reprodução de uma estrutura fria e morta, entretanto, é capaz de abrigar o calor de corpos em movimento, no instante mágico do clímax orgasmical. Como também de corpos inertes, embebidos pelo torpor do tempo, acrescido de algum líquido alcoólico, em dosagens dispensáveis. É essa criação absurda, mas ao mesmo tempo ordinária, que não pode ser glosada pelos romances, ou mesmo libelos, fantásticos ou absurdos. A absurdez da vida não consegue deixar-se retratar pelas mãos estranhas de um corpo, também estranho.


Dentro deste turbilhão de idéias, a cabeça de Tina não se deixa subjugar, tudo passa, porém, tudo vê... a criança que chora ao fundo... a chuva fina que insiste em fustigar a arquitetura mórbida de uma grande cidade... o motor de um carro em velocidade estável... É tão vazia essa paisagem que as vezes o sentimento é de abismo, no entanto, Tina está alegre e, apesar de absorta em seus pensamentos, sorri para os seus.


A busca pueril do esquecimento faz com que Albertina mantenha o delírio temporal ordenado, enrubescendo suas faces com a febre do mundo, aliás, a febre de viver nesse mundo; tal como Nietzsche, busca o esquecimento para não morrer de verdades. Pois, a verdade do mundo é opressora e opera em nossos sentidos uma válvula de efusão; tem-se a consciência de viver em absurdo, achando-se normal. As vezes isso nos oprime, eis o motivo de tentarmos o esquecimento. Talvez ele nos joga em face a este absurdo sem o ver, mantêm nossa consciência ocupada, tentando se lembrar dos fatos, fixa-nos à mente algumas aventuras, tão absurdas quanto, também como válvula de escape à loucura gélida e metálica da cidade fria e morta.


Esse esquecimento pueril faz os homens criarem seus mundos; esforçando-se por imitar e ensaiar a liberdade, não imaginam que é justamente dentro deste absurdo que podem encontrar seu emplasto... como fez um dia, antes de morrer, Brás Cubas, trazendo á memória dos homens de seu tempo, as dores da alma. O Emplasto Brás Cubas, com efeitos anti-hipocondríacos, tinha a valorosa e nobre proposição de aliviar a nossa melancólica humanidade. Seria este, o remédio do século?, único capaz de curar a loucura temporal? Acho que não, o melhor emplasto do mundo ficou clarividente para mim, e imagino, também, que tenha ficado claro para Tina...; o melhor emplasto do mundo é reconhecer a loucura que ele é, embrenhando-se de vez nesse absurdo.


Ao criarmos nossa realidade, adquirimos o rosto da mesma, a ponto de fazer de nossa vida uma imitação desmedida da máscara do absurdo. Bem, são conjecturas, entretanto, aqueles que encararem como proposta... que assim o façam.


Segundo Camus, para o homem absurdo, este estágio de criação, já não se trata de explicar e de resolver, mas de sentir e de descrever. Precisamos aprender a descrever nossa ambição em pensamentos absurdos, porém abertos. Uma vez que nossa máscara vital já tenha assumido o caráter de absurdo, também poderemos usar de nossa vida para a efetivação deste absurdo; eis o emplasto mencionado anteriormente e tão desejado pelo senhor Brás Cubas.


É engraçado..., de todos os pensamentos que partem do absurdo, são poucos os que aí se mantém. Isso pode ser encarado como uma falha do emplasto, no entanto, não é este o caso de Tina, sua imaginação em pessoa é a personificação do absurdo, em um corpo ordinário e simplório. Talvez seja a máscara adentrando a alma, sua imitação é tão perfeita que assume o caráter de realidade existencial.


Todavia, retornando, a grande questão em mérito é o caráter transitório de alguns pensamentos que enveredaram pelo absurdo, o que será que os leva a essa transitoriedade? Serão, talvez, a falta de identificação com o absurdo e, também, a falsa existência da maioria dos homens? Pelo que penso, o raciocínio vago e a futilidade da vida são sintomas inquietantes, porém trágicos, da falsa existência... vivem, entretanto, não sabem disso. Mantém sua liberdade presa à transitoriedade de suas quimeras e vontades. Não têm consciência da força de suas faculdades mentais e de seu intelecto, preferem mediocrizar os grandes anseios da alma. Pode-se dizer que vivem uma vida desgarrada e subserviente.


O existir, para estas pessoas, deixou de significar... por isso elas insignificam... fazem parte das fronteiras entre a angústia e a expansão da alma. A brevidade de tempo por que passa seu espírito, oprime sua vida, vive-se em dissonância com anseios e vontades, ou melhor, auto-oprimem sua liberdade.


É necessário buscar o absurdo, vestir sua máscara, e embrenhar-se neste vale..., a validade da vida começa a existir quando existimos para nós mesmos...


segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Sociedades Maias, Incas e Astecas



Maias
No início do século XVI, quando os espanhóis chegaram na região do atual México, o território era habitado também pelos Maias. Os Maias construíram cidades com Tikal, Copán e Chichén Itzá. Nas cidades havia templos, casas de governantes e sacerdotes, monumentos e praças onde se realização celebrações religiosas. A maior parte da população vivia em pequenas casas fora dos centros urbanos.

A economia Maia era agrícola, eles comercializavam cacau, peles de animais, cerâmicas, tecidos de algodão e objetos feitos de pedras como obsidiana, jade e sílex. O povo pagava tributos aos governantes, trabalhando nas minas, na construção de pirâmides, no cultivo dos campos e na abertura e conservação de estradas.

Tidos como deuses, os governantes eram muito respeitados. Os Maias eram conhecedores de arquitetura, fizeram belíssimos templos e magníficos palácios, tinham também conhecimentos astronômicos e matemáticos. Criaram um calendário e um sistema de escrita bastante edificantes e coesos, e assim puderam registrar os acontecimentos da história do povo que julgavam importante.

Quando os conquistadores espanhóis chegaram ao continente americano, a civilização Maia já tinha perdido seu esplendor.

Incas
Na Cordilheira dos Andes e nas regiões banhadas pelo Oceano Pacífico havia, no início do século XVI, um Império sediado na cidade de Cuzco. Esse território pertence hoje ao Peru, Equador, Bolívia, Chile, Colômbia e Argentina.

O governante Inca era um imperador tido como divindade, ele governava com o auxílio de conselheiros escolhidos entre os membros de sua própria família. Os parentes também ocupavam cargos de prestígio no Império, como o de juízes, sacerdotes, generais e altos funcionários do Estado.

A economia do Império Inca era baseada na agricultura. As lavouras mais importantes eram a batata, o milho, o tomate e o feijão. Os Incas desenvolveram uma técnica de cultivo em terraços, aproveitando as encostas das montanhas andinas.

O Estado era dono de todas as terras, e os camponeses dependiam dele para poder trabalhar. Por isso tinham que pagar tributo em espécie (mercadorias) e em trabalho.

A sociedade Inca não era igualitária. O luxo e a riqueza da elite contrastava com a vida simples da maioria da população.

O Império Inca, assim como o Asteca, era formado por várias aldeias. Por razões de defesa ficavam no alto de montanhas. Esse rico Império despertou a admiração, mas atiçou também a enorme cobiça dos espanhóis.

Astecas
No século XVI, a região centro-sul do México abrigava um conjunto de sociedades (os Astecas). A principal cidade da região era Tenochtitlán. A Cidade do México, atual capital mexicana, foi erguida sobre as ruínas de Tenochtitlán.

Essas cidades eram habitadas por diferentes povos, que falavam diversas línguas, mas tinham em comum as técnicas utilizadas na agricultura, as relações comerciais e as crenças religiosas. Outra característica comum era a cobrança de impostos a partir de guerras e alianças militares. Os derrotados na guerra eram obrigados a pagar impostos aos vencedores em produtos ou em trabalho.

Além da cobrança de impostos também ocorriam guerras por motivos religiosos, nas quais o objetivo era fazer prisioneiros para sacrificar aos deuses. A religião tinha um relevante papel na civilização Asteca. Havia vários deuses, e os Astecas acreditavam que eles garantiriam a sobrevivência do seu povo, por isso a quantidade enorme de sacrifícios. Acreditavam também que os deuses orientavam a decisão do seu chefe supremo. Por isso construíam templos luxuosíssimos, decorados com objetos de ouro e prata, tão-somente para agradá-los. O sacrifício humano de prisioneiros era comum como oferenda aos deuses.

A sociedade Asteca era hierarquizada. A condição social do indivíduo era dada pela sua profissão ou atividade. Eles conheciam um tipo de escrita e criaram u calendário preciso. Eram hábeis artesãos e excelentes construtores. Todavia, foi rapidamente conquistada e dominada pelos espanhóis por volta de 1520.


sábado, 15 de agosto de 2009

Já Aos Sete...



Sobre Tarso...


A vida não é madrasta, é por isso que Augusto e Mátria não escondem de ninguém vossa humilde choupana. O teto, por mais simplório que pareça, constrói uma unidade para aquele casal.


A ordem dos móveis, a coerência da vida... exemplos de unidade familiar, microcosmo de uma célula bela e fértil.


Tal como a terra que aquece e umedece a semente da vida, o teto abriga e consolida a célula familiar. Quando nosso casal de heróis enterrou o primeiro torrão daquele lar, também plantou as bases de uma estrutura familiar proba e correta.


Naquele rincão, a corrupção da cidade não entraria. Um mundo exemplo de bondade e respeito, onde o verdadeiro amor é capaz, eis o mundo que Mátria e Augusto plantaram naquele torrão de terra. Este torrão de terra seria o exemplo... o primeiro de um contexto maior; o contexto do progresso e da união.


E a unidade, sugerida através de bases sólidas e corriqueiras, proporcionaria a criação desta vida. O suor diário, a labuta edificante... um mesmo cosmo de solidez e esperança.


A significação mística de humilde choupana sacralizaria a história daquela família. Servindo de exemplo aos frutos do amor familiar, apresentaria também a sabedoria dos serviços diários. Aprendizado consistente, amparado na sagrada instituição familiar, arma capaz de afastar daquela seara a contaminação do pecado, estruturando uma vida cansativa e suarenta, porém, única responsável pela consolidação da fraternidade humana.


O tempo seria testemunha ocular deste torrão puro e benquisto, e que nenhuma vergonha mundana suje os lençóis amarelecidos de sacro existir. Era obrigação daquele casal não permitir a entrada da desordem e da subversão... os valores cristãos eram os únicos doutores da pureza. O sagrado... carro-chefe da existência.


Unidade e ordem são os sinais do tempo, este infinito e imortal, presidido pelo Ser Supremo do Universo; Deus único que doou Seu filho aos martírios do homem, para libertar a humanidade, permitindo-lhe a redenção, perdida após a maldição de Adão. Já dizia um pensador medieval: Tudo aquilo ajustável à convicção pessoal é pecado, logo, o trabalho deve ser encarado como redenção deste pecado. Se o homem nasce pecador, faz-se mister expurgar do espírito tão grave maledicência, eis porém, o motivo da ressurreição de Cristo... expurgar os pecados da Terra.


No entanto, o homem ainda é muito vil; para que saia dessa vileza de espírito, deve-se dispor, incondicionalmente ao castigo referendado por Deus... o trabalho, se tínhamos tudo e não soubemos dar valor, temos que resgatar nossa sina, uma vez que ela conferirá a liberdade... transpiração e louvor.


Neste espírito de louvores cristãos e orações diuturnas nasce a criança Tarso. Bebê forte e com os mesmos preceitos morais de seu pai. Forte senso de justiça, labor e ordem. Já aos 7 anos de idade acompanhava o pai no roçado, bendita sorte aquela, pois seu pai não teria muitos anos de vida e (a contar daquele dia fatídico), entretanto, a família era volumosa.


Caberia ao jovem Tarso zelar por seus irmãos mais moços. Mesmo em imberbes anos sua presença era indispensável na lida. Muitas bocas, grande responsabilidade e poucos braços.


Mátria, nova chefe da família acompanharia nosso herói até o roçado, enquanto a irmã mais velha (8 anos apenas) cuidaria das outras crianças. Uma vida que surge esguia e uniforme. Uma criança e outras crianças... reflexos da responsabilidade à porta.


Um morte trágica, porém justa... Augusto, pai exemplar, marido honesto, cansado do trabalho fatigante resolvera descansar sob a frondosa gameleira. Tempo fechado... raios e trovões riscando os céus. Uma escuridão momentânea e definitiva, um raio, uma vida... seria castigo? Pode ser, mesmo que o cansaço nos subordine, não podemos largar o labor... um momento de descanso... uma eternidade para descansar..., é a morte sorrateira e justa. Deus e Sua justiça divina, a vida eterna e o paraíso perdido. Finalmente Augusto poderia voltar ao seu mundo... seu verdadeiro mundo, estupidamente arrancado por suas próprias mãos... o Criador chamou a criatura de volta...


Seu ciclo se encerrou!


sábado, 8 de agosto de 2009

Depois de Os Sertões!



PÁDUA LOPES


O dia 15 de agosto de 1909 era domingo. Na cidade do Rio de Janeiro, chuviscava insistentemente e fazia frio. Do Bairro Copacabana, um homem franzino, de tez amorenada, de bigode, saiu cedo de casa. Estava irrequieto, com seu guarda-chuva preto. Passou em casa da tia Carolina para pedir aos primos Nestor e Arnaldo um revólver emprestado. Seria para "matar um cão hidrófobo que está rondando minha casa", explicou, ao receber o Smith & Wesson, calibre 22, que meteu rápido no bolso do paletó. Dirigiu-se à Estação Central, comprando o bilhete de ida e volta para a Estação da Piedade. Lá saltou e saiu indagando a esmo, onde moravam dois tenentes, que eram irmãos. Não foi difícil encontrar quem soubesse o endereço. Os irmãos eram bastante conhecidos no local, por serem atletas esportivos. Dilermando de Assis ganhara o título de campeão de esgrima e de tiro ao alvo; Dinorah era goleiro do Botafogo. Alguém informou: "É ali adiante, na casa nº 214 da Estrada Real de Santa Cruz" (atual Avenida Suburbana).


Para lá, em passo sôfrego, se dirigiu o homem franzino com revólver no bolso. As portas e as janelas da casa ainda estavam fechadas. Pendurou o guarda-chuva preto no portão de ferro da entrada e bateu palmas, fortes. Dinorah foi atendê-lo, abrindo a porta lateral. Ao adentrar, o homem franzino sacou o revólver do bolso e anunciou: "Vim para matar ou morrer!".


Deu três tiros em Dilermando e, depois, três tiros em Dinorah, que tentou contê-lo. A sétima bala falhou. Apesar de ferido, Dilermando desferiu quatro tiros de revólver calibre 32, uma das balas perfurando o pulmão já enfraquecido pela tuberculose do homem franzino, que caiu em agonia. Um médico foi chamado às pressas. Conta-se que, quando chegou, depois de auscultar o corpo estendido na cama, o médico sentenciou: "Este homem está morto". Por curiosidade, indagou:


- Quem era este homem?


- O doutor Euclides da Cunha.O médico espantou-se com a revelação do nome. Procurou certificar-se sobre a identidade da pessoa:


- O autor de Os Sertões?


Era ele mesmo. Assim morreu o autor do mais consagrado livro brasileiro do início do século XX, vítima de uma tragédia amorosa provocada pela infidelidade de sua mulher, Anna da Cunha, conhecida como Sianinha. Dezessete anos mais novo, o amante Dilermando de Assis foi preso no quartel, submetido a júri popular e absolvido do crime por ter prevalecido a tese da legítima defesa. Libertado da prisão, logo no dia seguinte, em 12 de maio de 1911, casou-se com a viúva que se torna a senhora Anna de Assis.


Mas a tragédia não termina. O cadete Euclides da Cunha Filho, o Quidinho, foi incitado por parente e amigos a vingar a morte do pai, cuja honra continuava a ser afrontada com o casamento de sua mãe com o amante matador. Cheio de ódio e precaução, no dia 4 de junho de 1916, com uniforme militar, ele alvejou pelas costas o padastro, quando este consultava o processo de inventário de Euclides da Cunha no Cartório da Vara de Órfãos no Fórum. Quase desfalecendo, o campeão de tiro, também trajando uniforme militar, sacou de sua arma e abateu o enteado vingador com uma bala na cabeça.


Apesar do desespero de mãe, Anna de Assis se colocou ao lado do marido, que conseguiu sobreviver ao ataque. Submetido a Conselho de Guerra, Dilermando de Assis foi absolvido por unanimidade.


Contudo, desde a morte de Quidinho, o casamento não foi mais o mesmo. A vida em comum tumultuou-se e Dilermando de Assis procurou conforto nos braços da jovem Marieta. Descobrindo a infidelidade, Anna saiu de casa com os filhos, para viver na pobreza. Ela, que traíra Euclides, não tolerou a traição de Dilermando e abandonou o antigo amante.


Enredo de novela?


Poderia ser. Mas são fatos históricos que remetem ao acontecimento editorial que fez do diligente engenheiro de obras do governo de São Paulo, que construiu uma ponte metálica na cidade de São José do Rio Pardo, um dos maiores escritores do Brasil.


O livro


Sete anos antes da tragédia da Piedade, em 1902, Euclides da Cunha abalara o meio intelectual do País, com a publicação do livro Os Sertões (Campanha de Canudos), que imediatamente provocou admiração e aplauso.


De um momento para outro, virou celebridade, colhendo elogios gerais, inclusive de críticos exigentes como José Veríssimo e Sílvio Romero. Antes, o autor era vagamente conhecido pelos artigos que publicava no jornal O Estado de S. Paulo. Por causa desses artigos, sempre bem escritos, em 1897, ele fora designado correspondente desse jornal paulista na Guerra de Canudos, travada no interior da Bahia entre o Exército brasileiro e os seguidores do místico cearense Antônio Conselheiro.


A história da campanha militar, a experiência adquirida no contato com o meio agreste e com o sertanejo lhe inspiraram a obra, só que ela transpôs os limites da cobertura jornalística, para se situar numa fronteira entre o ensaio científico e a ficção literária. A obra foi dividida em três partes: "A Terra", "O Homem" e "A Luta", formando uma complexa unidade, com os dois primeiros temas justificando o terceiro. O texto foi surpreendente para seus contemporâneos, vazado em termos técnicos, recheado de palavras arcaicas; uma linguagem barroca, com antíteses, hipérboles e oxímoros, ao lado de descrições vigorosas, coloridas e poéticas. Parte da obra sofreu influência dos preconceitos raciais da época, induzidos pela filosofia determinista. No entanto, excetuado esse conteúdo superado, o livro se preserva extraordinariamente atual.


É preceito que um livro é considerado clássico quando ele admite, com o passar dos anos, interpretação atualizada de sua mensagem. Ou seja, o seu conteúdo é rejuvenescido com as releituras, que encontram nele uma verdade permanente ou uma fonte de sabedoria e beleza. O caso de "Os Sertões" é paradigma desse preceito. O ensaísta José Guilherme Merquior, com sua autoridade na matéria, afirmou que o livro é "o clássico de ciências humanas no Brasil". Como obra sociológica pioneira, descobriu os dois brasis, com as civilizações do litoral (progressista) e do interior (atrasada). Como obra histórica, registrou os erros políticos e militares que levaram o País a uma guerra civil. O estilo refinado da linguagem e a alta qualidade de seu texto lhe conferem lugar destacado como obra literária.


Não encontrando interessados na publicação do seu livro sobre a Campanha de Canudos, Euclides da Cunha pagou do próprio bolso a edição contratada com a casa Laemmert, do Rio de Janeiro. Pronta a impressão, ao fazer a revisão do livro, ficou desesperado com os erros tipográficos. Empreendeu a insana tarefa de emendá-los manualmente, acrescentando o que faltava com tinta de caneta e raspando com canivete o que sobrava no texto impresso de cada exemplar, para assombro e zombaria dos operários da oficina. Somente depois é que autorizou a editora a expor o livro na vitrine.


Sob tanta expectativa, o autor ficou nervoso, porque "tinha certeza" que a obra seria "um desastre". Conforme recordou depois, não aguentando a ansiedade, ele deixou o Rio de Janeiro e foi para a cidade de Lorena (SP), onde residia.


Mal chegou, saiu sem destino, a cavalo, vagando pelo interior de São Paulo, procurando não ver ninguém, esconder-se, para não ter notícia do "desastre" do livro. Ao cabo de oito dias, cansado e com saudade da família, resolveu voltar. Foi para a estação de Taubaté esperar o trem que vinha do Rio de Janeiro. Estava no restaurante quando avistou um passageiro com um livro debaixo do braço. Fixou os olhos no volume meio encoberto e não acreditava no que estava vendo. Num impulso, abordou o desconhecido, pedindo-lhe para mostrar a capa do livro. Era Os Sertões, era a primeira manifestação do sucesso editorial que se mantém há 100 anos.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Seção D'Outro



Fico com medo de dar divulgação a esse tipo de coisa, para não dar idéia pra bandido, mas aí vai. Uma notinha no Estadão dá conta de uma nova “política social” aplicada em Assis, no interior paulista.


A polícia da cidade decidiu utilizar-se do crime de vadiagem, previsto no artigo 59 da Lei de Contravenções Penais. A lei prevê pena de 15 dias a três meses de prisão para o ato de “entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita”.


Em 30 dias, 51 pessoas já foram fichadas pela polícia de Assis e estão sendo monitoradas pela prefeitura – comandada por Ézio Spera, do DEM (espero que o Kassab eo Serra não andem conversando com ele). Elas têm 30 dias para conseguir emprego ou poderão ser presas. Simples, não?


Se fizessem a mesma coisa no país todo, 15,6 milhões de pessoas ou 8,1% da população deveriam estar sob monitoria, segundo a taxa de desemprego do IBGE de julho.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Crônicas de Iniciação...



Quando a luz desceu do céu e começou a freqüentar a vida das pessoas, o universo ganhou uma nova significação. A partir de então, sua contextura adquiriu uma concepção humanizante. Este é o momento onde os homens começaram a enxergar o universo interior que é sua vida, com suas felicidades, tristezas e conflitos. Então, a vida começou a se perder no infinito, sobremaneira, quando era pensada e racionalizada. A única certeza destes homens é a de que, a vida é muito mais que um ciclo insosso e pré-estabelecido.


Junto com o universo, a vida ganhou infinitude, tornou-se possibilidade. Dizem que os homens começaram a ponderar acerca de eventos e pensamentos. Surgiu, aí, o homo sapiens, porém, sua sabedoria começou a ser moldada pela recorrência, assumindo um caráter ordinariamente absurdo. Estamos predispostos ao desconhecido e à surpresa.

Tina, assim que descobriu essa possibilidade, se transformou. Sua vida, outrora vazia e supérflua, tornou-se absurda e ambígua... ela descobrira o elo perdido, descera da árvore e começara a plantar, dominando a natureza e seus instrumentos.



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A porta acabara de se abrir após um longo tempo, recheado de gritos e blasfêmias, os pais de Albertina resolveram apresentar-lhe a situação.

Frederica e Jean, após dez anos de constantes atritos, estavam prestes a tomar a maior decisão de suas vidas e, consequentemente, da vida daquela pobre criança de onze anos. A situação tornara-se insustentável, nem mesmo o patrimônio e sua prestigiosa posição de destaque, acumulado por anos ininterruptos de trabalho, e a inocente presença de Tina (era assim que carinhosamente era chamada pelos pais), eram capazes de, falsamente, manter aquele acordo matrimonial.

A vida daquele jovem casal se transformara mui rapidamente, da noite para o dia uma herança batera à porta deles. Um fato inesperado tirara a vida do avô de Tina... recorrência de uma vida imprevisível, como ele mesmo gostava de ressaltar aos ouvidos inocentes de uma criança.

A falibilidade da vida humana é o fato mais absurdo de nossa existência. Ao mesmo tempo que apresentamos o segredo do genoma humano e a vacina para alguma doença fatídica, não sabemos o devir de nosso tempo. Sabemos, sim, que temos nosso próprio tempo, no entanto, as dobras de nosso existir não nos pertence, apesar de incitarmos nossa consciência à normalidade do pertencimento. Uma vida tão normal, mas, ao mesmo tempo, tão surpreendente. Essa é a centelha da vida de Tina, mesmo sem saber, esta máxima impera em sua vida com uma constância quase empedernida, senão teimosa.

A morte do avô e o desenlace de um matrimônio com bases sólidas, e confiante num futuro de realizações, como de fato aconteceu por algum tempo, eclodira o mecanismo absurdo de uma existência, explodindo a catarse diuturna de Tina. As recorrências de sua absurda vida normal deram a guinada necessária, o mundo se abriu num estado de recorrência... o absurdo passaria a conduzi-la, e a vida... desconduzida. Não existem vítimas nem culpados; o maniqueísmo da vida não pode ser encarado como único fio condutor de nossa existência, o que existe é recorrência de vazio e solidão, como também, recorrência de absurdo e ambíguo.

A vida de Tina fora isso; um ponto inicial com convergência entre o maniqueísmo mecanicista das relações humanas e a recorrência absurda do não pertencimento de uma vida normal. Seu existir consegue convergir com o existir dos homens, porém, estes últimos não conseguem enxergar tal convergência, uma vez que o maniqueísmo mecanicista fixou morada em seu cognoscente.

A notícia de inesperada separação, apesar de trágica para a vida de uma criança, não conseguira tirar Albertina do carrossel que entrastes. Após o falecimento de seu avô – um homem culto, sendo o primeiro educador de Tina e também o primeiro a apresentar a absurdez que é a vida –, nada mais poderia pegar Tina de surpresa. Mesmo porque, após a experiência com os livros, sentira em pelo, os ensinamentos do avô. A estupidez em que morreu... apenas exemplo de uma leitura antiga e altaneira..., pregressa ao tempo do elo perdido. A vida, segundo Wilhelm – seu avô –, era a efetivação da absurdez do universo, sendo assim, o homem não passa de protótipo racional dessa absurdez. Ou talvez, mecanismo de construção do insensato.

Da mesma forma que abriu, a porta se fechara, todavia, Albertina não saíra de sua posição... de seu casulo. Apenas levantara a cabeça para confirmar a recorrência de seu espírito. É fato que possuía tudo aquilo que pedia... só não sabia porque pedia. Seu quarto era a confirmação do maniqueísmo simplista de sua vida, aliás, da vida que seus pais lhe dera. Sendo eles a matriz conformadora deste maniqueísmo, são também a edificação triunfal de uma sombra... a sombra da esfinge de nariz quebrado... altaneira e débil.

A surpresa, minha cara Tina, é se surpreender com o devir, ou melhor, com o futuro... tudo pode ser possível desde que adentremos a este mundo.


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Somos instrumentos; minha querida netinha, não sei se você entende o que estou dizendo, mas quando parardes para refletir sobre isso, poderá me compreender melhor.

É por isso que te digo, os homens, apesar de sapiens, precisam se utilizar melhor dessa faculdade mental. Acho que, ao evitarmos tal faculdade, estamos evitando nossa vida; e nossa vida pode apresentar muito mais que simples paredes em branco. Somos a base de nosso absurdo e a quintessência de nosso saber. Espero que, dentro deste saber, a sua vida seja melhor aproveitada.

Ainda uma criança de oito anos, porém com olhos curiosos e brilhantes. Não é a toa que seu avô começou a se aproximar. Notara nessa criança uma capacidade cognoscente extremamente produtiva, por isso resolvera, pessoalmente, desde os seis anos, apresentá-la ás letras... primeiro com a cartilha, notando que, em pouco tempo, não era mais suficiente para saciar a sua curiosidade, sendo fonte interminável de sentidos, passou para obras mais imponentes, aguçando seus sensores.

Lia-as como se estivesse contando uma estória de fadas e anões. Sentia que a saciedade de seu espírito, cansado e carcomido, poderia ser recompensada e suprida com a aprendizagem dessa garota precoce. Nunca, em sua vida, investira tanto em alguém, nem mesmo com seu filho Jean se envolvera tanto.

No entanto, sabia que Tina era diferente, apesar dos regalos, a menina não se contentaria com isso, somente. E, pelo visto, dera certo... sentira que a semente estava germinando e isso era como sorver o néctar, característico das refeições do Olimpo... Se embriagava com tão doce beberagem. Fustigava seu opositor como quem passeia com um bebê, pela pracinha ensolarada. E seu opositor era seu mundo... que planava sobre suas dores.

Mas vovô, como é que podemos descobrir estes sinais? Se eu sou um instrumento da natureza, qual é o papel do universo nisso? Aquela luz que desceu do céu entrou dentro de mim?

Entrou sim, minha querida, e neste momento a vejo despontar em seus olhos. O brilho que deles emana é tão intenso e belo, que chega a cegar as gastas pupilas de seu avô...

Você não precisa ir muito longe para descobrir esta luz, sua presença é a personificação da mesma, e seus olhos são o caleidoscópio do saber.

Mal sabia, a doce Albertina, que essa seria a última de suas entrevistas com o vovô. Entretanto, só depois dessa entrevista que nossa criança começaria a reconhecer os raios de luz que despontavam de seu espírito, e digo mais, após essa entrevista, mas, personificado no corpo frio de seu avô, dentro do gélido ataúde. Ninguém vira, porém Tina enxergara no corpo gelado do avô, o instrumento iluminado que daí saíra, entrando em seu corpinho moço e puro.

A partir deste momento, essa jovem criança começaria a se maravilhar com a absurda normalidade que é a vida humana.

O momento surpreende mesmo os que o esperam...