terça-feira, 28 de julho de 2009

Poesia


Diário de um daltônico


Eu preciso ver o mundo

O que acontece para além da minha janela trêmula e sem foco

Que é uma sobrancelha que se enruga com o vento

Ou o meu olhar que se envergonha com o seu

Preciso sentir o mundo correr pela estrada a fora

Ver o que eu posso fazer

Conseguir o que eu quero

Mas eu não sei o que eu quero

Nem sei se sei querer

O meu desejo não dura muito tempo

É como um orgasmo precoce, um sorriso sem graça.

O que eu quero é só de vez em quando.

O sorriso da serpente deslizou

Até chegar no seu destino

Não quero o amanhã sem graça de todos os dias

Quero ficar onde estou e ao mesmo tempo sinto vontade de correr

Para todos os lados que meu nariz apontar

Não quero obrigações ou imposições

Quero amanhecer quando puder

Não quero viver a mercê da sociedade,

Dos seus costumes estúpidos

O que eu quero é te ter no meio da rua

Para que todo mundo veja inclusive quem você ama

Quero ser como os cães

Que fazem o que querem e quando querem

Não precisam de ritos para dissimular o que mais desejam

São autênticos.

E é isso que eu quero.

Não quero disfarçar o que penso ou esconder o que sinto

Quero poder dizer qual a cor do meu céu...

Pelo menos é isso que eu quero agora

O antes e o depois eu já não sei

Só existe o agora

O ontem é só lembrança e o amanhã é só sonho

Enquanto não se tornar o hoje.


25/07/91

Poesia




JANELA PARA AS ESTRELAS


Todo mundo deveria ter uma janela para as estrelas.

Às vezes nós dois ficamos tão solitários

Eu não escolhi esse caminho

Eu sempre quis caminhar a beira mar

Sentir as ondas beijar os meus pés

Eu não posso dar-lhe além do que recebo

E o silêncio de seus olhos machuca-me a alma

Seu sorriso é tão doce e tão raro...

E o vento continua a varrer o mundo

Como se nada tivesse acontecido.

1999

Meninos e Meninas e os conflitos da sexualidade



Em tempos de passeata gay, de intolerâncias e violências contra as minorias, é sempre bom lembrar e refletir sobre alguns versos de uma música que fez muito sucesso no final dos anos 80 na voz de Renato Russo da Legião Urbana.


Entre várias letras que falavam de sua condição como homem e gay, Renato Russo em “Meninos e Meninas” se destaca por tocar num conflito que praticamente todos jovens passam, digamos, o ritual de passagem entre a puberdade e a fase adulta, qual seja, a construção da sexualidade, da relação com a família, com os outros de sua idade e com os mais velhos.


A canção narra o conflito entre a formação religiosa da personagem da música narrada em 1ª pessoa, que é proveniente de uma família católica e os sentimentos novos e confusos: o gostar diferente em relação a meninos e meninas e como ser aceito pela família, pela sociedade e, espiritualmente, pela crença religiosa de seus pais, nesse último conflito, como superar o preconceito religioso que insiste em rotular o homossexualismo, ainda hoje (e não se restringe apenas ao catolicismo), como uma anormalidade, uma promiscuidade, enfim, como um pecado.


Como é próprio da modernidade sexista descrita por Foucault em sua trilogia: “História da Sexualidade” em que contestou a tese da repressão sexual de autores como Marcuse, revelando que, para além da repressão, o poder age como incentivador do discurso sexual, modelando, acomodando, fiscalizando, punindo sim, mas, sobretudo, formando regras de conduta baseadas em um saber sexual, com seus dispositivos de poder e verdade.


É sobre essa ótica, a do centralismo sexual, que os adolescentes do Ocidente começam a tatear e a fazer a leitura de mundo, a julgar os colegas e a si mesmo, a condenar certas condutas e a se espelharem em outras, para se formar enquanto indivíduo. É um aprendizado tortuoso, pois, por um lado, são cobrados por todos, acerca de sua conduta ética, julgados, em grande parte, pelo comportamento sexual que adotam e, por outro, se vêem sozinhos, desassistidos e, concomitantemente, direcionados por um discurso de saber sexual que diz a hora, o local e para quem devem se expressar, não certamente, para pessoas da mesma faixa etária.


Além de todo o ensejo para refletirmos, proporcionado pela letra de Renato Russo, há também as ambigüidades, um colega meu diria: a canção é polissêmica, pois a cada nova audição, permite que você a perceba de outra forma, com ênfase em outros aspectos. Nesse sentido, “Meninos e Meninas” transcende os clichês do pop e não pode ser simplesmente descartada, muito pelo contrário, é uma legítima poesia que expressa os anos 80, mas também o ultrapassa em sua temática ainda atual (talvez, os anos 80 também continuem atuais).


Abaixo a intolerância!

domingo, 26 de julho de 2009

Onde Tudo Começa...


Àquela hora da manhã, o silêncio parecia um mal presságio... até mesmo a patrulha assoprava fumaça no ar. Por incrível que pareça, nem mesmo o odor acre da putrefação, incomodava aqueles homens... não sei se por rotina ou mesmo por estranhezas de guerra. A única certeza é a de que, estranhamente, o ambiente parecia festivo.



Ainda assim, o que se nota é um ambiente extremamente hostil. Nem mesmo as roupas utilizadas faziam parte da realidade daqueles homens. Uma sensação de máscara pairava sobre os ares destas terras estrangeiras... seus habitantes, naquele momento, eram estranhos à paisagem. Apesar de serem homens com características físicas, mais ou menos universais, tal universo era como suas roupas... largas e desconfortáveis.


A divertida sensação de estranhamento acometia vários homens, mas um em especial, ainda nem tinha percebido a hostilidade do terreno, importava apenas a curiosidade do momento. E o momento era um sentimento de surpresa e deslumbre, ou ainda, a sensação de plenitude comportamental.



# # #



O palco estava montado e a encenação era perfeita, porém nosso anti-herói não conhecia os fatos. E foram estes fatos o ponto de partida de uma consciência futura. Foram estes fatos que jogaram Edrid ao desconhecido e à surpresa.


Contava então com 18 anos, acabara de sair da casa dos pais, e aquele ato de desobediência psicológica tinha a caracterização de um ritual libertador, mas, ao mesmo tempo, imprevisível. Todavia, fora esta imprevisibilidade que impulsionara aquele jovem de cabelos rebeldes e ar sério, ao local onde se encontrava.


Sem noção de espaço futuro, porém, forte ímpeto de presente, aquela situação ora vivida, significava o enterro de um passado impessoal. Aliás, o enterro de uma vida hostil e sufocante.


Entretanto, o que levou este jovem a sair da companhia dos pais e arriscar-se numa campanha obscura e incerta? Tentarei explicar: desde auroras passadas, esta criança inquieta sentia-se dispersa e fragmentária; mesmo sem saber do que se tratava, a inquietação era para sua vida uma presença constante. Cá em meus pensamentos imagino que, sendo como é, uma partícula do mundo, os homens, devemos ter raízes resistentementes sulcadas na terra, com suas intermináveis ramificações existenciais; as mesmas, permitindo-nos esclarecer nossa ligação intimista e fragmentária com o mundo, esclarecem também a incompatibilidade de vivermos em platôs suspensos...com raízes aéreas, tais como os jardins da lendária Babilônia.


Talvez, este espírito de estranheza seja a premissa de nosso existir. Assim como Edrid, nossa quintessência tem como fundação o inquieto e o suspenso... por isso a necessidade de raízes saldáveis e volumosas... E mesmo nesta fila, onde Edrid confirma o enterro de seu passado impessoal, queiramos ou não, está lançando uma lanterna até seu futuro. Por mais que seja incerto, traz para ele o conforto da surpresa... embora não saiba, é esta surpresa o símbolo fundante de seu ritual, quiçá, sua personalidade. O desenlace dera-se a partir do momento em que o jovem Edrid entrou na fila.


O palco montado, as personagens silenciosas e a fila... tudo recorrência de uma trama incerta e muito bem representada... a encenação perfeita fora o ponto de partida e Edrid o primeiro passo.
"O tempo, segundo uma bela fórmula de Platão, é a imagem móvel da eternidade."



# # #



O momento, definitivamente, é aquilo que nossas sensações criam. Para Edrid, nem o mal cheiro da trincheira à sua frente tirava-lhe seu estupor. A sensualidade daquele ambiente, sua força psicológica... sua ramagem nunca vista antes, enfim, tudo á sua volta era novidade.


Desembarcara no dia anterior; imaginava que aquela fila traria surpresas, contudo, sua expectativa fora superada. Aqueles corpos... vivos e mortos, dividindo o mesmo espaço, apresentando uma estranheza no ar, mostrando um mundo impreciso, porém, ao mesmo tempo impetuoso... a busca do tempo perdido se confirma na perda final. O tempo é móvel, no entanto traz a eternidade, e aqueles corpos confirmam a sistemática do limite... a certeza de nossa falibilidade. Nem mesmo isso fora capaz de arrancar a sensação de Edrid... seu primeiro dia começara bem.


De repente, como que saindo de um sonho, um barulho estrondoso invade os ouvidos de Edrid, um clarão faz suas vistas turvarem por segundos... minutos... horas... dias! A seqüência é apresentada por gritos, novos estrondos, sombras voam sobre sua cabeça e um novo ruído invade seu estado de espírito. A sensação de escuro toma o ambiente, uma dor insuportável o joga no chão, passam-se vultos sobre sua face... As palavras ouvidas começam a se distanciar, neste momento as trevas preenchem sua memória... suas retinas estão opacas e vão se perdendo no infinito... apagão total!



# # #



Foram horas de agonia, paramédicos com armas em punho. Grandes lança-foguetes tentando revidar... o caos em formato de sangue!


A contar do instante em que aconteceu o ataque aéreo até os olhos se abrirem novamente, foram dias.


Mas, antes de enxergar a luz novamente, muita coisa aconteceu...


Aquela sensação de euforia e novidade fora brutalmente interrompida por uma bomba, a perna sendo despedaçada e o sentido da morte se mostrando tanto quanto da vida que acabara de ganhar... e tão belo quanto! Achava que tinha encontrado a liberdade, no entanto, só a possibilidade da dor, tardiamente sentida, fora capaz de mostrar à sua torpe consciência, a farsa daquela dramaturgia oficialesca.


Foram horas de esquecimento, nada se via, nada se sentia... apenas escurecia. A dor não existia mais, era a própria existência. Contudo, não era uma dor física, pois seu corpo se encontrava dormente e ensangüentado... era a dor da alma, da desilusão e da surpresa. A dor que rondava seu espírito era existencial, algo intenso e, por incrível que pareça... libertador! Aliás, a vida era sofrer, era sentir dor. Sensações como essa começavam a se processar na mente adormecida de Edrid. Apesar de dormente, seus pensamentos despontavam, pulavam aos borbotões sobre aquele vazio escuro e estranho. Erigiam castelos de areia... rompiam a normalidade da vida... apenas pensamentos, todavia, com a força hercúlea do assalto e da plenitude... no entanto, apenas dor!


Se um papel em branco aparecesse á frente da consciência de Edrid, em segundos seria como essa página que o leitor aprecia... cheia de letras e signos... símbolos de dor e sofrimento. Eis o suplício, segundo os olhos de Gutenberg, seu legado se confunde com os sentimentos de Edrid.


E nosso anti-herói? Reflexo da encenação oficialesca de uma conjuntura fascista, medíocre e hipócrita... será que acabou?


Para Edrid acabou, trouxe-lhe surpresas, traçando definitivamente as linhas de uma vida em suplício, aliás, de um suplício eterno no formato de vida...


quinta-feira, 23 de julho de 2009

Disque M para Matar: uma trama perfeita de um crime quase perfeito



“Disque M para Matar” é a história de um crime quase perfeito, mas é, por outro lado também, uma filmagem sincronizada e dramaticamente bem construída que se amarra até nos mínimos detalhes. Entre outras cenas em que se pode comprovar isso, está aquela em que o matador contratado/chantageado deve deixar a chave para que o marido entre depois e encontre sua mulher morta.


Toda a trama depende desse detalhe que é registrado em poucos segundos na seqüência em que o aspirante a assassino pega a chave escondida sob o tapete da escada, gira a chave, mas demora alguns instantes para abrir a porta, esses instantes, como a câmera está dentro da casa esperando a porta se abrir, é a comprovação técnica de que a chave é colocada de volta no lugar, antes que o homem, encarregado de assassinar Margot (Grace Kelly) entrasse na casa, conforme havia combinado com Tony (Ray Milland) seu marido, para que este ficasse com a herança.


Quando Tony, então, com seu álibi perfeito no clube, o ex-amante de sua mulher, Mark, descobre, preocupado e apreensivo, que seu plano não havia dado certo, começa a pensar no que faria para evitar que a polícia não desconfiasse que a tentativa de assassinato a sua pessoa tivesse motivações passionais ou econômicas, pois era o seu ex-colega de faculdade que estava morto no chão de sua sala.


Nesse momento, Tony acha que o Swan, o assassino contratado, como não conseguiu matar sua mulher, estava ainda de posse da chave, por isso, é que ele diz a ela para não chamar a polícia, para que tenha tempo de pegar a chave e assim tirar qualquer possibilidade de ser incriminado.

Nesse sentido, a chave poderia está representada com muita justiça no título do filme, pois, tal qual o “M” que representa o código do bairro da casa de Tony onde ele liga para que o assassino surpreenda sua mulher, quando esta fosse atender ao telefone, e por isso representa o acionamento da cena principal; é também, em torno da chave, que gira toda a trama dirigida com toda a maestria por Hitchcock.

O Terror “Cult” do Iluminado Stanley Kubrick



O “Iluminado” de Stanley Kubrick é um daqueles filmes em que somos, a cada cena, manipulados a sentir temor, suspense, surpresa e dúvida, com tal volúpia, que é bom estarmos sempre com o controle na mão para que possamos parar o filme e pensarmos a respeito.


Se no clássico “Dom Casmurro” de Machado de Assis, a dúvida é sobre se Capitu traiu ou não seu marido, no filme de Kubrick, a questão reside em saber se os acontecimentos são sobrenaturais ou psicológicos, da imaginação de Jack, o pai escritor, e de seu filho Danny.


Na cena que Jack escapa misteriosamente da câmara fria onde sua mulher o prendeu preventivamente depois de ser atacada por ele, parece-nos que finalmente o diretor optou pela interpretação sobrenatural, mas, em uma das últimas cenas do filme, a câmera começa a se mover lentamente para o painel de fotos de hóspedes do hotel e numa das fotos podemos ver Jack ao lado do garçom supostamente imaginado por ele.


Jack Torrance então estava no hotel quando ocorreram os assassinatos das filhas gêmeas e da mulher do funcionário?


Será que a cena em que Jack imagina estar abraçado a uma mulher nua e é flagrado pelas gêmeas não seria uma lembrança, um trauma não superado e, sendo assim, o crime teria sido cometido por Jack para que as filhas não tivessem a chance de contar ao pai? Talvez...


Assista ao filme e tire suas próprias conclusões!

Brancaleone: O brilhante dom Quixote de Monicelli




Há algum tempo, um amigo me indicara um filme com a seguinte recomendação: “assista Brancaleone, é uma comédia sobre a Idade Média!”. Lembro que ao ouvir tal frase me dirigi imediatamente para a locadora mais próxima. Fiquei encantado com o filme e não temo em dizer que é, não só, a melhor comédia, como o melhor filme sobre a Idade Média que assisti.


Lá você encontra todos os principais elementos do fim do feudalismo. O filme conta a história de um cavaleiro medieval pobre, Brancaleone, que procura ganhar um torneio e casar-se com a princesa, até aí um clichê legítimo. Mas, a maneira como é narrada, pelo brilhante Monicelli, e as várias idas e vindas da trama é o que faz a diferença.


A película começa com uma invasão bárbara a um feudo que é salvo por um cavaleiro solitário, que ferido, é atacado por alguns sobreviventes que ele salvou. Assim, quando se encontrava à beira da morte, roubam-lhe a armadura, a espada e um misterioso pergaminho. Na cena seguinte os assaltantes levam os despojos do crime para vendê-los a um mercador judeu, que quando lê o manuscrito, percebe a encrenca em que ambos se meteram, tratava-se da concessão de um feudo ao cavaleiro portador do manuscrito que, naquele momento, se encontrava morto.


Tais personagens então partem em busca de um cavaleiro que possa tomar o feudo de Alencastro, é aí que encontrarão Brancaleone que deu vexame no torneio devido a não conseguir dominar seu cavalo. Monicelli ainda vai acrescentar outros elementos no filme: um cavaleiro de Bizâncio que irá duelar com Brancaleone pelo direito de passagem, uma das melhores cenas do filme; um monge que arrebanha voluntários para lutar na terra santa; um castelo abandonado cheio de vítimas da Peste Negra; as invasões árabes às vilas litorâneas do Mediterrâneo e muito mais.


Tudo isso regido por Brancaleone que personifica dom Quixote de Cervantes, o honrado e atrapalhado cavaleiro medieval que, na literatura, marca a transição entre Idade Média e modernidade, como também é uma das intenções de Monicelli. A continuação da história, ou melhor, do filme, ninguém pode perder, principalmente, quem gosta de história e de dar umas boas gargalhadas em alto nível.