domingo, 28 de junho de 2009

Capítulo de Um Homem Só!


Eddie...


Tem urubu na torre da igreja... defuntos e carcaças semeiam sua ideologia falida. A sacristia esconde restos pútridos das catedrais... somos homens órfãos, deuses sem anjos... O Pai morreu e os filhos não conseguem delimitar seu norte... a maldição ronda os mortais, somos mortais, sou mortal...


A torre da igreja pode esconder muito mais que belos vitrais. As cidades se apresentam como uma visão de apocalipse..., o tempo sabe que o ciclo dos homens se findou, deixemos de ser homem... fujamos do apocalipse, eis a origem do homem transbordante... Eddie não observa, mas foge, sabe que o monte e a floresta são mais sábios, e também que é neste monte e nesta floresta que poderá transbordar seu espírito e deixar de ser homem, sendo mortal, porém esgotando o campo do possível. Seu pulsar não se assemelha às asas negras do urubu, na torre da igreja... mas pulsa como Heráclito e suas águas.


Um mundo enterrado, repleto de pó e morte... talvez por isso nosso andarilho prefira o silêncio inquieto das noites em vida. Seu espírito cheira a vida... por isso, o mal-cheiro enegrecido dos urubus não perturba. Entretanto, a torre continua infestada... sem vida!


A contaminação é geral, dentro das narinas um odor podre de carne morta... carne humana, repleta de hematomas.


É assim que o espírito de nosso andarilho vê o resto ilegítimo que tornou-se o ser humano. Dali do alto o mundo parece minúsculo sob seus pés... o ar rarefeito das altitudes refrigera e purifica o ar pútrido da humanidade em decadência, com sua torre em asas negras.


Os pulmões de Eddie se abrem, suas entranhas são expostas... contudo, nem mesmo a visão dantesca, de cena tão marcante, consegue ultrapassar a imagem diuturna do hecatombe humano... são os homens causa e reflexo desse hecatombe, sua putrefação doentia exasperou o senso de limite, do frágil universo. Apenas Eddie vê e fustiga esse limite. Ele o reconhece, no entanto, o esmaga.


Junto com as entranhas de nosso andarilho, a exposição de sua noção de espaço fulgura como uma luz, em noite de chuva. Não que Eddie queira iluminar o caminho dos homens, longe disso, sua luz se mostra como caminho palatável de suas entranhas feridas. A luz que emana de sua entranha, somente a ela própria se preza, sua única pretensão é permitir que seus pulmões consigam encontrar o ar rarefeito das alturas. Só na montanha, dentro da caverna, é que nosso andarilho vê suas entranhas e as saboreia. O alimento diário é a exposição de vísceras, em assombro com a baixeza do vale e com a tíbia existência dos homens.


Os sertões de sua maturidade, juntamente com a luminosidade de suas vísceras expostas, são exemplos concretos da noção de limite de Eddie. Apenas as alturas conseguem, junto com o silencioso escuro da caverna, proteger nosso andarilho da putrefacta existência... o homem é podre, e está totalmente contaminado com sua ignorante mediocridade.


Dentro da hipotética conciliação deste homem, com seu primevo existir, vários são os fatores que emperram sua plena liberdade. Mesmo sabendo onde buscar, estando tão próximo de seus instintos e paixões, o mesmo se deixa levar pela podre existência de seu vizinho de/em miséria... não uma miséria física, senão a miséria do espírito. Falta aristocracia aos atos humanos, porém, não confundemos aristocracia de espírito por filisteísmo de alma. O que é o filisteísmo da alma? É a própria hipocrisia de uma vida ilusória e aparente... a aristocracia do espírito não deve ser confundida, jamais, com a hipócrita aparência de uma alma ilusória e enganadora.


O homem só atingiu esse estágio de putrefação, quando se esqueceu de sua primeva aristocracia de espírito, enveredando-se pelo filisteísmo dos atos, uma vez que, a aparência passou a valer mais que a essência. Já dizia um filósofo francês do século XX, a existência precede a essência..., será preciso buscarmos nossa verdadeira existência, aquela que pulsa entre nossos dedos e transborda nosso espírito.


Ao buscar suas origens, os homens tornaram-se caranguejos, começando a acreditar para trás. A verdade, em suas múltiplas facetas, tornou-se representação de mundo... o mundo da representação ilusória passou a ser o mundo verdadeiro! O quebra-cabeça está se construindo... precisamos repensá-lo.


A morte do espírito trouxe à vida o imperar da moral filistéica burguesa, nossas paixões foram subjugadas. O mundo burguês conseguiu esmagar as vontades do homem, seu instinto primordial se perdeu. Esta vilania existencial (a vilania do mundo filisteu burguês e utilitarista) trouxe para a humanidade ranços e limites. A doença tomou o corpo e o jogou na cama... isso fede, sinto-me mal... A língua ferina, a acidez das palavras... precisamos deste emplasto!


O corpo exala vontade, paixão e desejo, todavia, temos apresentado alienação, razão em demasia e controle. Talvez, o mal-cheiro que exala da humanidade tenha obrigado o homem a controlar seus instintos, deixando no ar este odor putrefacto que tanto incomoda Eddie, a ponto de fazê-lo fugir dos homens. Trazendo para a cidade os urubus, com suas asas negras e pestilentas.


O silêncio e a solidão ainda são os melhores elixires da doença do mundo.


Infantis e loucos... se deixamos de existir, tornamo-nos racionais e adultos!


O homem é podre!


quarta-feira, 24 de junho de 2009

Escrever Para Quê?



A escrita e produção de textos, desde sempre, foram uma constante dentre as preocupações daqueles que entraram na escola nos anos de 1940, nos anos de 1960 e nos anos de 1980 – o que significa que hoje não é, nem será, diferente. No entanto, o grande imbroglio é: o que escrever e como produzir.


Para se escrever, para a produção textual, muitos elementos acabam por alimentar seu percurso construtivo. O resultado final, além de criticidade, deve ser pensado como autonomia, principalmente. Mas antes de se atingir este constructo, o caminho percorrido necessita de algumas novas experiências e novas referências. Não dá pra ensinar nossas crianças a escrever como fomos ensinados; não no atual contexto de nossa sociedade, tão enleada e cheia de informações como é hoje. Não é à toa que a Internet tornou-se uma realidade para a identidade de nossa sociedade atual, principalmente entre os mais jovens.


As preocupações com a produção de texto, como referido acima, não são preocupações de agora, tão-somente, são, sim, desde sempre, uma máxima a ser buscada entre os educandos, independente de seu grau de ensino, nem tampouco de sua vocação técnica. Além do mais, uma nova preocupação, além da de outrora, com tanta informação em circulação no mundo.


Sempre se tem a obrigatoriedade de fazer de nossos alunos bons leitores, automaticamente, bons escrevinhadores. E que as informações que eles tiverem acesso, atualmente, sejam informações recebidas a partir de certa reflexão e autonomia.


A partir disso pode-se, de fato, falarmos em escrever de verdade, todavia, só não se tem tão claro o seguinte: escrever o quê, sobre o quê e, principalmente (maior de todas as perguntas); como seria escrever de verdade? É com base neste questionamento que se propõe o teor deste texto.


As três linhas mestras de construção textual, desde sempre, são: narração, descrição e dissertação. Afinal de contas, há alguma preocupação dos educadores em oferecer aos seus educandos subsídios de como escrever bem, ou subsídios do que seriam estes três estilos de texto? E ainda, como colocar na alma de algum aluno a vocação para escrever a respeito de qualquer um destes temas, tendo à sua frente esta gama de informações as mais variadas, que muitos deles já têm acesso?


Ao lidar com os três estilos, muitos professores, simplesmente, não tentavam considerar quem seriam os leitores destes três estilos – primeira preocupação para se ensinar, de fato, um leitor a tornar-se um escritor –, não havendo, com isso, qualquer reflexão sobre a melhor estratégia para se colocar isso no papel.


Ademais, uma outra grande incógnita, com relação a esta produção de textos, e principalmente, à criação de um educando crítico e conhecedor das realidades que o circundam, é a grande e maior máxima da educação nos dias de hoje: trazer a criança para a produção de conhecimentos a partir de uma realidade sua, toda peculiar, ou seja, enfocar o dia-a-dia e a realidade por esta criança vivenciada, para que isso seja um subsídio para seus textos.


Como uma criança participaria de forma eficiente de uma criação e produção que surge dela, mas não pode ficar vinculada, somente, à ela? A realidade quotidiana é muito importante para a vivência deste texto, entretando, e se esta criança chegar à escola a partir de um universo totalmente estéril, do ponto de vista de vivências saudáveis? E ainda, como falar em narração, dissertação e descrição para alguém que não sabe, sequer, o que é um livro, muito menos, como acessar a Internet?


Dificuldade maior enfrentamos quando da transposição deste universo peculiar e familiar para um universo ainda mais grandioso, cheio de vida própria, e que clama por ser ouvido para, logo em seguida, fazer-se ouvir pelas mãos desta criança. E este universo é a sala de aula com sua multiplicidade identitária e social, local de regras e novas e variadas informações. Um ambiente que apresneta a estas crianças as mais variadas realidades e facetas de uma vida que, para ela, sempre foi algo minúsculo e só.


Saindo dos problemas e já pensando num possível caminho, esta criança, quando deste primeiro contato, com tão novo mundo, precisaria aprender a se envolver com seu entorno, sem que este entorno se torne para si um problema, um trauma, ou mesmo uma sensação de não-pertencimento.


Para isso há a necessidade de a transportar a um novo universo, que coloque esta criança do lado de fora de sua realidade quotidiana. Olhando do lado de fora fica mais fácil interagir e modificar; e um texto pode muito bem fazer este papel. Leitura e escrita devem estar inteiramente envolvidas na vida social deste novo membro leitor, nesta nova sociedade que ela também tornar-se-á membro.


Cada informação recebida por esta criança envolve certo tipo de texto, e novas informações são necessárias para o melhor reconhecimento deste novo ambiente. A partir deste momento, talvez, se poderia começar a falar em estilos literários, pois, cada informação corresponde a certa intromissão deste indivíduo em seu universo. E a mesma deve estar preparada para entender seus signos, produzindo sobre o mesmo, com suas significações próprias e críticas. Ao menos, do ponto de vista da formação educacional, esta deveria ser a máxima a se levantar – e efetivar.


Tendo estes aspectos como vislumbre de conhecimento, e objetivo de conquista, é condição mínima para se escrever sobre, aliás, escrever bem e sobre algo. Donde então se busca tais informações? Donde surge tais interrogações? Primeiro das atuais necessidades desta sociedade que já é conhecida como sociedade da informação e, segundo, que é um tema muito em voga no dia-a-dia das atuais discussões acerca da educação (vide a revista – Jan./Fev. 2009 – reportagem de capa da revista Nova Escola, fonte principal de informações de referido texto).


Para se falar em sociedade da informação, num primeiro momento temos que desvendar que tipo de informações tal sociedade está a nos oferecer, e como isso é recebido pela criança que começa a se envolver com tais informações. O discurso precisa ser elaborado de forma que seja ouvido e compreendido. Não importando qual o universo social que o produtor deste discurso está partindo.


A leitura e, consequentemente, a escrita, precisam de um incentivo. O principal deles é quando a produção de textos é feita para alguém. A criança estará criando um discurso para levar onde? Apenas dentro do escaninho de seu professor? Com certeza não. Até mesmo o adulto quando escreve não o faz para guardar, mas para informar alguém sobre certa discussão. O escritor precisa de um leitor. Para crianças que estão começando a deslindar este universo não é diferente: “O objetivo é fazer com que um leitor ausente no momento da produção compreenda o que se quis comunicar – e esse desafio requer diferentes aprendizagens.” (GURGEL, 2009: Escrever de Verdade; 39)


A ausência do leitor, no momento em que um texto é escrito, talvez seja o grande obstáculo do escritor. Se não há objetivo para escrita – ou alguém para ler – não faz sentido criar aquele determinado discurso. Afinal de contas: estás a fazer um discurso para quem?


Dessa forma, esta preocupação deve estar clara para o educador, até mesmo para que ele consiga levar isso para o educando. Escrever requer presença, e não ausência; ou ainda, incerteza de presença.


A criança, sabendo para qual objetivo está produzindo um texto, também sente a necessidade de se comportar como um leitor e um escritor dentro de situações práticas, e não em meras verbalizações. O objetivo da escrita deve estar intimamente ligado com o universo prático de onde surge tal discurso e para onde o mesmo se direciona. Daí, ainda com base em Gurgel, a importância em percorrer três caminhos: a construção das condições didáticas, a revisão e a criação de um percurso de autoria (2009: 40), e junto com a autoria, de forma automática, também a autonomia; processo consequente de todo este percurso.


A produção textual, ademais, necessita de condições didáticas. As condições podem ser trazidas pelo educador, ou mesmo pela criança. Ela só precisa saber de onde está patindo. Um texto, quando escrito, não surge do nada, nem vem como uma visão. Há a necessidade de que haja condições concretas, destinação clara e principalmente intermediação identitária (do conhecimento do educador com relação ao universo social da criança) para que a produção tenha sentido, e faça sentido para a criança.


A partir do momento em que este universo, e este percurso, sejam uma constante no quotidiano das produções, um segundo passo pode ser apresentar os vários estilos. Também de forma concreta, para que a criança reconheça e se reconheça. O gênero, ou estilo, só precisa surgir neste universo da criança, quando de seu reconhecimento: seja na escola, ou fora dela.


No entanto, nenhum gênero surge sozinho na cabeça da criança, nem no seu universo de casa (talvez em alguns casos isso possa acontecer, como se verá adiante), a criança precisa entrar em contato com estes gêneros. Para só depois se aventurar em reconhecê-los e diferenciá-los.


Quando se há um contato da criança com a cultura letrada, ainda em casa, ou acesso a alguma biblioteca, este trabalho se torna menos traumático. Nesse sentido, quando ela levar este unvierso para a sala de aula, até mesmo o reconhecimento ficará mais fácil. O universo familiar pode tanto ajudar quanto atrapalhar, quando nos referimos a este reconhecimento didático-textual.


Para além do reconhecimento deste universo textual, partindo de casa, ou sendo adquirido na escola, há também a necessidade de fazer desta produção uma interação coletiva. Daí a importância em saber para quem e para quê se escreve. Quando esta interação acontece, a produção textual passa a fazer sentido para estas crianças.também há como entender esta interação como revisão.


A criança revê o que escreveu, e vê o que seus colegas também fizeram, lendo algo próximo – o tema –, mas advindo de outro, ou seja, também de outro universo social. Se cria com isso dois sentidos: aquele que é o objetivo da escrita, a leitura por um terceiro; e o reconhecimento de seu próprio discurso, primeiro passo para a autonomia textual. Dado o objetivo, tem-se como consequência o reconhecimento (automaticamente, também o aumento de repertório do educando).


A produção de um texto deve ser encarada como a resolução de um problema. Seja um problema advindo do próprio universo social do aluno, como também deste novo universo – o do discurso e o da leitura – que esta criança está tendo seus primeiros contatos.


E este outro universo é o da sociedade da informação, tão premente em seu dia-a-dia e, ao mesmo tempo, tão distante de suas preocupações e reconhecimento. O primeiro contato com esta sociedade tal como ela é pode ser traumático, pois aí há o entendimento, todavia, esta criança já saberá lidar com isso, devido justamente sua autonomia textual recentemente adquirida.


Há ainda os comportamentos escritores: “Produzir textos é um processo que envolve diferentes etapas: planejar, escrever, revisar e re-escrever.” (GURGEL, 2009: 42). Comportamentos estes fundamentais para a produção e compreensão escrita, e que necessitam ficar muito bem esclarecidos para as crianças: futuros leitores e escritores.


Quando se tem o pleno domínio destes comportamentos leitores, ainda mais fácil fica para a criança encarar a sociedade da informação e saber lidar com ela sem sustos nem traumas. Mesmo porque isso afetará intimamente sua vida futura: o que seria deste adulto se não soubesse, ao menos, compreender minimamente os códigos escritos que enfrentará durante toda sua vida?


Um outro elemento que deve ser despertado nas crianças é o estranhamento: “Quando volta para a própria produção e faz a revisão, a criança tem mais condição de criar distanciamento dela e enxergar fragilidades.” (GURGEL, 2009: 43), vendo dessa forma haverá, inclusive, a possibilidade desta criança reconhecer as mazelas a que ela, em muitos casos, se viu obrigada a passar.


Seu texto é como um albúm de fotografia da alma. Sua vida está toda ali exposta, resta a ela compreender os vários caminhos e várias nuances porque passou esta sua vida. O estranhamento, como dito no início, é o olhar vindo de fora, mesmo tendo em mente que aquele universo é o que pertence. Há a consciência de pertencimento a referido universo ao mesmo tempo em que se toma contato com as deficiências e problemas deste mesmo universo.

domingo, 21 de junho de 2009

Temos Que Rever Nossos Ídolos...



Uma Curta Resposta!


A alegria pode durar uma semana, um mês, quarenta e cinco minutos. Vejo que é assim que conseguimos manter o bom ou o mal humor. Em segundos o tempo vira e a chuva vem... chuva de gols (4)! Depois dela o broto novo e a semente arrebentando o solo. E sempre é bom ver o broto surgir de novo. Nem que venha depois da morte... a morte de um sonho, a morte de um solo... a morte do extao instante de outrora (5 e 4)! Ontem e hoje já são PASSADO, meu medo é do futuro... na mesma toada a morte pode vir de novo. Acho que o segredo é olhá-la com o canto do olho... o soslaio da certeza e da incerteza. Seu capuz não pode amedrontar, e sua foice, depois do corte, traz o broto... abre caminho para o enxerto. Que seja bem-vindo!, e que os quatro virem, cada, novos quatro. Nada como uma semana após a outra!

Temos Que Rever Nossos Ídolos...



Desabafos de um Torcedor-Sofredor!!

Floriano Lott


Ninguém morre uma só vez. A morte é uma sucessão de falecimentos.Dias desses eu estava contando as vezes que morri.

Comecei o ginásio aos treze anos, sem nunca ter cursado o primário.

Eu tinha um professor de latim que me reprovou na terceira série. Posso dizer que ambos não tivemos culpa.

Só que eu ia prestar concurso para a Escola Preparatória de Cadetes, e com essa reprovação a idade estourou, lá na quarta série. Foi a minha primeira morte.

Pobre não pode ter essa besteira de vocação, e eu quis ser dentista. Qual o chefe que vai dispensar um cara para fazer horário integral – de manhã e à tarde – numa faculdade? Tive que abandonar a odonto. Foi quando morri pela segunda vez.

Um dia eu saí direto do trabalho para a sede da polícia federal. Era o primeiro dia de inscrição para delegado. O cara que estava lá olhou para a minha cara e disse que eu não tinha mais idade. Eu não sabia que a lei que havia permitido entrar para o serviço público até aos setenta anos, limitara a idade para delegado federal. Sai dali morto mais uma vez.

E assim, morrendo uma vez aqui, outra vez ali, eu ia vivendo.

Um a um os amigos foram me matando. Depois os colegas, depois muita gente.

Ninguém sabe, não deu nos jornais nem na telinha. Na saída de um jogo, mataram a tiros três torcedores na entrada do metrô estação Maracanã. A Imprensa comeu em boca.

Afastei-me do estádio. Telefonei para a NET e a garota me disse que por cinqüenta reais por mês eu via todos os jogos ao vivo, inclusive os jogados no Maracanã.

Mas para ver os jogos por cinquenta, tem que entrar num plano de trezentos reais. Entrei.

Semana passada ia eu dentro de um ônibus que trafegava pela ponte Rio-Niterói, e lá nos bancos da frente uns torcedores discutiam a saída de um jogador do meu time para outro. Todos eram unânimes que o tal craque da pelota era um tremendo perna de pau. Metiam a lenha nas qualidades futebolísticas dele sem dó nem piedade, e eu lá detrás, fiquei matutando que o ídolo da bola baixara seus próprios vencimentos para possibilitar a transação, e que eu ia a Niterói a fim de levantar uma grana, coisa se concretizada, eu levaria uns cinco anos para pagar, mas que acertaria a minha vida para sempre;... E a quantia que eu precisava era só a metade do que o tal perna de pau ganhava por mês.

Fiquei matutando que eu precisava rever meus ídolos.

Durante a semana eu fuxiquei a Internet para saber o dia e a hora do jogo do Flamengo. Quem não é versado em futebol e pensa que é, vai dizer que a coisa é fácil, mas quem torce de verdade sabe que as tabelas são modificadas de um dia para o outro pela Globo, e a mudança sacramentada pela serviçal CBF.

Comprei as táticas latinhas de cerveja e usando da prerrogativa de pagar trezentas pratas por mês, afundei-me no sofá, tirei o som da tevê e liguei o radim de pilha.

O Flamengo fez um a zero. Dois a zero e o Sport fez um, dois, três e quatro. Aí eu desliguei a tevê e fui dar um banho alternativo num dos gatos que estava fedendo à bessa.

Interrompamos o chororô para falar sobre o à bessa.

Bessa era um governador de estado nordestino, loquaz e ferrenho adversário do Barão do Rio Branco. O Bessa sabia discursar.

Um dia um cidadão comum reivindicou um seu direito ao Governador aqui do Rio de Janeiro, mas com tanta eloqüência que o nosso governador disse: você reivindicou à Bessa.

Aí o jargão pegou, mas depois ganhou a conotação de designar grande quantidade.

Mas vamos aos fatos:

Gato com o banho tomado, liguei a telinha e soube que a partida terminara quatro a dois.

Morri mais uma vez.

Das três filhas, duas são Flamengo. Uma é cidadã americana, mora nos Esteites e está fora de cogitação. Peguei minhas camisas rubro-negras, a caneca de coleção idem, o chaveiro com o urubu, tudo o mais, juntei tudo e vou dar para a que mora lá do outro lado do brejo, ou seja, em Niterói.

Nessa data, sete de junho de dois mil e nove, deixo de ser Flamengo, para não torcer por nenhum outro clube.

Mas morri Flamengo...

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Eddie e o Rebanho...




Este odor verde, recém-saído de uma chuva gostosa, as águas escorrendo pelo corpo..., como é bom. Se a liberdade existe, é dela que compartilho agora. Sua força renova-me... sinto que essa força foi-me e será para mim, matéria-prima de minhas sandices. Pouco me importa a decadência e o filisteísmo dessa vida que me rodeia, estranha e torpe... mal sabem eles que sou ovelha desgarrada... tenho vontade própria.


O rebanho é grande, muitos são os caminhos que arranca-os do pasto, no entanto, apenas em um caminho prosseguem. Sua vida é o reflexo de um caminho pisado, amassado até o endurecimento da razão e o esfriamento da paixão. Nada muda no percurso das ovelhas e, como tal, a vida se mostra inalterada, repetitiva e entediante..., como antes, o amanhã é o mesmo. E o presente? Confirmação de uma situação anterior, provida com a internação institucional da família burguesa e filistéia.


Esta vida regrada, cronometrada e supérflua... como as pessoas suportam esta situação? Onde estão os anseios, prazeres... será que não sentem vontade de viver?


Acho que não... esta vida que partilho, o faço comigo e minhas vontades... sou todo vontade!


A noite é linda, entretanto, este chamariz não é o suficiente para, docemente, penetrar no espírito distante e inflexivo de Eddie. Ele avança com desdém, o caminho não é conhecido, o destino muito menos... nada importa, antes de mais nada, importa a vida. Se sua vida caminha a passos largos pelas pradarias deste vale, sua finalidade é a montanha... o importante é atingir seu cume.


Uma nova concepção de mundo? Infinitas vezes me pergunto... será que faço parte deste velho mundo, alimentado por excrementos? Não, sei que minha cabeça não se confunde com a calda, o eterno regresso do mundo não pode ser encarado como fato inevitável, outrossim como recorrência... não sois um derrotado! A forma como conduzem este mundo, é que dele fazem esta situação. Uma concepção mecanicista que trai sua vocação... sua brônzea grandeza de força é vontade de potência... como um jogo de forças que a tudo consome.


Sou espírito bravio, tento, com isso, emparelhar-me à verdadeira vocação daquilo que acredito, mas no entanto, fostes contaminado por aqueles que o conduzem.


Sou como o mundo em sua verdadeira vocação, um vir-a-ser que não conhece nenhuma saciedade.


Eddie passa a notar uma pequena elevação no terreno, algumas pedras maiores começam a aparecer, o caminho torna-se mais irregular... até mesmo o esforço físico faz com que seu ofegar seja mais carregado. Em contrapartida, o vento que começa a balançar seus cabelos... revoltando seus fios, torna-se mais constante. O ar apresenta-se mais límpido... as irregularidades do terreno surgem à frente... é uma noite clara... a lua, altaneira, convida o mundo para observá-la.


Todavia, Eddie mantêm-se envolto com seus pensamentos, uma vez que toda essa beleza só é possível a partir do homem. É o homem que vê a beleza nas coisas... sem alguém para olhar, a mais bela paisagem não passa de ramagem verde. A mais bela cachoeira não passa de água em movimento, em direção a uma queda, e o mais belo luar, de luz sobre a Terra. A natureza tem seu ciclo, o homem também, cada um com suas peculiaridades... a lua está alta e a caverna próxima, o pouso da noite abre os braços para nosso andarilho.


# # #


Ao olharmos no abismo, avistamos uma imagem brilhante da natureza. Eis o ponto em que devemos arrancar dela sua luminosidade. Ao transgredir, estamos forçando-a a entregar seus segredos. Ou seja, a força estrondosa da sabedoria só pode ser advinda e captada, do inatural.


Como afirma Nietzsche, ao alcançar-se o titânico, o homem conquista por si próprio a sua cultura, obrigando os deuses a aliarem-se a ele. Pode-se dizer que a sabedoria produz autonomia ao homem, para que tenha em mãos a existência e seus limites.


Ao fugir para a montanha, Eddie quer alçar-se ao Olimpo, criando para si uma existência finita, porém, dona de seus próprios limites. Se a natureza, em seu ciclo, tem interferido na existência dos homens, é chegado o momento do homem buscar seu próprio ciclo que, em essência, já existe, entretanto, está adormecido... Vagando pela noite Eddie engana Orfeu, mantendo-se acordado, logo, evitando o adormecimento do espírito.


O homem, ao assumir a inatural existência de seus impulsos, busca para si o caráter de centro e núcleo do universo, assumindo, também, formas de multiplicidade fenomenal, isto é, evoca para o espírito, formas e construções múltiplas, com o propósito de refletir o mundo tal como sua vontade enseja.


A caverna é escura, suas paredes são frias e inertes... ao alcance dos olhos, somente as imagens retidas na retina de nosso andarilho; são reflexos de um mundo estranho..., um mundo onde a existência de seu espírito não existe... onde faz parte de um não-pertencimento. Reflexos de uma existência insidiosa, mas, ao mesmo tempo, possível de ser derrubada. Que dessas ruínas surja uma espécie diferente de livres-pensadores (será que somos mesmo livres?)... são menções a um mundo de devir. Estas imagens velhas e encarquilhadas precisam ser quebradas, para isso, Eddie busca o martelo de seus desvarios...


Este mundo de livres-pensadores é para os homens a extinção de sua espécie... todavia, pode ser também a passagem sobre o abismo... a corda está estendida, resta-nos utilizá-la!


domingo, 14 de junho de 2009

Albertina e o Fundo de sua Alma!



As luzes da cidade são mesmo imprevisíveis, ainda mais quando estão sob o efeito de alguma chuva fina. A beleza que essas tênues gotas projetam sobre o arcabouço concreto e metálico de formas mortas e, por vezes, sujas, nos hipnotiza, traça-nos uma linha absurda entre o estado de consciência e o inconsciente. São luzes que, como vida, correm diante de nossos olhos... são luzes da cidade, vistas pelo carro em movimento, sob uma noite escura e molhada.

A criação absurda de um romance sem heróis ou vilões..., apenas a reprodução de uma estrutura fria e morta, entretanto, é capaz de abrigar o calor de corpos em movimento, no instante mágico do clímax orgasmical. Como também de corpos inertes, embebidos pelo torpor do tempo, acrescido de algum líquido alcóolico, em dosagens dispensáveis. É essa criação absurda, mas ao mesmo tempo ordinária, que não pode ser glosada pelos romances, ou mesmo libelos, fantásticos ou absurdos. A absurdez da vida não consegue deixar-se retratar pelas mãos estranhas de um corpo, também estranho.

Dentro deste turbilhão de idéias, a cabeça de Tina não se deixa subjugar, tudo passa, porém, tudo vê... a criança que chora ao fundo... a chuva fina que insiste em fustigar a arquitetura mórbida de uma grande cidade... o motor de um carro em velocidade estável... É tão vazia essa paisagem que as vezes o sentimento é de abismo, no entanto, Tina está alegre e, apesar de absorta em seus pensamentos, sorri para os seus.

A busca pueril do esquecimento faz com que Albertina mantenha o delírio temporal ordenado, enrubescendo suas faces com a febre do mundo, aliás, a febre de viver nesse mundo; tal como Nietzsche, busca o esquecimento para não morrer de verdades. Pois, a verdade do mundo é opressora e opera em nossos sentidos uma válvula de efusão; tem-se a consciência de viver em absurdo, achando-se normal. As vezes isso nos oprime, eis o motivo de tentarmos o esquecimento. Talvez ele nos joga em face a este absurdo sem o ver, mantêm nossa consciência ocupada, tentando se lembrar dos fatos, fixa-nos à mente algumas aventuras, tão absurdas quanto, também como válvula de escape à loucura gélida e metálica da cidade fria e morta.

Esse esquecimento pueril faz os homens criarem seus mundos; esforçando-se por imitar e ensaiar a liberdade, não imaginam que é justamente dentro deste absurdo que podem encontrar seu emplasto... como fez um dia, antes de morrer, Brás Cubas, trazendo á memória dos homens de seu tempo, as dores da alma. O Emplasto Brás Cubas, com efeitos anti-hipocondríacos, tinha a valorosa e nobre proposição de aliviar a nossa melancólica humanidade. Seria este, o remédio do século?, único capaz de curar a loucura temporal? Acho que não, o melhor emplasto do mundo ficou clarividente para mim, e imagino, também, que tenha ficado claro para Tina...; o melhor emplasto do mundo é reconhecer a loucura que ele é, embrenhando-se de vez nesse absurdo.

Ao criarmos nossa realidade, adquirimos o rosto da mesma, a ponto de fazer de nossa vida uma imitação desmedida da máscara do absurdo. Bem, são conjecturas, entretanto, aqueles que encararem como proposta... que assim o façam.

Segundo Camus, para o homem absurdo, este estágio de criação, já não se trata de explicar e de resolver, mas de sentir e de descrever. Precisamos aprender a descrever nossa ambição em pensamentos absurdos, porém abertos. Uma vez que nossa máscara vital já tenha assumido o caráter de absurdo, também poderemos usar de nossa vida para a efetivação deste absurdo; eis o emplasto mencionado anteriormente e tão desejado pelo senhor Brás Cubas.

É engraçado..., de todos os pensamentos que partem do absurdo, são poucos os que aí se mantém. Isso pode ser encarado como uma falha do emplasto, no entanto, não é este o caso de Tina, sua imaginação em pessoa é a personificação do absurdo, em um corpo ordinário e simplório. Talvez seja a máscara adentrando a alma, sua imitação é tão perfeita que assume o caráter de realidade existencial.

Todavia, retornando, a grande questão em mérito é o caráter transitório de alguns pensamentos que enveredaram pelo absurdo, o que será que os leva a essa transitoriedade? Serão, talvez, a falta de identificação com o absurdo e, também, a falsa existência da maioria dos homens? Pelo que penso, o raciocínio vago e a futilidade da vida são sintomas inquietantes, porém trágicos, da falsa existência... vivem, entretanto, não sabem disso. Mantém sua liberdade presa à transitoriedade de suas quimeras e vontades. Não têm consciência da força de suas faculdades mentais e de seu intelecto, preferem mediocrizar os grandes anseios da alma. Pode-se dizer que vivem uma vida desgarrada e subserviente.

O existir, para estas pessoas, deixou de significar... por isso elas insignificam... fazem parte das fronteiras entre a angústia e a expansão da alma. A brevidade de tempo por que passa seu espírito, oprime sua vida, vive-se em dissonância com anseios e vontades, ou melhor, auto-oprimem sua liberdade.

É necessário buscar o absurdo, vestir sua máscara, e embrenhar-se neste vale..., a validade da vida começa a existir quando existimos para nós mesmos...


sábado, 13 de junho de 2009

Imbricamento Entre Política e Liberdade!



Nietzsche e Espinosa - Parte IV - Final



A Razão humana, tende unicamente à verdadeira utilidade e conservação da espécie. Estando a Natureza acima disso, e o indivíduo inserido nessa Natureza, o faz afirmar sua liberdade. Tão-somente por fazer parte desta Natureza, estando, com isso, vinculado à plena liberdade. Dessa forma, não dá para pensar o homem senão como partícula do Todo, ou seja, elemento fragmentário da Natureza. Pensando-se o homem assim, afirma-se sua liberdade... até a sua entrada na submissão às leis da Razão.


É, pois, apenas pela necessidade da ordem eterna, isto é, da Natureza, que todos os indivíduos estão determinados, de uma certa maneira, a existir e agir. Existindo para si, e em prol do grupo, e agindo para que o coletivo se mantenha (ESPINOSA, 2004: II, § 8).


Assim, todas as paixões humanas, ou mesmo tudo que na Natureza nos parece ridículo, absurdo ou mau, em momento algum pode ser pensado como um pecado. Sendo o homem parte da Natureza, é-lhe necessário que demonstre estes elementos, em seu ser, e inserido no coletivo; isso é Natural.


Não podemos querer que tudo seja dirigido conforme nossa Razão, mas conforme nossa dependência para com o outro. Em Espinosa parece que seria isso que determina o estado político.


Todavia, essa nossa dependência para com o outro só pode ser pensada por um viés racional. Ao invocarmos esse viés, estaríamos contribuindo para a instituição do coletivo – seria um contrato social às avessas, o que o pensamento de Espinosa nos apresenta.


Na medida em que o outro pode repudiar qualquer violência, cabe ao indivíduo, pertencente ao Todo, o mesmo repúdio. Isso colocaria uma racionalidade nessas relações humanas. E assim chamo livre a um homem na medida em que vive sob a conduta da Razão porque, nesta mesma medida, é determinado a agir por causas que podem ser adequadamente conhecidas unicamente através da sua natureza, ainda que essas causas o determinem necessariamente a agir. A liberdade, com efeito, não suprime mas, pelo contrário, coloca a necessidade da ação (ESPINOSA, 2004: II, § 11).


Enfim, pensando-se a liberdade em Espinosa como sendo, a necessidade da ação, e, como tal, conseqüência da Natureza, todavia, em prol do grupo; podemos afirmar ainda que é deste elemento comum que ele pensa o contrato social. Sendo este último, portanto, a concordância de um maior número de homens, colocando as suas forças em comum, garantindo, ainda mais, mais direito a todos. Isso garante ao grupo um maior e mais pleno direito sobre a Natureza, que cada uma dessas pessoas, individualmente, não possui sozinha (2004: II, § 13).


Amar e compreender a Natureza, segundo Espinosa, é amar e compreender o que conserva o homem. E aqui, de novo, fazemos a ponte com Nietzsche; quando da efetivação do homem, na conservação – e potencialização – de sua existência.


Encerrando Espinosa, é sobre Nietzsche que me referirei a partir de agora.


A “Grande Política” nietzscheana, surgida da liberdade do indivíduo, se faria – e se daria – a partir da vontade de potência deste homem, com vislumbres à construção de filósofos de futuro.


Desde o instante em que o homem reconhece sua força, efetivando sua vontade, ele estaria confirmando esta “Grande Política”. Para novos filósofos, não resta nenhuma escolha: para espíritos suficientemente fortes e originários para dar os impulsos a avaliações antagônicas e transvalorar 'valores eternos'; a precursores, a homens de futuro, que atem no presente a coação e o nó, que constranja a vontade de milênios a seguir novas rotas. Para ensinar ao homem que o futuro do homem é vontade sua, que depende de uma vontade humana, e para preparar grandes ousadias e tentativas globais de disciplina e seleção, destinados a acabar com aquele horrível domínio de absurdo e acaso que até agora se chamou 'história' (NIETZSCHE, BM, 2003: § 203).


Em Nietzsche a afimação da liberdade viria a ser bem mais importante que qualquer contrato social. E ao inserir-se no Estado, este indivíduo livre traria novos ares ao coletivo – apesar de manter este coletivo sob sua conduta –, confirmando que o homem seria o ponto de partida, e não o ponto de chegada; no entanto, não qualquer homem, mas um homem de futuro.


E a contradição, tal como em Espinosa, seria necessária e inerente ao fazer deste homem, pois, com todo seu crescimento em grandeza e elevação, o mais terrível e o mais profundo deste saber, também se elevariam. Esta elevação não pode ser pensada, nem sem o profundo, nem tampouco sem o terrível.


Mormente, quanto mais fundamentalmente se quer uma coisa, tanto mais fundamentalmente se alcança, precisamente, a outra, ou seja, quanto mais profundamente este homem se debruçar sobre si – e não conforme o coletivo –, mais rapidamente chegará a este elemento terrível: que seria o surgimento de uma aristocracia do espírito (NIETZSCHE, KSA, 1887: § 9[154]).


A atual sociedade, a partir da constituição desse elemento terrível, deixaria de existir por causa de si mesma, passando a existir como, e ainda somente, meio de uma raça mais forte. Raça essa que viria a se constituir com base no crescente apequenamento do homem comum e medíocre, e que ainda pertence ao rebanho, uma vez que isso se mostraria, dentro da dialética a marteladas de Nietzsche, como ponto de criação do homem forte; filósofo do futuro.


Apenas quando toda a espécie se tornar fraca, o grande homem poderia se mostrar, instituindo, com isso, um mundo de futuro.


Pensando ainda nos meios, citado acima: Os meios seriam aqueles que a história ensina: o isolamento [isolation], por intermédio de interesses de conservação inversos àqueles vigentes hoje em média; o adestramento em avaliações inversas; a distância como Pathos; a livre consciência [Gewissen] a respeito daquilo que hoje é o mais sub-avaliado e o mais proibido (NIETZSCHE, KSA, 1887: § 9[153]).


Enfim, há em Nietzsche e Espinosa, como sendo algo comum, a conservação, contudo, enquanto este pensa na conservação do indivíduo dentro de um contrato racional, aquele pensa na conservação do mais forte, como sendo o único capaz de referendar a “Grande Política”. E alicerçar um mundo de futuro, para homens de futuro que, sobremaneira, poderiam, de fato, se utilizarem de sua real vontade, tornando-se Homens; com letra maiúscula.


sexta-feira, 12 de junho de 2009

Seção D'Outro


O BAIXO CLERO

Walmir Carvalho - mano blogueiro

Rapaz, me dá pena quando há consenso de xingamento pra cima de um deputado do baixo clero. Adoro o pessoal do baixo clero. Adoro os discursos deles. Ligo, vejo, dou risada. E entendo eles. Eles e os seus discursos e os seus atos.
Vai que o Roberto Da Matta, antropólogo afamado, escreveu no jornal Globo esculachando com o cabra que falou: “tou me lixando para a opinião pública.”
Comparou ele com um professor que se lixasse para os seus alunos ou com um médico que se lixasse para os seus pacientes.
Discordei.
Eu, apreciador de todas as burradas, jequices e malandragens desses deputadozinhos quase anônimos, entendo que ele entende assim: "Opinião Pública é aquela dos jornais e das tvs e do povo-cabeça. A Opinião que me interessa é do pessoal da minha base."
A base é uma paroquiazinha onde ele convive com umas remelas interioranas espalhadas em alguns municípios, bairros e distritos, se ajusta com um e outro prefeitinho, com uns vereadores e deputados estaduais, se liga a pastores ou padres, atende umas creches, faz discurso numa rádio que ninguém a não ser o povo daquela cidade ouviu falar, consegue encascalhar uma estradinha, doar uma kombi para uma associação, quebra galho em defesa de alguns comerciantes, fazendeirões e fazenderinhos, abre um posto de saúde, uma agência da Caixa ou posto do BB, ajuda numa obras, num rodeio, apresenta rapazes e moças para alguma possibilidade de emprego, faz lobbie numa empresa para captar recursos para algum projeto municipal seja de grupos culturais, ambientais, assistenciais, leva vereadores e prefeitos para um seminário, e um tanto de outras miudezas, mistura bondade e sacanagem.
Aí eles chegam no Congresso e a opinião publicada diz que são obrigados a pensar em projetos nacionais, ajustes internacionais, LDOs, aprovação de medidas do governo, mais isso e aquilo.
E fazem o quê?
"Me dá o meu, pra mim e pra minha paroquiazinha, e voto no que vocês quiserem".
Negocia.
Os mais espertos enricam, outros, que não conseguem compensar sua paróquia, ficam um mandato só, desaparecem.
Vendo o noticiário, a opinião publicada, parece que todo político fica rico, com a vida feita e pode mesmo se lixar pra sociedade.
Pode, não.
Cada 4 anos tem que correr atrás de voto.
E voto custa caro, rapaz. Custa obra, benefícios, contatos demais, conchavos, discursos, atuação pra base, adulação e atendimentos aos caciquinhos paroquiais, um empreguinho aqui outro ali.
São estórias impagáveis que cada cabra do baixo clero tem.
Mas são eleitos.
E o judiciário que não é eleito?
E o STJ que nunca condenou ninguém. Devia ser STS = Supremo Tribunal de Soltura.
Camarada nomeado pra lá faz mais cocô num ano do que um deputadinho do baixo clero na vida inteira.
Bom, talvez haja aqui algum exagero.
Mas xingar deputado é bom demais, não é?
Dá boas manchetes, boas matérias, boas chamadas na tv, gera umas revoltas.
Revoltar é outra coisa boa, é ou não é?
O Congresso está se lixando para a Opinião Pública!
É assim que ficou estampado depois do que disse o deputadinho.
E tome revolta. Desde a cara de nojinho treinado dos apresentadores de TV.
Mas eu acho que quem representa mesmo o voto popular é o deputado do baixo clero. Podem apedrejar (literariamente), mas acho.
Ele não tem espaço na mídia corporativa que nem o Mercadante, o Suplicy, o Temer, o Sarney e mais um tanto de cobra criada.
Ele só conta com sua base.
Só aparece na mídia quando esmaga os bagos do politicamente correto ou se mete numa enrolada qualquer.
Ele tem base.
Cobra criada - os cabeças coroadas - não tem base, tem é poder eleitoral, não pedem voto em cidadezinhas, distritos, bairros.
O cabra do baixo clero tem base, sim.
E tem que ficar esperto senão a base se larga dele.
Ele não se lixa para a sua base.
Ele se lixa para a Opinião Pública, esta que conhece o Sarney, o Temer, o Mercadante.
Não dá pra comparar o professor se lixando para seus alunos com o deputadinho que se lixa para a Opinião Pública.
Não é assim, não, Da Matta.
Ele é justamente o professor que não se lixa para os seus alunos, pelo contrário, ele é o vendedor que só se lixa para os seus clientes. Os outros são "a opinião pública".

Paz e bom humor, malandragem.


quinta-feira, 11 de junho de 2009

Imbricamento Entre Política e Liberdade


Nietzsche e Espinosa - Parte III



Outro elemento que diferenciará Espinosa dos outros modernos é o fator História. Na Política, é a história das sociedades humanas que é o dado inicial e que é preciso ajustar ao nível de Razão, nem que esta Razão seja a do Estado; como visto anteriormente.


E esta história das humanidades, em Espinosa, estaria estabelecida na prática dos homens para com seus iguais, e não num elemento que precedesse essa prática. Parte-se do homem e de sua liberdade racional para, logo em seguida, pensar-se no Estado. Novamente temos um elemento que estaria próximo de Nietzsche.


Se, com os outros modernos, a preocupação primeira seria o Estado, em Espinosa e Nietzsche esta preocupação estaria direcionada para os homens e para sua história. Em Nietzsche isso iria além: teria que se pensar, também, num futuro, desde que pensado como potencialidade de vontades presentes, e que não sejam tão comuns – desde que, por comum, entendamos a constituição valorativa do momento presente.


Como Nietzsche, também Espinosa justifica as vontades humanas, tratando-as não de forma pejorativa, mas as compreendendo como essenciais e inerentes ao homem. E isso poderia ser uma pista para a consecução do Estado que se quer construir. Bem como, da grande política que isso poderia acarretar. Seja qual for a perturbação que possam ter para nós estas intempéries [referindo-se às paixões humanas], elas são necessárias, pois têm causas determinadas de que nos preocupamos em conhecer a natureza, e quando a alma possui o verdadeiro conhecimento destas coisas, usufrui dele tal como do conhecimento do que dá prazer aos nossos sentidos. (ESPINOSA, 2004: I, § 4)


As paixões, decorrentes da natureza humana, teriam elementos de homogeneização da grande política, voltada para o homem, e não para a instituição, de forma direta. Ao contrário, a instituição seria o constructo dessa paixões, portanto, totalmente laica e humana.


Esta sim, seria uma construção coletiva – e aqui está a justificação moderna do pensamento de Espinosa, uma vez que tal constructo, novamente, surgiria para administrar o arrebanhamento humano, a posteriori (como se verá na noção que Espinosa tem de liberdade, bem como o reforço que Nietzsche faz).


Como um dos temas recorrente desse texto é a noção de liberdade, há que se compreender, ao menos em pequena medida, esta referência nos dois autores.


Algo que é recorrente em ambos autores é a questão da conservação do indivíduo – mas não necessariamente da espécie –, visto que, seria a mesma que daria instrumentalização a este indivíduo, para que ele possa efetivar sua vontade de futuro.


E o fato do homem se subordinar aos anseios do Estado, definitivamente, exclui-se-lhe a posisbilidade de sua liberdade (apesar de, em Espinosa, a descrição acima não é tão clara). Mais que isso, faz com que este homem se apresente como componente desse todo. Pertencimento esse que se mostra muito mais como uma máquina – em Nietzsche – que propriamente um ser vivente.


Em Espinosa, esta situação de liberdade acaba tendo uma condição: condição essa que está vinculada à questão de sua natureza – talvez pelo fato de o homem pertencer à Natureza, aliás, de ser um fragmento, no todo que é a Natureza – e como a Razão serve de instrumental para esta efetivação da liberdade.


E, por liberdade condicionada entendamos: Por conseguinte, o homem não pode de maneira alguma ser qualificado como livre, porque pode não existir ou porque pode não usar da Razão; não o pode ser senão na medida em que tem o poder de existir e de agir segundo as leis da natureza humana. (2004: II, § 7), ou seja, a liberdade teria como condição o uso reto da Razão, segundo as leis da natureza humana, e jamais contra o homem. E aqui se mostra uma diferença gritante com o pensamento de Nietzsche, uma vez que, estando neste estado de liberdade, o homem se mantém enquanto humano.


Em Nietzsche a coisa não é bem assim, pois, ao ser utilizável, deixa de exercer sua liberdade. Em Espinosa, se essa utilização viesse por meio da Razão, e segundo as leis da natureza, tem-se a afirmação dessa liberdade.


Portanto, a tentativa de fazer do homem um ser utilizável, nesse sentido, lhe confere apenas uma contra-face econômica, jamais um componente do Estado, enquanto ser autônomo. [Quer-se fazê-lo EAA] tanto quanto possível utilizável e, na medida em que isso de algum modo importa, aproximá-lo de uma máquina infalível: para essa finalidade, ele tem que ser equipado com virtudes de máquina (– ele tem que aprender a sentir os estados em que trabalha de maneira maquinalmente utilizável como os de supremo valor: para tanto, é necessário que os outros [estados OGJ] sejam tornados tanto quanto possível penosos para ele, tanto quanto possível perigosos e suspeitos...). (NIETZSCHE, KSA, 1887: § 10[11])


Nietzsche, ao referir-se à plenificação da liberdade, sempre teve como referencial o que denominava vontade de poder. Ao se submeter a este Estado – diferente de Espinosa que ainda reconhece que, de um uso correto da Razão, ele estaria afirmando sua liberdade – teria diminuída sua maior justificação filosófica.


E a “Grande Política” de Nietzsche só poderia existir quando dessa justificação ideológico-filosófica. Afora isso, o homem continuaria sendo uma pequena engrenagem dessa maquinaria global, e seu espírito criativo se resumiria a uma adaptação ao todo – como em Espinosa somos uma parte pequena, inerente, da Natureza, neste momento, não haveria problema nenhum, pelo contrário, estaríamos apenas afirmando nossa liberdade.


Não se permite, nesse caso, que o homem invente para si sua forma superior de ser. Se este seria o caminho recorrente do homem, no que tange sua liberdade, um contra-movimento estaria se fazendo aí. E cada vez mais, sua situação de engrenagem ainda mais se adpata à máquina. Dito moralmente, aquela maquinaria global, a solidariedade de todas as engrenagens, representa um maximum na exploração do homem: porém, ela pressupõe aqueles, por causa de quem essa exploração tem sentido. Em outro caso, ela seria, de fato, meramente o rebaixamento de valor do tipo homem – um fenômeno de regressão no maior estilo. (NIETZSCHE, KSA, 1887: § 10[17])


Esta solidariedade de todos, que seria o contrato social – mais que uma solidariedade, uma dominação sobre as paixões humanas –, apenas tornaria o homem mais máquina ainda. Se, nalgum momento dessa situação de maquinaria, o homem tivesse um lapso de liberdade, mais ainda a teria perdido; tornando-se, ao final, um não-homem.


Situação que apenas reforça a exploração que se faz patente na coletivização desse homem, junto ao contrato social.


Ao invés de se pensar no lucro de todos, após a entrada neste coletivo, Nietzsche vê isso como o prejuízo de todos. Diria mais, este seria o grande prejuízo da espécie. Nada mais que degenerescência do espírito é que se faria.


E vai ainda mais longe: Quem adivinha a fatalidade que se oculta na estúpida falta de suspicácia e credulidade das 'idéias modernas', e mais ainda em toda a moral cristã européia: esse padece de uma ansiedade com a qual nenhuma outra se deixa comparar. (BM, 2003: § 203)


O padecimento; eis a palavra que melhor exprime o ser político do homem moderno. Padecimento por estar determinado por uma máquina, e que o mantém no patamar de engrenagem menor.


Este homem, que dessa modernidade política compartilha, não consegue nem mesmo obedecer a si próprio. Mas, ao outro, sempre distante e, ao mesmo tempo, sempre presente. É uma sombra que traz névoa para cobrir o sol do possível homem.


Conforme Giacóia Jr.: Ou o homem moderno assume o encargo de determinar-se, enquanto homem, ou terá que renunciar à sua autonomia e ser determinado por outrem: pelos deuses ou pelos homens. Nos termos de Zaratustra: comandado deve ser sempre aquele que não é capaz de obedecer a si próprio. (2005: 15)


E novamente temos uma pequena aproximação entre Nietzsche e Espinosa, especialmente no que diz respeito ao uso da liberdade. Apesar de, em Espinosa, já termos detectado a condicionante que encarcera a liberdade (isso dentro do coletivo), o ser, enquanto indivíduo, a exerce (a liberdade) quando da afirmação de sua potência e vontade, e que se faz, segundo Espinosa, na afirmação da Natureza, a qual o homem faz parte.


quarta-feira, 10 de junho de 2009

Rastros de Ódio: o bandido-e-mocinho com requinte



Vi recentemente o filme “Rastros de Ódio” (The Searchers) de John Ford e vou aqui escrever sobre alguns pontos que considero positivo e outros que nem tanto. Primeiramente, é um filme que mostra uns Estados Unidos pouco unidos, uma terra de ninguém ou de vários donos que tentava se formar como Nação. Era o período imediatamente posterior a guerra de secessão vencida pelos Yankees, o que permite ao diretor uma história repleta de ressentimentos, como a mal digerida derrota dos confederados do sul tão cruamente retratada pelo seco John Wayne, que ainda por cima, revela o típico racismo sulista desta vez não pelos negros, habituais alvos, mas contra os índios.


É quase insuportável aturar a conduta politicamente incorreta da personagem principal e o estereótipo criado pelo diretor de que o índio é ignorante, mal e incivilizado, enquanto o branco, embora, também seja mal e ignorante, tenha, contudo, sempre um motivo para agir assim: a terra hostil que valentemente, como pioneiro e empreendedor (características forjadas da nacionalidade estadunidense) desbrava e vive, outro motivo é vingança, pois o mocinho ele não ataca, vinga, ele não agride, apenas revida o mal sofrido. Nessa perspectiva é inegável a herança grifitthiana de John Ford.


O filme, enfim, vale a pena pela habilidade narrativa do diretor e a grande fotografia que mostra com rigor a beleza selvagem do Texas e do Novo México, quando ainda (período da história do filme) não tinha sido tomado dos mexicanos.

domingo, 7 de junho de 2009

Imbricamento Entre Política e Liberdade


Nietzsche e Espinosa - Parte II


O futuro do homem, enquanto uma vontade de realização, só se mostraria na forma de um aprimoramento, a partir do momento em que essa vontade de futuro se tornasse importante. Diria mais: num momento em que esta vontade de homem seria importante e inerente ao fazer político. E por vontade (seja de futuro, seja de homem) poderíamos dizer: uma potencialização de valores que trariam ao homem a possibilidade de libertação de seu ser, do coletivo, mesmo estando dentro do coletivo.


Um indivíduo – e não o Estado – que investe em sua liberdade, este sim, teria qualidades de estadista. Esta noção pode parecer-nos um tanto quanto aristocrática, todavia, é isso mesmo que acontece com o pensamento de Nietzsche. Em face disso, imagino que o filósofo não tenha se preocupado tanto, de forma direta, com a Política. Pelo fato de ele estar muito mais interessado no indivíduo que, posteriormente, faria esta “Grande Política”. Daí o imbricamento tão íntimo com a questão da liberdade, e a preocupação em pensar valores que gerariam fruto num futuro próximo.

Giacóia Jr. (na introdução de textos políticos de Nietzsche, com sua tradução) é bem explícito quando dessa preocupação de Nietzsche, para com as idéias políticas da modernidade contratualista; momento em que se instituiu o quesito democracia nos discursos políticos.

Vejamos: Ao instituir-se como valor absoluto, submetendo a si toda e qualquer outra forma de sentimento de valor e parâmetros de avaliação, as 'idéias modernas', ao mesmo tempo em que levam a efeito o nivelamento massivo do homem ocidental, satisfazem seu impulso inconscientemente tirânico. Expressões desse movimento são a estéril auto suficiência do moderno filisteísmo cultural, a redução utilitarista do ideal de felicidade e conforto, segurança e bem estar, a hipócrita auto compreensão do europeu civilizado como sendo o sentido do progresso e o 'final da história'. (2005: p. 12)

Talvez, o que mais Giacóia Jr. nos chama a atenção, ao comentar sobre os fragmentos políticos de Nietzsche, seria a própria crítica que o filósofo estaria direcionando à sua sociedade, herdeira do movimento moderno que pensa a Política como benfeitora, e responsável por trazer em seu seio a preocupação “do ideal de felicidade e conforto, segurança e bem estar”, quando, numa confirmação, Nietzsche resolve pensar noutra direção; aquela do nivelamento e mediocrização do homem, e como isso se torna importante para certa dominação e, principalmente, um maior controle das possíveis liberdades humanas – fonte de uma possível revolução cultural e política de determinado povo –; esta última, sim, grande e maior preocupação de Nietzsche para a efetivação da “Grande Política”. A qual se propõe, mesmo que de forma indireta; orientando seu pensamento de forma direta no indivíduo, e não no coletivo.

O grande anátema para Nietzsche nem seria o pretenso bem estar que esta modernidade traria, mas a constituição de uma moral de rebanho, onde o pastor poderia continuar controlando as liberdades alheias e individuais.

E essa preocupação de Nietzsche tem seu fundamento na obra de Espinosa, intitulada Tratado Político, e que será nosso contraponto de constatação. Embora um fundamento tão-somente no que concerne à questão da liberdade, uma vez que Espinosa reconhece esta liberdade, a colocando no patamar de paixões necessárias para a constituição do Estado.

Por outro lado, Espinosa reconhece que o homem faz parte da Natureza, e que é esta Natureza que o determina, dentro de suas paixões, como sendo constitutiva do Estado. Visto que, a Natureza é que traz estas paixões e as possíveis contradições humanas; que acaba não sendo tão contraditórias assim, uma vez que, todos estes elementos da paixão, logo, desta pretensa contradição, advém desta Natureza, sendo o homem um fragmento da mesma.

Em Espinosa há claramente a efetivação do Estado, enquanto gestor da razão coletiva. E é neste ponto que a liberdade poderia ganhar fundamentação prática e, principalmente, poderia se tornar arma de consolidação e constituição do Estado moderno.

Antes, porém, de seguir adiante nesta discussão, gostaria de apresentar o que Espinosa denomina de Razão coletiva, ou mesmo, Razão do Estado: (...) como a Razão ensina a praticar a moralidade, a viver na tranqüilidade e na paz interior, o que só é possível com a existência de um poder público, e como, por outro lado, não se pode conceder que as massas sejam conduzidas como por um só estatuto, tal como é requerido no Estado, se não existissem leis estabelecidas de acordo com as prescrições da Razão, não será abusivo chamar pecado ao que é contrário à injunção da Razão, pois que as leis do Estado melhor ordenado devem ser estabelecidas conforme a Razão. (...) [De forma que] aquele que detém o poder público e dispõe do direito natural1 pode, segundo este direito, ser controlado pelas leis e pecar. (Tratado Político, 2004: II, § 21)

Pelo que se percebe, a Razão do Estado estaria intimamente ligada à Razão do homem. Sendo o homem responsável pela constituição do Estado, esta mesma razão não pode estar submetida por outra lei, senão a lei humana. Jamais a lei divina, pois esta traz ao cerne do homem a noção de pecado e de livre-arbítrio, colocando-o num patamar de mero joguete dos desígnios divinos. Por desígnios, portanto, apenas aquilo que faz parte da Natureza, ou melhor, aquilo que está concentrado na capacidade do homem.

Diferente de Nietzsche, Espinosa também vê o Estado como um contrato, não aos moldes de Deus, ou para coibir a natureza humana, mas, nos moldes da Natureza e da laicidade. Passa-se, também, pelas paixões do indivíduo, não para coibí-las, como se vê em Rousseau, Montesquieu, Locke e Hobbes, mas para submetê-las à sua real necessidade.

Constatemos pois, na obra de Espinosa, esta afirmação: Há o costume de chamar poder público a este direito que define o poder do número, e possui absolutamente este poder quem, pela vontade geral, cuida da coisa pública, isto é, tem a tarefa de estabelecer, interpretar e revogar as leis, defender as cidades, decidir da guerra e da paz etc. (2004: II § 17)

Apesar de esta ser uma obra inacabada, há grandes possibilidades de elucidar certos preceitos de Espinosa, no que concerne à Política. Espinosa que, apesar de tentar dar outro direcionamento, àquilo proposto pelos modernos, acaba reforçando certa máxima dos outros, que o faz compactuar com as teorias modernas – até mesmo por estar inserido neste tempo. Máxima essa que já expomos e que diz respeito ao papel de salvo-conduto do Estado, papel esse utilizado para salvaguardar as liberdades individuais, propondo uma certa racionalização do bem estar dos outros, ou seja, do bem estar do coletivo. E isso nos basta para contra-argumentar com parâmetros da “Grande Política” de Nietzsche.

E como justificativa, ao expor Espinosa como estando na outra margem do rio, e corroborando com a afirmação de que, apesar de moderno, ainda tem métodos distintos dos outros pensadores do período, podemos detectar que o autor, ao trazer à baila a questão política, o faz sem que o elemento natureza humana sirva de justificação para o controle da conduta dos indivíduos.

E esse preterimento do quesito natureza humana – o que o faz pensar, também, em certa liberdade humana, apesar de uma liberdade mais voltada à questão moral que propriamente coletivo-social, traz novos elementos para se compreender o indivíduo com uma maior autonomia, apesar de ainda ter em mente a constituição de certo Estado coletivo – pode ser bem compreendido no fragmento abaixo: Os filósofos concebem as emoções que se combatem entre si, em nós, como vícios em que os homens caem por erro próprio; é por isso que se habituaram a ridicularizá-los, deplorá-los, reprová-los ou, quando querem parecer mais morais, detestá-los. Julgam assim agir divinamente e elevar-se ao pedestal da sabedoria, prodigalizando toda espécie de louvores a uma natureza humana que em parte alguma existe, e atacando através dos seus discursos a que realmente existe. Concebem os homens, efetivamente, não tais como são, mas como eles próprios gostariam que fossem. (ESPINOSA, 2004: I, § 1)

Presumo que o grande diferencial de Espinosa, com relação aos modernos tradicionais, esteja justamente na laicização do Estado, preterindo desta Instituição toda e qualquer pecha religiosa. Pois, o que a maioria destes modernos fez, foi, com base na noção de natureza humana, institucionalizar religiosamente o elemento representativo do Estado.

Ao salvaguardar uma maior liberdade, não permitindo que culpas religiosas recaíssem sobre o sujeito, Espinosa, de certa forma, apesar de ainda moderno, é o que mais se aproxima de Nietzsche. E seria basicamente este “respiro” de liberdade que o diferencia dos outros modernos.

A questão da culpa é tão preponderante na constituição do Estado Moderno, que nem mesmo em nossos dias vimos isso desaparecer por completo. A começar pela organização de nossas instituições contemporâneas. E isso Espinosa, ao contrário de seus contemporâneos, já havia detectado. Daí a preocupação em escrever um tratado político que, sabemos, apesar de diferente, ainda se encontra baseado em premissas modernas – e não custa relembrar que premissas são essas: a noção de representatividade e delegação de deveres (e direitos), bem com de valores; e da própria liberdade.


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1Por direito natural, portanto, entendo as próprias leis ou regras da Natureza segundo as quais tudo acontece, isto é, o próprio poder da Natureza. Por conseguinte, o direito natural da Natureza inteira, e conseqüentemente de cada indivíduo, estende-se até onde vai a sua capacidade, e, portanto, tudo o que faz um homem, seguindo as leis da sua própria natureza, fá-lo em virtude de um direito natural soberano e tem sobre a Natureza tanto direito quanto poder (ESPINOSA, 2004: II, § 4). Como se percebe, a noção de direito natural, empregada por Espinosa, se difere sobremaneira da noção tradicional. Por direito natural podemos entender toda a capacidade que o homem tem de se utilizar racionalmente de suas paixões. Estando o homem inserido na Natureza, automaticamente, também aquilo que o homem faz, faz parte do direito natural. Também sua virtude estaria agindo sobre este direito natural.


sábado, 6 de junho de 2009

Imbricamento Entre Política e Liberdade


Nietzsche e Espinosa - Parte I



Como a obra de Nietzsche não deixa bem claro o lado político de sua filosofia, priorizando muito mais a questão ética; a faceta deste texto versará sobre a noção de liberdade, tendo como contraponto Nietzsche e Espinosa, e como isso pode nos servir de pista para entender a questão política, referida por ambos autores.

Porquanto, veremos que, quando fala-nos de liberdade, há latente em Nietzsche um imbricamento com a questão política, notadamente quando temos como molde a estrutura democrática. Parece-nos que nesse ponto, a democratização de um viver político obstrui a liberdade desse homem. E isso pode parecer-nos mais evidente no fragmento abaixo: (...) creio que tudo o que hoje na Europa estamos habituados a venerar como 'humanidade', 'moralidade', 'humanitarismo', 'compaixão', justiça, com efeito pode ter um valor de fachada, como enfraquecimento e mitigação de certos impulsos fundamentais poderosos e perigosos, porém, a despeito disso, a longo prazo, não é nada além do que o apequenamento do inteiro tipo 'homem', sua definitiva mediocrização, se me quiserem excusar uma palavra desesperada num assunto desesperado. (KSA, vol. 12, 1885-6: § 2[13])


Dessa forma, ao se utilizar de termos como “desesperado”, fica-nos bastante claro o quanto Nietzsche preocupa-se com a questão da liberdade, e como a democracia pode ser daninha à mesma – em especial, este tipo de democracia que foi inaugurada com os Modernos. Ainda mais quando Nietzsche vê nesta questão a efetivação de uma moral de rebanho; grosso modo, um nivelamento por baixo.


Uma outra palavra que poderia nos remeter o real horror que Nietzsche tem deste tipo de democracia pode ser a justiça, mesmo porque, é baseado na questão dos direitos comuns que ela se subscreve como sendo a responsável por dar uma certa ordenação a este tipo de sociedade, e como a mesma, de uma forma genalógica, serviu de interesses bastante direcionados.


Ademais, esta mesma justiça surgirá a partir de uma negativação das paixões humanas; e neste ponto começa-se a aproximação que nos dispomos a fazer com relação à Espinosa, visto que, também em Espinosa, a questão da culpa sempre norteou a constituição dos sistemas políticos modernos, o que o faz, em pequena medida, se distanciar de pensadores como Rousseau, Hobbes, Montesquieu e Locke; responsáveis pela constituição teórica da moderna noção de Política. Além disso, o papel que a religião tem para estes últimos, e como isso fica preterido por Espinosa, que propõe uma laicidade das constituições políticas civis.


E isso fica bem claro no seguinte aforisma: La justicia vengadora. El cristianismo ha puesto en una misma balanza la desgracia y la culpa, de forma que, cuando la desgracia que sigue a una falta es grande, la magnitud de ésta última se establece involuntariamente em función del grado de gravedad de aquélla. Sin embargo, esta apreciación no es antigua, porque la tragedia grega, donde tanto se habla de desgracias y de faltas, aunque sea en otro sentido, constituye una de las grandes liberaciones del espiritu, en una medida que ni los mismos antiguos eran capaces de entender. Éstos no se preocupaban de señalar una relación adecuada entre la falta y la desgracia. La falta de los héroes trágicos viene a ser como la piedra em la que tropezamos, rompiéndonos un brazo o una pierna. Ante ella, según la forma antigua de pensar, se decía: <<¡La verdad es que tenía que haber caminado con más precaución y menos orgullo!>>. Pero estaba reservado al cristianismo decir: <>. (NIETZSCHE, A, 1998: § 78)


Esta forma de encarar a justiça como sendo fruto de um desígnio divino, e que a punição a nossos atos também deveria vir deste mesmo Deus, é a forma como fora constituída a noção política moderna. E neste caso, a noção de culpa tem um papel mais que necessário, senão essencial para que as paixões humanas – responsáveis pela efetivação da liberdade humana – não dominem o relacionar-se político de certa comunidade civil. Todos os modernos se utilizaram deste subterfúgio, nas constituições políticas que teorizaram. Já Espinosa descarta a noção de culpa e Nietzsche, principalmente, mais que descarta, a expulsa.

Neste aforisma de Aurora fica claro o quanto o autor “reconhece” a força disso para as constituições jurídico-sociais do corpus politicus, e o quanto isso ainda é importante no que tange à não-efetivação da liberdade humana e, automaticamente, na preterição de indivíduos com espírito livre, destas comunidades.


E os valores dessa democracia, bem como sua legitimidade jurídica, ainda mais, acabariam contribuindo para este apequenamento do homem, logo, também o de sua liberdade.


Há em Nietzsche um grande valor ao espírito livre do homem: isso sim o faria forte, não permitindo que ele caia na cilada da mediocrização de seu ser.


A liberdade, nesse sentido, seria muito mais importante que qualquer outro elemento da propensão à democracia. Pois seria esta liberdade a efetivação de valores mais fortes, ao homem; como bem expresso em Além do Bem e do Mal: Ensinar ao homem o futuro do homem como sua vontade, como dependente de uma vontade humana, e preparar grandes empresas e tentativas globais de disciplinação e cultivo, para desse modo pôr um fim a esse pavoroso domínio do acaso e do absurdo que até o momento se chamou 'história' – o absurdo do 'maior número' é apenas sua última forma –: para isto será necessária, algum dia, uma nova espécie de filósofos e comandantes, em vista dos quais tudo o que já houve de espíritos ocultos, terríveis, benévolos, parecerá pálido e mirrado. (NIETZSCHE, BM, 2003: § 203)


Valores esses que poderiam possibilitar o homem a pensar numa “Grande Política”, jamais numa mediocrização política que, conseqüentemente, minimizaria este homem. Por outro lado, quer-se olhar para o lado do “maior número”, deixando o homem aquém de seu real e grande futuro, mantendo-o no constante estágio de rebanho. Uma política que, acima de qualquer outra coisa, apenas tenta se manter como detentora da liberdade alheia. Uma liberdade que, como visto acima, se usa da falta e da culpa para poder punir. Uma política que não permite a este homem um outro futuro, senão este que o Estado Moderno inaugurou: o Estado do rebanho e da manipulação.


Mais que pensar no coletivo, há que se pensar primeiro no indivíduo, cabendo a um segundo momento, aí sim, preocupar-se com o “gerenciamento” da espécie.


sexta-feira, 5 de junho de 2009

1492 – A Conquista do Paraíso: um épico de Ridley Scott



A Conquista do Paraíso de Ridley Scott é um dos filmes que merece ser visto por vários motivos, para aqueles que gostam de conhecer a História da América é, então, imprescindível. A começar pelo elenco estrelado por Gerard Depardieu, em incrível desempenho no papel de Colombo e Sigourney Weaver, esta como a então rainha Isabel da recém unificada Espanha.


Entre outros atrativos, há fatos históricos fundamentais para começarmos compreender as raízes culturais dos povos americanos: o primeiro já citado é o da Unificação da Espanha em 1492 que acontece justamente a partir de outro fato importante; o da expulsão dos mouros que por séculos viviam no sul da Europa, sobre este fato, a cena da substituição da “meia lua”, símbolo muçulmano, pela cruz, é uma síntese emblemática; há também a luta da ciência, em parte representado pela personagem de Colombo, contra a religião, que se opõe a viagem para não perder sua autoridade, já revelando um início de decadência que irá se agravar com a Reforma.

A Igreja Católica tenta, assim, com base nos livros sagrados, rebaixar as idéias que dão sustentação a viagem de Colombo, não propriamente por discordar delas, pois já era notório entre os intelectuais, em grande parte, formados pela Igreja, que a terra poderia ser de fato redonda, mas o que estava em jogo, era o domínio do saber, que deixaria de estar sob o monopólio da Igreja e passaria também para as mãos de exploradores e cientistas que deteriam a autoridade sobre um assunto que era, até então, exclusividade do poder Religioso.


Nessa perspectiva, o filme ressalta em uma cena de tirar o fôlego literalmente, o poder da Igreja Católica na Espanha e mostra a força política da Inquisição fazendo mais uma vítima, isso claramente evidencia os riscos a que Colombo estava submetido. Por outro lado e a despeito de todas as forças contrárias encabeçada pela Igreja Católica e por parte da Nobreza, os mercadores, personagens importantes historicamente, entram em cena para “patrocinar” sob os auspícios e as garantias do Estado espanhol, representado no filme pela Rainha Isabel, a “grande loucura” de Colombo, que não era lá, a bem da verdade, tão insana assim. Pois numa cena entre o mercador e o líder espiritual, fica clara a mutua dependência entre Estado, iniciativa privada e a Igreja e que, Estado e mercadores não tinham nada a perder, caso a viagem de Colombo não desse certo; por outro lado, se obtivesse sucesso, teria tudo a ganhar, inclusive, como bem sabemos hoje, a hegemonia econômica no século XVI conferindo a Espanha o status de Estado mais rico e próspero da Europa e porque não do mundo, graças aos lucros auferidos com a Conquista (e não descoberta) da América.


A viagem em busca do paraíso é uma epopéia a parte no filme, desde a habilidade de Colombo com os tripulantes evitando um motim até o aviso de terra à vista, passando pelos usos dos instrumentos marítimos, as doenças (escorbuto), o racionamento de comida e culminando ao encontro com os nativos e os rituais de posse feitos pela nobreza espanhola.


A partir daí, cada cena é desenvolvida a partir do eurocentrismo das personagens, a sua recusa deliberada em aprender com os nativos, o seu total desrespeito com a cultura ameríndia, tudo isso, evidentemente, culmina com o fracasso pessoal (em vida) de Colombo e com inviabilidade inicial da colonização espanhola que só vai acontecer com a chegada de Cortez já em meados do século XVI.


Bem para o final do filme, descobrimos que o filho caçula de Colombo, aquele que ele mostra, com uma laranja, a razão de o barco desaparecer no horizonte, outra cena emblemática, é o narrador do filme. Ele expõe as injustiças que seu pai sofreu no final da vida, a glória que Américo Vespúcio recebeu no lugar de seu pai, pois por mérito a América deveria se chamar Colômbia. Por fim, a trilha sonora do filme feita por Vangelis só vem estampar com a música, a marca dos grandes épicos.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Pulp Fiction: inconseqüências e acasos – Tiros na hipocrisia




Eu me recuso a ver nos filmes de Tarantino apenas um passatempo violento e banal. Para mim suas cenas de violência são muito mais que isso, assim como seus filmes são muito mais que violência. Em Pulp Fiction, meu preferido, matar é uma profissão, como enganar é uma tática economicamente rentável, seja na compra de resultados de luta de boxe, no repasse dos lucros das drogas, etc.



Pulp Fiction é um desvelamento das hipocrisias da vida; talvez a visão cética que mostra com crueza a impossibilidade de relacionamentos sinceros e duradouros. É o desmascaramentos dos caracteres sociais e individuais. Não é nada muito sério, todos os argumentos são diluídos nos acasos predominantes da vida.



É como num conto policial, as motivações se perdem na trama, as ambições tornam-se sem relevância, nada vale muito à pena. Resolver o caso ou não, importa pouco no final. Entre bons e maus inexistem diferenças fundamentais e quando há distinções, é sobre atos dentro dos próprios sujeitos, são as escolhas e esquecimentos cotidianos, sem muito ou nenhuma explicação, que conduzem a trama e a vida, no final das contas. É como uma revista (pulp fiction) de contos policiais lida em um vaso sanitário enquanto defeca.



Quentin Tarantino faz de uma simples “cagada” uma pausa para leitura; de uma simples ida ao banheiro, uma “viagem”, não apenas um retoque na maquiagem, mas uma pausa necessária para refletir sobre seus atos, de resto, completamente inconseqüentes.