domingo, 31 de maio de 2009

Trainspotting: uma imagem-crítica à vida frívola da contemporaneidade



Trainspotting é um filme sobre jovens e drogas que foge do clichê: vício/recuperação. O filme de Danny Boyle também tem outras coisas interessantes, sua montagem é alucinante, não-linear e suas cenas surreais são inesquecíveis.



O que dizer da cena de Renton mergulhando no vaso sanitário em busca de seu supositório de ópio ou de quando o próprio, após uma overdose, cai em uma “cova”, uma espécie de estágio entre a vida e a morte, e começa a ver as coisas e as pessoas ao seu redor através de um enquadramento bizarro.



É também uma crítica à vida vazia e consumista dos anos 80/90, o uso das drogas, nesse sentido, é uma opção, uma linha de fuga que recusa a vida frívola e medíocre. Porém, as personagens não são submetidas ou subjugadas pelo uso das drogas, os sujeitos não são levados a elas por influência negativa ou por forças externas (marginalidade, pobreza, etc), pelo contrário, o uso das drogas é uma escolha entre outras, é um consumo entre tantos outros supérfluos na sociedade, em vez de comprar uma máquina de lavar, um micro system ou uma televisão, as personagens preferem comprar um “pico” e fugir, por alguns momentos, da realidade sufocante que os cerca. No filme, as personagens tentam outras saídas, neste ponto, a droga é apenas outro cenário/personagem, como o é o futebol, o passeio no campo, o vídeo pornográfico furtado do amigo, a boate, as brigas no pub, etc.



As drogas também fazem parte da sociedade de consumo e não funcionará por muito tempo como linha de fuga. Por outro lado, a droga aparentemente cultuada no início do filme é também dissecada e questionada enquanto conduta de vida assumida pelas pessoas que a consomem, como as amizades provocadas e condicionadas pelo uso das drogas são rejeitadas e descartadas (exceto a de Spud, talvez por pena) pela personagem principal de Renton.



No fundo, o filme é uma crítica ao consumismo de nossos tempos; no final, até as drogas tornam-se supérfluas, assim como, as sociabilidades e as amizades que elas criam.



domingo, 17 de maio de 2009

Crônicas da Educação III

Orgulho e Preconceito

Ao chegar à sala da vice-direção, a funcionária o aborda:

- Venâncio?

- Sim?

- Esta Sra. deseja falar com você?

- Olá bom dia, em que posso ser útil?

- Bom dia! O Meu filho estuda aqui e ultimamente ele vem sofrendo com preconceito.

- Nossa!, isso é grave, quem é seu filho e a partir de quando ele vem sendo hostilizado preconceituosamente?

- Já tem bastante tempo, não é só aqui não, mas como aqui é uma escola e eu espero que o Sr não compartilhe disso...

- Com certeza, não mesmo... continue...

- Pois é, eu vim aqui para que o Sr. tome providências a respeito.

- Que tipo de preconceito? Racial?

- Não! Embora ele seja negro o Francisnetto nunca teve esse problema, graças a Deus.

- Então qual é o tipo de preconceito e quem são os autores?

- Meu filho vem sendo chamado e tratado como gay! E eu te digo...

- Venâncio!

- Sr Venâncio eu te digo: meu filho não é bicha, nós somos religiosos e em nossa família ninguém é anormal.

- Senhora, acalme-se, Matilde, busque um copo com água para esta senhora, por favor!

- Tome, beba e agora se acalme, por favor. Vamos tentar resolver esse problema. Isso, acalme-se, muito bem.

- A Sra. acha que ser gay é um problema?

- É claro que é, isso é coisa do capeta!

- Olha, vou dar minha opinião sobre o caso, é apenas uma opinião particular. Se seu filho vem sendo hostilizado e constrangido moralmente, dependendo do contexto isso é muito grave e cabe até processo judicial quando bem fundamentado. E sob esse aspecto a Sra. pode ter certeza que a Direção da Escola vai apoiá-la em todos os sentidos.

- No entanto, eu discordo da Sra. quando diz que ser homossexual é um defeito, uma anormalidade. Todos aqui na Escola e na sociedade como um todo devem ser tratados com respeito e dignidade, independente se for preto ou branco, homem ou gay, corintiano ou palmeirense.

- Não sei se seu filho é gay, e isso só interessa a ele e a quem ele quiser contar. A orientação sexual de qualquer indivíduo é singular, embora seja um processo social. Veja, cada um, em respeito às leis, tem o direito de ser magro, gordo, bonito, feio, homem, gay e por aí vai.

- Agora, eu vou te fazer uma pergunta pessoal, e a Sra. responde se quiser. A Sra. acha que seu filho é gay? Se acha, isso te incomoda?

Aos prantos, a mãe de Francisnetto responde:

- Não sei... snif, aaacho que sim, snif, snif ó meu Deus porque isso comigo?, o que fiz de errado? porque essa desgraça se abateu sobre mim?

- Acalme-se minha senhora, por favor, isso não é uma maldição, isso cabe a ele, só a ele, é singular, não sofra com isso. Até onde eu sei ele é um menino educado, carinhoso, honesto; estas sim são qualidades imprescindíveis ao ser humano.

- Mas, o que os outros vão falar, o Sr. fala assim porque não é contigo, né?

- Não, minha senhora, é do fundo do coração, se minha filha se tornar um homossexual eu não vou lamentar, o importante é ela fazer o bem para si e para outros. Acalme-se, por favor, não chore mais.

- Os meus irmãos de fé, eu percebo, eles olham torto para Francisnetto...

- Acalme-se, beba mais água, sim?, por favor, isso, isso se acalme.

E inopinadamente ela se levanta:

- Olha aqui, já vi que o Sr. não vai resolver o meu problema, eu perdi meu tempo vindo aqui, esse assunto eu vou resolver lá em casa, essa sem-vergonhice do Francisnetto, ele me paga, a hora que ele chegar em casa vai ver só...

- Não faça isso, converse com ele, mas com calma, seja compreensiva, não faça nada impen...

E antes que Venâncio terminasse sua frase, a porta da sala bate fazendo um estrondo.