sábado, 28 de junho de 2008

Premissas Retóricas...

Uma História Sobre Deus!




Se a premissa retórica é que dá validade à noção de verdade, tento pegar na genealogia um parâmetro para repensar esta premissa – e de premissa, também Vico entende, e poderá ser-nos mui útil neste ensaio.


Em pleno século XV, quando se tem uma revolução humana, desde Copérnico e sua teoria heliocêntrica, até chegarmos em Pico della Miràndola (1463-1494) – apesar de sua insistência em relacionar este humano criativo com Deus, diferente de Vico que começa a dar uma maior autonomia ao homem; talvez pelo fato de entrar em cena alguns séculos depois – e Giambattista Vico (1668-1744), com a preocupação em reforçar e defender um humanismo mais efetivo, tem-se a construção de um saber bastante distinto de muita coisa escrita anteriormente. Ao menos os prenúncios desta construção (dirão os partidários da teoria do eterno retorno que tudo que é novo, não o é efetivamente, visto que já em Eclesiastes pensa-se nesta sabedoria) já se fazem sentir nos quehaceres do Homem.


O que não podemos nos esquecer, entretanto, é que o Renascimento só foi possível após a descoberta das obras completas de Platão, e outras tantas de Aristóteles – até então desconhecidas do Ocidente –, que tinham migrado para o Oriente. Tendo em Constantinopla um dos principais centros irradiadores desta cultura helenística e, como se verá, veladora. Não é à toa que as obras gregas só sobreviveram ao tempo, devido a leva que ocorreu séculos antes. Quando da efetivação do Cristianismo como única doutrina portadora da verdade. Relegando aos gregos a pecha de paganismo e, em face disso, coisa proibida.


De acordo com Bernadete Siqueira Abrão em A História da Filosofia: Até o Renascimento, o Ocidente praticamente desconhecia Platão. O que se sabia dele vinha mais dos comentários que se faziam a seu respeito do que das poucas obras que haviam chegado à Europa. Mas alguns manuscritos gregos, comprados em Constantinopla, mudaram esse cenário. Entre eles, levados a Florença em meados de 1430, estava nada mais, nada menos do que a obra completa de Platão. O impacto da descoberta foi imediato. Cosme, o Velho (1389-1464), da poderosa família Médici, que então dominava a cidade, encomendou a tradução dos Diálogos a Marsílio Ficino. A ele confiou também a fundação da Academia Florentina, um influente centro de filosofia renascentista. Se, na Idade Média, a escolástica incorporou o aristotelismo ao cristianismo, no Renascimento a oposição a esses “tempos obscuros” fez-se a partir dessa “reabilitação” de Platão.


Como se vê, o Renascimento só existiu por uma traquinagem histórica, pois, sem ela a revolução cultural que se deu no período jamais ganharia corpo. E, principalmente, devido também o incentivo do mecenato e da preocupação com o conhecimento. Coisa que, no Medievo, era quase impossível – pelo menos quanto ao referir do pensamento pagão.


Essa revolução cultural vai se afirmar, bem futuramente, no Iluminismo. Apesar de já pensarmos o Renascimento como um indício de que o homem tem tentado construir seu espaço no discurso dominante de sua época e, principalmente, partindo de suas verdades – mesmo que verdades tendenciosas. Um espaço que ainda é povoado pela força de Deus, e onde não há uma plena ruptura com certos ditames do período medieval.


Uma revolução que se dá na forma de uma ruptura decisiva com o sobrenatural da Teologia e o natural da Antropologia, sem, todavia, desconsiderar esta Teologia como fonte irradiadora de verdades.


Uma vez que podemos encontrar o homem no centro de uma construção discursiva cognoscente, podemos pensar que o salto da Teologia para a Antropologia tem nesse momento um efeito substancial. O qual inaugura, ou mesmo institui, novos parâmetros para se pensar o mundo. Em especial o parâmetro da tolerância, dentro da cabeça destes homens, em seu tempo – ainda que de uma forma mais tímida e, contra esse tempo (um contra que, em certas situações, mais parece uma afirmação).


Apesar de que, já na Grécia tínhamos os prenúncios desta nova forma de pensamento. Noutra direção, em todo o Medievo europeu o mesmo andou um pouco esquecido, o que sugere que o homem, por si só, não se incluía nas considerações eruditas do tempo na Cidade de Deus.


No Renascimento, como se verá, há apenas uma transferência de enfoque, enquanto no Iluminismo a ruptura é algo mais consistente e avassalador. Esta transferência é bem patente quando encontramos vários pensadores, ainda, tentando conciliar o pensamento divino com o mundano.


Pode-se dizer que este sintoma de mudança é muito mais uma ênfase que, propriamente, uma substituição, pois o homem ainda não se vê tão desvinculado de Deus e seu universo maravilhoso, como em um primeiro momento pode parecer. Vê-se, sim, como uma parte deste todo, diferente do Medievo em que o homem, e seu pecado original, era apenas o estorvo da efetivação do paraíso na Terra.


Há apenas a confirmação de um posto que o homem outrora não possuía; que seria assumir um cargo de liderança com relação ao seu destino de recriador da matéria e do mundo – jamais como um criador de fato, visto que este cargo já pertencia a Deus – e, como tal, propenso à consecução de um quinhão a mais.


Apenas no Iluminismo tem-se a tentativa de efetivar a morte de Deus. Morte que será confirmada apenas no final do século XIX e prenúncios do século XX, com o filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) e sua filosofia do martelo (http://www.ucm.es/info/especulo/numero19/martelo.html).

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Sectos de XVI...




A imagem que se tem de Cristo é a mesma do Novo Testamento: um homem humilde, que não teme, inclusive, por-se ao lado de leprosos para, segundo as Escrituras, mostrar um pouquinho deste amor incondicional ao outro. Visão essa que tornara-se marcante para a continuação de sua igreja e que, apenas posteriormente – já no Medievo – se contradiz, criando um império que, num primeiro momento, criticara.

Crestus, o Messias dos essênios, pelo qual parece terem optado os judeus para a criação do cristianismo, daria origem ao nome de Cristo, cristão e cristianismo. Cabendo a Paulo a disseminação dessa que, para o mundo de então, surgira como a maior das superstições – coisa fácil de acontecer, pois, uma maioria arrebatadora da população do período era totalmente analfabeta, baseando-se na oralidade para se fazerem existir.


Os essênios haviam se estabelecido numa instituição comunal – bem aos moldes do que pregava o Cristo e, principalmente, bem aos moldes do que desenvolvera Paulo –, em que os bens pessoais eram repartidos igualmente para todos, e as necessidades de cada um tornavam-se responsabilidade de todos. As primeiras comunidades cristãs, por coincidência, faziam deste ritual também o seu. Ou seja, tudo aquilo que o populacho queria foi o que de Paulo se originara. Ambiente mais que propício para a disseminação dessa crença. Acresce-se a isso toda a indumentária discursiva que, sabemos, é bastante fantástica e envolvente.


Tal ideal de vida conquistaria, como realmente aconteceu, o escravo, a plebe, enfim, a gente humilde. Daí, a expansão do cristianismo que, nada tendo de concreto, positivo e provável, assumiu as proporções de que todos temos conhecimento. São momentos históricos que tão-somente corroboram com o processo genealógico da Doutrina, cabendo ao discurso apenas a afirmação e efetivação da nova religião, que já nasce querendo ser Universal. Não tendo ficado restrita à classe inculta e pobre, como seria de se pensar, começou a ganhar adeptos entre os aristocratas e bem nascidos. E isso fica bem patente nos vários escribas que se incumbiram de pensar e escrever sobre, que, deram o sopro que faltava para a consecução da Doutrina.


E esta força discursiva, de religião universal, advinda da Doutrina, ganha ainda mais força quando de informações que confirmam que os judeus – gérmen do cristianismo –, ao receberem a visita de Javé para a confecção da Tábua das Leis já, em estado germinal, tendem ao monoteísmo e, para isso, desafia as outras religiões, afirmando que não são verdadeiras. Em especial, quando de seu advento definitivo, a Doutrina Cristã sectariza ainda mais este discurso, com o intento de se sobrepor a toda e qualquer crença que reinava naquele período.


Isso fica bem claro na Encíclica do papa Bento XVI, primeira de seu trono, e que se intitula Deus Caritas Est, em seu nono parágrafo: Antes de mais nada, temos a nova imagem de Deus. Nas culturas que circundam o mundo da Bíblia, a imagem de deus e dos deuses permanece, tudo somado, pouco clara e em si mesma contraditória. No itinerário da fé bíblica, ao invés, vai-se tornando cada vez mais claro e unívoco aquilo que a oração fundamental de Israel, o Shema, resume nestas palavras: "Escuta, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor!" (Dt 6, 4). Existe um único Deus, que é o Criador do céu e da terra, e por isso é também o Deus de todos os homens. Dois fatos se singularizam neste esclarecimento: que verdadeiramente todos os outros deuses não são Deus e que toda a realidade onde vivemos se deve a Deus, é criada por Ele. Certamente a idéia de uma criação existe também alhures, mas só aqui aparece perfeitamente claro que não é um deus qualquer, mas o único Deus verdadeiro, Ele mesmo, é o autor de toda a realidade; esta provém da força da sua Palavra criadora.


Nada como submeter as outras crenças tornando-as confusas e contraditórias, o que afirma ainda mais a assertiva de que o Cristianismo – especialmente o Catolicismo – surge como sendo a única religião verdadeira e correta.


O que chama mais a atenção é que, dois milênios depois, a Igreja continua pregando sua empáfia e seu sectarismo, o que fica bem claro nesta Encíclica de Bento XVI.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

O Olho da Maça...



A Doutrina da Igreja, desde sua fundação que, segundo estes eclesiásticos antigos, se deu com a vinda de Jesus Cristo ao mundo, sempre teve a preocupação de buscar rebanho. E isso, naquele período – como tratado e considerado hoje –, levava o nome de educação: como pode ser visto no fragmento abaixo, pertencente ao livro Agenda Social: colecção de textos magisteriais, preparado pelo reverendo Robert A. Sirico: 1. Mãe e Mestra de todos os povos, a Igreja Universal [sinônimo para Igreja Católica] foi fundada por Jesus Cristo, a fim de que todos, vindo no seu seio e no seu amor, através dos séculos, encontrem a plenitude de vida mais elevada e penhor seguro de salvação. A esta Igreja, coluna e fundamento da verdade (cf. 1 Tm 3, 15), o seu Fundador santíssimo confiou uma dupla missão: de gerar filhos, e de educar e dirigir, orientando, com solicitude materna, a vida dos indivíduos e dos povos, cuja alta dignidade ela sempre desveladamente respeitou e defendeu. (Mater et Magistra, n. 1).

Não é por acaso que em dois momentos, em apenas este pequeno fragmento, há uma referência retórica bastante contundente, característica dos discursos persuasivos, dizendo-se coluna e fundamento da verdade. E uma outra referindo-se ao educar e dirigir, orientando com solicitude materna. Ambas as partes citadas, por si só, são sintomáticas para aquilo que estamos nos referindo como discurso fundador de verdades e, em consequência, criador de valores.

Nesse sentido, os valores que se querem verdadeiros têm características persuasivas e retóricas bem semelhantes; ambas se dispondo em construções emotivas e apacentadoras. Ao se referir à expressão materna, ou mesmo dentro da palavra educar, e ainda, na palavra dirigir, cria-se um círculo que tenta conciliar aquilo que temos de mais sagrado em nossa condição humana, com aquilo que temos de mais emotivo – razão e emoção dão o teor da confirmação valorativa. Eis, pois, quando o mundano e o sagrado dão as mãos... e é de mãos dadas que tento levar estas duas crianças a passear.

A polêmica que tal invectiva constrói apenas alimenta a persuasão retórica que ambos discursos representam. Antes, porém, de entrar em qualquer polêmica, nada como levantar a etimologia da palavra 'polêmica': advinda do grego e que tem como significação constitutiva a noção de guerra e combate.

Nada mais salutar que falar em combate quando os temas em questão são as convenções de mundano e sagrado, colocados em locais distantes e tão díspares dentro da Biblioteca da obra humana. Apesar de levá-las a passeio, retirando-as de seu recinto poeirento por alguns momentos.

A História sempre se encarregou de absolver os erros humanos, visto que a história é uma história humana e, como tal, displicente para com seus pares, no que concerne desvios de conduta... Será que o caminho torto, todo cheio de poeira, pode ainda nos mostrar algumas surpresas de passados remotos? Penso que não, há muito de Deus e de sacro neste caminho... duas condutas que se encontram acima de qualquer suspeita!

domingo, 22 de junho de 2008

No Início era o Verbo... é o Verbo!



Um começo é sempre um ponto de referência de algo que pode não acabar. Há o começo, tudo tem começo, até o infinito, mas podemos falar num fim... num encerramento? Um começo que discorre sobre algum motivo, e pensando numa razão – às vezes oculta, outras bastante claras –, uma razão que não convém aparentar um fim, mesmo porque, toda construção discursiva é uma construção literária, e é nossa razão (como também, nalguns casos, a paixão e o nonsense) o arquiteto desta obra. Além do mais, acresce-se a isso a força que a noção de sagrado – pois, é do sagrado que falaremos – exerce sobre estas construções (afinal, o que é sagrado mesmo?, e um fim, há?). Já dizia a Bíblia: No início era o Verbo...

E por sagrado também podemos nos referir à experiência religiosa e sua relação com a religiosidade dos homens, este sentimento tão íntimo e persuasivo, que beira à loucura, em alguns casos.

Paul Bloom dirá, noutra direção, que: tendemos a ser religiosos como efeito de nosso desenvolvimento mental e cognitivo. Um desenvolvimento que não veio do indivíduo, mas, principalmente, da espécie.

Tudo leva a crer que a religiosidade se desenvolve à medida que nos inteiramos com o mundo, relacionando-nos com seus vários elementos. Tendo no mesmo um objeto fantástico, e que mostra uma série de questões que não podemos entender, mas que insistimos em falar – e escrever – sobre.

Um caminho que também pode vir de forma contrária: diz-se que o homem, de antemão, já tem em seu ser apetrechos que o conectam com esta realidade cognitiva, dando-lhe vida e feições. E por esta realidade existir, vemos que a religião institucionalizada incorpora tal necessidade e devolve ao homem o produto pronto, finalizado e intencionado (todavia, sem um fim muito claro... para onde iremos mesmo?).

Com efeito, a religiosidade dos homens, bem como sua natureza, mostra que os caminhos traçados podem interferir nesta visão de mundo, porém, sempre com premissas religiosas em primeira instância. Isso apenas reforça a certeza de que a religiosidade passa a ser explicada não por seu uso ou finalidade, mas como efeito de uma constituição psíquica, diferente da religião que institucionaliza este anseio e lhe dá uma finalidade pós-morte.

Por outro lado, em Adélia Prado – poetiza do quotidiano – há uma clareza em conceituar experiência religiosa com experiência poética, visto que, uma e a outra, de forma metafísica, podem nos conduzir a esse estado de êxtase.

Ainda de acordo com Adélia Prado: a poesia aponta para o mesmo lugar que aponta para onde a fé quer levar; são experiências de natureza comum. É o lugar do inefável e do não-lugar. É o lugar do objeto em si, com sua relação com o divino e o sagrado. Poesia e religiosidade vêm do sagrado e a ele retornam como uma náusea (bem ao espírito sartreano).

Elege-se, com isso, temas relacionados às angústias da alma humana, discussões existencialistas, inquietações, desejos, medos – um trauma original.

Ademais, o sentido da vida, a dificuldade de se expressar, a forma de viver das pessoas, sua inconseqüência sem, entretanto, reflexões mais profundas, enfim, tudo isso acaba dando à obra humana um caráter bastante confidencial. E é deste caráter confidencial que o sagrado se expressa em toda sua virilidade, dando ao homem várias razões que sua razão desconhece, e que o conduzem a um local também desconhecido.

Esses temas são trespassados tanto pela poesia quanto pela prosa, seja nos romances, contos ou crônicas, como também na escrita sagrada da vida.

Há uma constante auto-crítica intelectual agindo nas obras humanas. Esta auto-crítica intelectual é o exemplo mais concreto da condição humana e toda sua metafísica construção.

sábado, 21 de junho de 2008

Seção D'Outro


"A AUDIÊNCIA CAI DEVIDO A PESSOAS PRECONCEITUOSAS"

COPIADO DO BLOG DO AZENHA -http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/a-audiencia-cai-devido-a-pessoas-preconceituosas/

Atualizado em 17 de junho de 2008 às 12:24 Publicado em 16 de junho de 2008 às 21:16
por Emerson Luis, no blogue Nas Retinas
(http://emerluis.wordpress.com/2008/06/16/preconceito-de-classe-explicito-para-lucia-hippolito-a-culpa-da-derrota-da-selecao-tambem-e-do-lula/), em 16 de junho de 2008


Vejam, ou melhor ouçam, no dia 16/06/2008, de título Candidatos Começam a Sentir o Pulso do Eleitorado Local, no sítio http://cbn.globoradio.globo.com/cbn/comentarios/politica.asp, a classe da colunista(?) Lucia Hippolito na CBN. Quem merece acordar pela manhã, ligar o rádio, e ouvir coisas tão absurdas nas análises desta “especialista”?


Os proprietários dos veículos conservadores não entendem porque a cada dia perdem audiência para a Internet e outros veículos alternativos. Eu explico: a audiência cai devido a pessoas preconceituosas como Lucia Hippolito.


Em seu comentário pela manhã na CBN ela simplesmente conseguiu aliar a derrota da seleção brasileira ao presidente Lula, desqualificando-o para exercer o cargo de presidente da república. Ou seja, se a seleção perdeu, a culpa é do despreparado do Lula.


É a fina flor do jornalismo de caserna. Ao acordar de mau humor numa segunda-feira, Lucia usa o microfone para exercer o preconceito de classe, como pessoa culta e preparada que é. Obviamente, não admite que um cidadão com histórico político ganhe as eleições e assuma o cargo de chefe máximo da nação.


Lucia, uma dica: 2010 está ai. Porque você, que é uma pessoa preparada, equilibrada, culta, que tem faculdade, doutorado e mestrado não se candidata para o cargo?


Indo mais além na sua forma sabotadora de comunicação, aliada a apatia de uma das rádios mais sem criatividade que já surgiram no Brasil, Lucia ainda chama a ministra Dilma, que nem é candidata a nada, de despreparada, a roldão do presidente Lula.

Leiam o trecho citado, literalmente: “Uma das coisas que talvez o presidente Lula tenha feito mal para o país, porque as pessoas acham que podem, de repente, se candidatar à presidência da República sem nunca ter feito nada. Olhe o Dunga, nunca foi técnico nem do time da esquina da rua dele. Agora já virou técnico da seleção brasileira e acha que sabe tudo. Olhe a ministra Dilma [Roussef], nunca administrou nada a não ser a Casa Civil, com esses problemas todos que ela está tendo, já acha que pode ser presidente da República. Dureza, hein?”


Literalmente foi isso que se ouviu hoje pela manhã em uma das principais redes de rádio do país, que administra uma concessão pública de radiodifusão, ou seja, do Estado. Fiquei pensando no trecho “nunca ter feito nada”, que ela usou para se referir as atividades do presidente.


Se Lucia fosse algo mais ou menos parecido com um jornalista, ela definiria exatamente o que quis dizer nestas entrelinhas. Defender direitos trabalhistas durante uma ditadura é fazer nada? Ser preso pela ditadura é fazer nada? Percorrer o país em caravana para ter base sólida e conhecimento do país é nada? Ter sido deputado constituinte é nada? Ter disputado cinco eleições com sabotagem da imprensa é nada? Ter colaborado pela redemocratização do país é nada?


Lucia, com todo o respeito que uma dama merece, quem precisa fazer alguma coisa é você, talvez um curso de cidadania em programas públicos, visitas em assentamentos de terra, a projetos de inclusão digital, aos albergues, programas de alfabetização, enfim, uma visitinha a qualquer periferia que está ai bem perto de você, para aprender que propagar preconceito de classe usando os meios de comunicação é péssimo para o país.


Transgênero Literário!

Caminhos e Descaminhos da Internet...





Entender o significado dos textos, da comunicação deixado por outrem sempre acompanhou a curiosidade humana. Ao longo dos tempos, os homens criaram técnicas e métodos para desvendar a polissemia dos discursos. Eis, algumas questões sempre atuais que atravessaram o tempo em busca do discernimento do sentido: como caracterizar o sentido de um discurso? Quais são os critérios para tal investida no interior de um texto? O sentido se revela pelo que é dito ou pela maneira de dizer? Quais aspectos extra-texto poderemos levantar como variáveis para a construção do sentido de um discurso?


Para Roland Barthes – escritor, semiólogo e crítico literário – nascido em Cherbourg, na Normandia, no ano de 1915, o significado das coisas que o mundo oferece, por meio de suas mais variadas linguagens, seria a representação psíquica de uma coisa e não a coisa em si.


O significado de uma imagem é sua representação gráfica aos olhos de quem a está observando, e de seu conteúdo se inteirando. O significante materializaria a figura do significado (a figura propriamente dita) com seu significado segmentado e entendido de várias formas, segundo as diferenças culturais de cada leitor ou observador.


Acima de tudo, porquanto, uma tradição literária implica num senso histórico ativo do passado, vivo no presente e, ao mesmo tempo, moldando este presente.


Dessa forma, parece existir uma espécie de tempo literário – ou mesmo gênero literário – encontrado entre o ensaio, o tratado e o discurso literário e que, de uma forma congênere e nova, não cabe em nenhum destes parâmetros; criando para si algo novo, além do que está posto.


Fora, também, a questão do hipertexto e da Internet, com sua explícita gama de informações livres, e das mais variadas (às vezes muitas não muito confiáveis).


Este mesmo tempo que, outrora, fora pensado por Marcel Proust (1871-1922) dentro de um parâmetro mais literário e menos epistemológico, e que acaba sendo resgatado por Barthes com um caráter mais acadêmico – e, ao mesmo tempo, debruçado fora do teor terrificante dos muros da Academia –, mais recentemente, e, no Brasil, pelo professor Evando Nascimento, da Universidade Federal Fluminense.


E é com base na obra de Roland Barthes, e do estudioso de tecnologias vinculadas à Internet, o francês Jean Baudrillard, que se tentará pensar este transgênero literário dentro dos parâmetros da Internet, e sua intensa liberdade de expressão.


Expressa nos mais variados assuntos, nas mais variadas páginas pessoais – os blogues, por exemplo – e em ferramentas como o Universia e o Wikipedia, que vêm, justamente, nos mostrar sua cara, com a tentativa de aplicar este conceito de liberdade escrita e epistemológica em uma localidade estrita e plena de significados, embora, uma localidade que ultrapassa seu mero estar físico (ou virtual, como é o caso da Internet).


Este novo universo epistemológico e linguístico tem muito de reinvenção. Destas que a linguagem não comporta mais seu objeto de constituição. Sendo, para além de sua concretização em signos e letras, um local situado numa terceira margem, onde nem a esquerda ou a direita determinam alguma correlação de força, ou mesmo de significação.


Em recente descoberta – dessas em que certo autor, com suas reminiscências pessoais, dá à sua já grandiosa obra uma força ainda maior, em especial quando de sua valoração conceitual – nos escritos de Samuel Beckett (1906-1989), encontrou-se uma carta – escrita em 7 de junho de 1937 – direcionada a um amigo alemão de nome Axel Kaun, onde a linguagem assume um significado de não-linguagem, tendo no silêncio um novo ponto de referência.


Vejamos, pois, alguns fragmentos desta carta: "Tomara chegue o tempo, graças a Deus que em certas rodas já chegou, em que a linguagem é mais eficientemente empregada quando mal empregada. Como não podemos eliminar a linguagem de uma vez por todas, devemos pelo menos não deixar por fazer nada que possa contribuir para sua desgraça. Cavar nela um buraco atrás do outro, até que aquilo que está à espreita por trás seja isto alguma coisa ou nada comece a atravessar; não consigo imaginar um objetivo mais elevado para um escritor hoje."


O uso desmedido da linguagem tem desses contratempos. Até pela quantidade excessiva de informações, ocasionadas contemporaneamente pela Internet, não temos mais lugar para localizarmos conceitualmente a linguagem. Seu não-lugar é hoje o que de mais evidente se nos mostra na infinita teia virtual.


Por outro lado, quando solicita o não-uso dessa linguagem, o autor está nos colocando uma questão que, cada vez com maior evidência, tornara-se algo essencial. Isso pode ser encontrado no conglomerado de gírias que circulam na Internet, onde não se fala muita coisa, falando demais aquilo que não significa nada.


Beckett não está desconsiderando este tipo de linguagem, está, sim, tentando encontrar uma linguagem que se iguale ao homem. Uma linguagem que diga mais que sua composição tipológica. Este tipo de linguagem, ao contrário daquela típica da Internet, tem o que dizer, sem existir. Diferente desta internética onde se diz muito, sem nada para informar.


Quando pede que a linguagem seja mal empregada não está, de modo algum, fazendo dela um mal emprego tipológico como o visto nos bits da Internet, mas um mal emprego epistemológico, dando significações, até então, não recorrentes no universo linguístico humano.


O caminho original, quando redirecionado – e isto tentava fazer Beckett –, tende a ser novo e mais criativo. Deixando de ser original, no sentido teológico, e tornando-se original no sentido filosófico e histórico.


Este mesmo caminho pode ser constatado neste outro fragmento da carta de Beckett: "À caminho dessa literatura da despalavra, para mim tão desejável, alguma forma da ironia nominalista poderia ser um estágio necessário. Mas não é suficiente que o jogo perca um pouco de sua sacrossanta seriedade. Ele deveria cessar. Ajamos então como aquele matemático louco(?) que empregava um princípio de mensuração diferente a cada etapa de seu cálculo. Um ataque às palavras em nome da beleza."


Um caminho que tem muito de descaminho e de despalavra, como bem expressa o autor. Com efeito, a partir do momento em que não mais mensuremos este caminho, e esta mesma linguagem, de forma nominalista, nomeando elementos e determinando fatores; aí sim, a partir desse momento teríamos um descaminho mais original, e sem muita explicação. Talvez seja esta não-linguagem a qual Beckett faça referência.


Noutro fragmento, mais um (des)caminho teríamos traçado, e novas informações teríamos acumulado: "Ou será que a literatura, solitária, deve permanecer atrasada em seus velhos caminhos preguiçosos que há tanto tempo foram abandonados pela música e pela pintura? Há alguma coisa paralisantemente sagrada na natureza viciosa da palavra que não se encontra nos elementos das outras artes? Há alguma razão pela qual a terrível e arbitrária materialidade da superfície da palavra não seria capaz de ser dissolvida, como pode, por exemplo, a superfície do som, rasgada pelas enormes pausas, da Sétima Sinfonia de Beethoven, de forma que, por páginas a fio, nós não podemos perceber a não ser um caminho de sons suspensos nas alturas vertiginosas, ligando insondáveis abismos de silêncio? Uma resposta faz-se necessária."


Uma resposta que não coloque limites, como o faz as palavras, mas que, realmente, dê respostas a este longo e lento caminho. Um caminho que tenha muito mais de simbologia que propriamente de nominalismo. Símbolos são muito mais que meras letras nominadas, eles têm muito de significações e de re-significações. É como se novos valores linguísticos dessem novas conceituações aos já pisados valores existentes.


Mais que um projeto de futuro, o que se quer com tal proposta é recolocar a linguagem num local donde ela nunca teria saído: o local das significações e re-signifações humanas. Homens que somos, tentamos colocar peia em nossos devaneios, situação que, diretamente, também afeta a linguagem e sua objetivação de conceitos e nominação de saberes – alguns nem sempre nomináveis, nem tampouco mensuráveis.


A literatura está repleta de obras em que o autor mergulha junto nas atribulações de seus personagens, a ponto de modificar a estrutura da narrativa para acomodá-las.


Um mundo fraturado naturalmente separado em partes. Você não consegue ter uma relação orgânica, natural, com um país ou uma pessoa, por exemplo, se apenas dispõe de uma imagem na televisão. Trata-se de uma versão contemporânea de um velho problema: o mundo sempre nos pareceu fraturado. Nossa mente não está em sintonia com nosso corpo, nossas vidas não têm nenhum elo óbvio com o divino, a consciência dos outros não nos é acessível. A vida está cheia de descontinuidades (Zadie Smith, Folha de São Paulo, 27/05/2006).


Nem sempre um escrevinhador consegue comunicar ou revelar as volúpias literárias que impulsionam a sua pena. Num bom escritor, porém, o prazer do texto, como dizia Barthes, desemboca no prazer da leitura. A frase “uma expressão feliz” descreve uma felicidade literal. Daí a possibilidade de escrever uma obra-prima praticamente do nada, como as famosas crônicas sem enredo: o escritor, como um poeta, limita-se a tocar um instrumento que é ele mesmo (Hugo Estenssoro, As musas se divertem, Primeira Leitura, 51).


sexta-feira, 20 de junho de 2008

Irmãs Siamesas!




A filosofia, pensada a partir de uma efetivação vital do conhecimento, e tendo como base de projeto o seu pensar profundo, pode e deve ser muito bem encarada a partir de parâmetros totalmente outros, donde a história da filosofia ceda lugar ao filosofar sobre vida.

Muitos puristas do conhecimento virão isso como uma blasfêmia – o que não significa que teremos que deixar de falar sobre estas coisas, tão vitais ao nosso saber – o que, de certa forma, concordo com eles, embora minha concordância esteja muito mais vinculada a um estado posterior, ou seja, tem que se aprender a pensar – todos já sabem pensar, mas só demos conta disso a partir do momento em que nos sentimos assombrados por algum evento da natureza. Apenas quando não compreendemos certo evento natural (e nós também fazemos parte deste natural, aliás, dessa natureza), é que nos damos conta do quanto nosso saber pode dar saltos, e nossos pensamentos possam se elevar – para, posteriormente, saber lidar com obras tão fundamentais às nossas mais instigantes perguntas.

E a Tradição filosófica, ou mesmo a História da Filosofia, é basicamente isso: existe uma grandiosidade de saberes que poderiam nos ser próprios, desde que entremos em contato com estas obras.

Partindo deste posicionamento – e isso é algo totalmente político – é que gostaria de instrumentalizar o ser humano a partir de seu saber, sua sabedoria e seu conhecimento. Fazendo com que este ser que, por natureza, é um ser que pensa, e que aspira ao saber – dirá Aristóteles em sua Metafísica, bem no primeiro parágrafo – possa ter ciência dessa sua tão nobre valia, para com as possibilidades de se viver de forma gregária, sempre respeitando o outro, e ao saber do outro.

Pensar o ser humano como um ser que é integrado à natureza e a ela interdependente, é pensar este homem como produtor de conhecimento, e que faça dessa produção um meio de intervir em suas proximidades mais sociais e geográficas.

Como forma de ilustrar estas considerações, recorro-me a Nietzsche, talvez o filósofo que mais pensou a filosofia como instrumento de se afirmar a vida e, é claro, também suas vicissitudes: "O pensamento não é um meio de “conhecer”, mas de designar os fatos, de ordená-los, de fazê-los manuseáveis: isto é o que pensamos hoje acerca do pensamento; amanhã talvez pensemos diferente. De onde provém o sentimento de verdade? Em primeiro lugar: não tememos discrepar de nós mesmos; em segundo lugar: aumenta nosso sentimento de força, também contra nós mesmos."

E a força que aqui Nietzsche faz menção seria justamente a força da vida e, além disso, pensar esta força da vida, junto com o conhecimento, de fato, uma afirmação da vida em abundância. E apenas somos abundantes em nossa vida a partir do momento em que a colocamos em efetiva existência; e por efetiva existência devemos entendê-la como plena de significados, realizações e em constante reflexão sobre todos os eventos que dela compartilhamos, ou seja, devemos pensá-la dentro de nossos mais íntimos pensamentos e, o que é mais importante, pensamentos que gerem frutos: nem que estes frutos seja uma outro pensamento, um outro saber.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Crônicas de Embriaguez


Sempre que bebemos um bocado em demasia (parecem contraditórias estas duas palavras, no entanto, apenas bebemos, ao menos alguns, para contrariar a razão e mostrar o quanto ela é falha e falsa), aparece-nos algumas visões. Algumas jamais pensadas antes, até visionárias, outras apenas um repisar de dores antigas, outras ainda, quaisquer coisas sem pé nem cabeça, mas com corpo (... corpo de texto). O que segue adiante é um bocado disso, agora resta saber em qual categoria podemos encaixá-la.

Disseram certa vez que o conhecimento precisava ser pensado e, logo em seguida, conhecido. Até dá para concordar com isso, mas aí a contradição deixa de ser matéria.

Quando colocamos estes dois gumes numa bandeja; ou prato, vai saber qual é a idéia representada (aliás, duas... dois), sobre uma balança, o pensamento acaba pesando mais, o que não significa que o conhecimento ficara para trás. Pensamento e conhecimento, por diversos motivos, podem muito bem ser encontrados em bandas opostas, aliás, em margens opostas de um mesmo rio.

A partir do momento em que os números dizem mais do que valem - e isso não diz respeito apenas a alguma partida de futebol, mas também à partida de uma vida, rumando para outro caminho -, automaticamente, estes números valem menos do que dizem.

Se agir é estar consciente de que estas facetas virão a acontecer, sinceramente, prefiro que a ação fique num segundo plano, e que os números digam ainda menos do que eles são, e do que eles se mostraram, consolidando os dados de nossos milênios (talvez cinco, três ou dois, depende do historiador ou arqueólogo que inquire suas fontes)... milênios de escritas torpes e pensamentos vagos!

Prefiro pensar que meu pensamento se encontra além da razão, e que meu conhecimento seja tão torpe e vago como o foi a história da escrita em vários de seus momentos.

Agir, nem sempre, é o reflexo de um pensamento puro... pode ser também o reflexo de uma vaguidão de conhecimento... um vazio que só o notamos quando sobre ele nos colocamos a pensar.

E o quê fazer das ações?

Que fiquem 0 a 0!

domingo, 15 de junho de 2008

Aforismos - Anarquia e Política

I - A condição de possibilidade do anarquismo não é a classe operária, é a marginalidade, a desterritorialização, o desterro dos imigrantes (nômades). A política exígua, liberal-democrática-estatista, do liberalismo excludente impõe a dominação e acarreta a indignação, bem aproveitada pelos anarquistas e canalizada na estratégia da ação direta, que procura na guerra política direcionar os anseios, impulsos e desejos através da ação direta/autônoma dos próprios interessados. Forma-se ora como resistência camuflada, como suporte para dor, ora como ataques: greves, boicotes, sabotagens, ocupações de propriedades, atentados, etc.. Cria sociedades secretas e não-secretas, bases populares de novos hábitos culturais e educacionais, organizado pela ação autônoma possível.


II - O anarquismo, termo utilizado para designar parte do movimento operário socialista que era contra o parlamentarismo, em verdade, é um constructo histórico a posteriori. A unidade que se buscou criar, com isso, é artificial, não representa uma proximidade com os fatos. Por outro lado, se o termo unifica infinitas diferenças, em grande parte, indesejáveis e inaceitáveis, o que o sustenta, seu suporte verossímil é a ação direta, é esta prática que nos permite hoje, falar em anarquistas e sermos mais ou menos entendidos dentro do imaginário social e político que se criou desde então.


III - Assim como o Estado só consegue alcançar um nível de governo totalitário e assombroso quando utiliza aparatos e mecanismos variados e imperceptíveis ao ponto de na sociedade de controle, a dominação constituir-se também uma autodominação, auto-limitação e auto-proibição dos corpos configurando-se como um biopoder. Numa sociedade regida pela autonomia dos produtores, pela autogestão e pela ação direta dos interessados procurando alcançar uma ampliação da igualdade individual, a relação de poderes tem que estar ao nível da ética e não da lei, mas com uma diferença fundamental, na sociedade de controle a ênfase é o controle mútuo de todos para todos, numa sociedade autônoma, a liberdade individual e a igualdade social por princípio são os parâmetros para as liberdades individuais dos outros, sob a garantia e para a garantia da igualdade social.

IV – A noção de política atrelada por um lado à idéia de polis e por outro à forma Estado não oferece nenhum método eficiente de inteligibilidade à ação direta. Mas, talvez ainda não devêssemos reivindicar à ação direta uma categoria de político mais ampla capaz de incluí-la, pois aí poderíamos criar uma distorção já que a ação direta é, sobretudo, um estar fora da política que combate numa guerra estranha essa mesma política. A ação direta é aquilo que a política jamais pode caracterizar, pois ela lhe escapa e qualquer recurso de identificação seria insuficiente. A ação direta é a autogestão em movimento, o exercício da autonomia, é a anarquia, o antigoverno, a antiautoridade... A ação direta, portanto, escapa à classificação da política. A ação direta é um mito que aponta rumo ao “para além” da política, aquilo que não se pode pensar na, pela ou com a política. A política é representação de desequilíbrios de poder, o poder anômalo que desrespeita o poder e a liberdade de cada um perante aos outros, a política é governo de uns (minoria dirigente) sobre outros (maioria dirigida), não importa se com o aval da maioria ou se num ato autoritário. Assim, política e autonomia são inconciliáveis e, por isso, a ação direta nos soa como uma estratégia, no mínimo interessante, quando não se abdica de sua relação íntima com a ética libertária, principalmente, aquela levada às últimas conseqüências pelo anarco-comunismo de Malatesta.


V - A instauração da guerra, embora, ela tenha sido engolida e controlada pela política, pelo Estado, ao se instituir como exército, o conceito de guerra, ainda assim, no mínimo nos possibilita a pensar o jogo político “para além” do político estabelecido. Tal conceito nos permite imaginar “um fora”, algo imponderável, algo imprevisível, aquilo que não reconhece leis ou regras prévias, pois estas serão definidas na própria guerra. A política delimita um campo de forças, mas a ação direta está fora dessa delimitação. Nessa linha de raciocínio, a definição de anarquia em Malatesta nos propõe uma nova visão acerca da organização social fora do parâmetro até então universal: o Estado e vai além, para infelicidade de seus detratores que quiseram lhe incutir um simplismo e uma ingenuidade política, ao admitir uma autoridade ou influência limitada pelo saber específico, ligando isto à sua concepção de igualdade libertária, que não só abrange a abolição da propriedade privada, mas também a abolição da divisão do trabalho primária entre trabalho intelectual e manual. Para o gênero de discurso utilizado predominantemente por Malatesta e a recepção a que visava, o seu anarquismo consegue ir muito longe na problematização da sociedade, seus argumentos são coroados não só pela coerência de princípios, mas pela maleabilidade às condições reais de luta: enquanto a possibilidade de revolução autônoma, isto é, pela ação direta dos verdadeiros interessados como os excluídos e explorados no mundo burguês ainda não for possível, há que se lutar por aquilo que está próximo ou resistir ao pior da melhor maneira possível, nem que isto signifique ser taxado de reformista.


VI - Para os anarquistas como Malatesta não basta fazer a revolução a qualquer preço, a violência se legitima quando em defesa dos excluídos, e se para a revolução ser possível, for preciso imposição de poder, a constituição de uma dominação interna no movimento e externa para o estabelecimento da nova vida (isso depois da revolução), já não existiria assim revolução social, pois para ele, não há revolução que não seja pelas ações do povo, enfim, não há revolução por representação, sem autonomia dos diretamente interessados, por isso, a ação direta é um conceito chave para se entender as práticas anarquistas. A ação direta é a condição de visibilidade ou de possibilidade de existência e afetação do que denominamos anarquistas, em outras palavras, seguindo a trilha de Foucault, a ação direta é a condição de possibilidade para se referir à anarquia e ao que denominamos anarquismo, seja no singular, o que é mais problemático, seja no plural, o que o é menos.



VII – A anarquia em tese não pode existir, pois não há vida social sem relações de poder, e o jogo de poder já tende a significar governo, embora, não necessariamente dominação. Mas a anarquia aponta para a possibilidade de relações de poder sem a perenidade e a fixidez necessárias à caracterização de um governo. Por outro lado, uma das bandeiras mais caras aos anarquistas é a autogestão, a autonomia de decisão dos interessados a cuidarem de seus interesses, livre de qualquer determinação ou imposição externas, desde que se respeite à ética libertária (que não é uma moral que paira sobre os homens, mas uma ética de princípios solidários, igualitários e libertários em constante construção e aprimoramento, pois o campo da ética não está livre das determinações sócio-econômicas e uma ética plenamente anarquista só seria possível em uma sociedade libertária, aqui e no tempo em que estamos só podemos imaginar como ela seria). A grande questão que se coloca ontem e hoje para os anarquistas é a de possibilidade de freiar os desequilíbrios do jogo de poderes nas relações sociais. Embora, anarquia seja um antigoverno, ou o projeto de uma sociedade sem governo, isto, até certo ponto, significa autogoverno de uma sociedade que se constrói autonomamente com a autogestão da produção industrial, simbólica... Pois ainda que o autogoverno seja um governo, ele o é de si próprio, com base, no caso dos anarco-comunistas, numa ética libertária solidária que se estabelece e procura ampliar o imaginário político para concepção de uma sociedade cada vez mais igualitária e livre. A autonomia refere-se a uma automodelagem dos indivíduos participativos dessa sociedade, mas os participantes não podem ser fixos e seus poderes devem ser auto-regulados tanto pelos que o praticam como pelos que o sofrem. A anarquia seria uma democracia direta, com base na autogestão da produção e/ou seja, a organização da sociedade autonomamente.


VIII - Quanto à exeqüibilidade ou não de tal projeto, a isto não nos cabe opinar nem emitir juízo, simplesmente pelo fato de que nada, ou seja, nem a mais confiável e exata das ciências pode provar/comprovar a impossibilidade de algo, o magma de significações em que vivemos não enxerga o horizonte do novo pelo simples fato de o novo, ser inédito e imponderável. A imaginação transcende as bases do agora, o futuro não está inteiro no presente e há um corte de fluxo temporal que nos impede de afirmar qualquer coisa que se queira para além do segundo em que vivemos e não podemos nem sequer ter a certeza de que no minuto seguinte ainda estaremos vivo. Mesmo no declínio do feudalismo, a idéia de uma sociedade regida pelo mercado e controlada pelos burgueses era impossível de se prever. No mundo feudal, uma revolução como a burguesa, uma mudança radical de parâmetros econômico, político e social não poderia ser em si mais do que um sonho que nem se podia sonhar, um desejo sem objeto, era o que era. Mas, com relação ao governo em uma sociedade anarquista, não poderia se instituir por meio de leis, se bem que não pudesse erigi-la sem regras. Mas estas estariam no nível da ética e tornar-se-iam política no exercício autônomo e auto-regulado delas. A anarquia seria uma sociedade regida pelo autogoverno e pela autonomia, pelo poder individual ou coletivo reconhecido reciprocamente pelos outros, que se legitimaria não pela obediência a uma autoridade, mas à livre aceitação do exercício de poderes em condições de igualdade social. A autoridade também não estaria fora dessa sociedade, mas se restringiria às habilidades específicas e aos conhecimentos que uns dominariam mais e melhor que outros, desde que reciprocamente reconhecidas... A existência de hierarquias pontuais jamais foi alvo das críticas libertárias mais lúcidas como as de Bakunin e as de Malatesta.


IX – A crítica às unidades definidas a priori e às identidades fixas, universais (indivíduo, por exemplo), é uma faca de dois gumes, todo o discurso tem por intento, unificar, agrupar, sintetizar idéias, hipóteses... Toda palavra é em si uma gaiola da ação, do trabalho, enfim, dos vários aspectos e diferentes momentos que ao serem apreendidos, são paralisados e a própria apreensão significa em maior ou menor grau a uma identificação, mesmo sendo identidades provisórias, o que descrevemos é o que conseguimos identificar como o que é, ou o quê imaginávamos ser.


X – Creio não fazer mais sentido falar em utopia, pois afinal o que esta palavra nos diz? Utopia é o que não pode ser? Mas que ciência e que alquimia pode me provar isso? E se utopia é o que ainda não foi, que certeza terei em acreditar que um dia ela será? Melhor, que ganho, eu teria em nomear uma esperança um projeto, um sonho de utopia? Por outro lado, o mito, um termo mais rico principalmente quando tem como função ampliar o campo político além do racional, da razão e mais quando nos faz perceber que entre razão e paixão existem misturas ou mesmo um fluxo intenso e confuso, muitas vezes indistinguível quando se quer separar uma e outra. De outro, quando o mito (Sorel) é trazido como uma força atuante no presente, que nos dá ânimo e nos motiva a ultrapassar os limites do tempo e do espaço a que chamamos presente, torna-se um instrumento e um objeto de análises imprescindíveis.


XI – O real é composto de razão e paixão, os mitos são como uma pré-realidade possível e em construção... Os mitos, mesmo os científicos, são moventes da ação. O domínio da ciência é um mito, a infalibilidade da ciência é um mito. Nessas afirmações sobressaem aspectos positivos e negativos. Passa-nos a idéia de que a ciência é falha, e a palavra mito nos possibilita a crítica ao que no caso seria uma enganação, uma inversão, enfim, uma mentira, digamos, ideológica?, algo que não se pode dar crédito, uma lenda, uma fábula; mas existe o outro lado, de que mesmo, no caso a ciência, sendo falha, a análise científica, isto é, o mito científico-iluminista nos motiva a achar que podemos entender o mundo para mudá-lo, e nisto reside a sua validade que propulsiona a ação. De nada adiantaria, nesse caso, dizer que é racional ou mitológico, pois o que importa é que é real, mesmo sendo simbólico, o mito age/interage efetivamente na sociedade.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Enquanto Isso, nas Minas Gerais...





Liberdade, ainda que tardia!

Oh Minas Gerais, quem te conhece não esquece jamais...


Em recente denúncia de um estudante de jornalismo, formado em 2006, de nome Marcelo Baêta, em seu trabalho de conclusão de curso (uma espécie de monografia-documentário) intitulado Liberdade, Essa Palavra, temos uma constatação um tanto quanto assustadora, além de desalentadora para os adeptos dos símbolos que aparecem no quotidiano, vinda dos ares altos e frescos das minas gerais e sua infinidade de montanhas, em especial à Serra do Curral... lugar de longa data, e história.

Exatamente vindo do Palácio da Liberdade, local-político que deveria fazer uma homenagem a Tiradentes e seu sonho de liberdade, 200 anos atrás, foi que se direcionou esta crítica, escancarando algumas entranhas difíceis de serem aceitas. Apontado por muitos como possível candidado de Lula para as eleições de 2010, e sempre inspirando ares de bom moço e bom administrador (não é à toa que recentemente ele divulgara um tal de déficit zero nas contas mineiras), uma notícia que pode jogar por terra tudo isso, apesar de sabermos que os ecos da Internet, nem sempre, dão resultados. Desde, é claro, que a media mineira a leve a sério - coisa que, pelo visto, não virá a acontecer.

Numa clara menção de falta de respeito, e de cerceamento ditatorial, nosso governador tem se metido nas redações de jornal e televisão (indiretamente, visto que, às claras isso não pode ser visto) e coordenando algumas demissões em massa. E, por mera coincidência, nos últimos anos a verba governamental, direcionada para os órgãos de imprensa, deu um salto fabuloso em seu valor; principalmente depois do anúncio do déficit zero.

Muitas teorias da conspiração rondam nosso país, em nossa imprensa virtual (principalmente), mas o mais interessante é que, quando a media internacional se envolve com o assunto, é sinal de que a coisa é séria. Resta saber se as coincidências da política descambariam para Minas, ainda mais agora que vemos PT e PSDB se unindo, ao menos em Belo Horizonte, para fazer um governo de coalizão, em nome do PSB (talvez preparando o terreno para 2010). E, o mais interessante é o fato de sempre aparecer alguma notícia cabeluda envolvendo medalhões... e nunca beirando a bela praça - ao menos - do Palácio da Liberdade na figura de seu bom moço; neto de Tancredo... praça linda, de nome Praça da Liberdade...

Quem diria, local onde a liberdade tem deixado de dar voltinhas... bela nota!!



http://www.youtube.com/watch?v=R4oKrj1R91g