sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

O Diário do Farol: A Face do Mal


Questão que perpassa conceitos de moralidade, ética e religião a dicotomia entre bem e mal é discussão de interesse milenar. Dos relatos bíblicos da queda de Satã e do livre arbítrio do homem, fábulas infantis, sabedoria do senso comum, às inúmeras obras artísticas e narrativas literárias, a discussão gira em torno da negatividade do mal e fator positivo do bem. Em uma perspectiva contrária, a personagem central de O Diário do Farol, de João Ubaldo Ribeiro, incita o leitor a uma reflexão sobre a essência humana no mal, motivo central desta edição.

A obra é narrada por uma personagem voluntariamente anônima que se denomina o faroleiro, e que, aos sessenta anos de idade, vive isolada em uma ilhota deserta, inóspita e de difícil acesso, se dedicando a registrar, em um relato em forma de diário, suas memórias de uma vida calcada na vingança, no ódio e na ambição.

Vítima da dor da perda da mãe, morta por seu pai, e da incessante violência paterna, física e psicológica, cresce com a determinação de vingar-se do pai assassino e de sua tia materna, irmã de sua mãe, parceira e cúmplice no crime, que passa a ser sua madrasta. Mostra-se com uma aptidão prazerosa em toda forma de vilania para atingir sua meta, desenvolvendo uma personalidade dissimulada e voltada para a farsa. Conta com o auxílio da sua mãe morta, que se mostra presente através de uma voz que acompanha e incentiva os atos do filho vingador: ... sou movido a escrever este relato, mais fortemente que pelos outros motivos, pela minha Vaidade em me considerar o pior dos seres humanos, o único, que eu saiba, que encarnou em si tudo o que lhe conveio, sem permitir que o filtro de qualquer valor erguesse impedimento. Veja bem, isso não me retira a solidão, antes a sublinha. Não fiz, nem de longe, tudo que de mau já se fez, mas teria feito, se houvesse oportunidade. Sou, portanto, para o espelho de minha absoluta Vaidade, o pior dos homens, o que cometeria o que de mais hediondo se pudesse conceber e chegou a uma quantidade difícil de igualar, não em número, mas em qualidade. Eu sou um grande mau, dir-se-ia (p. 23).

Batiza o farol em que vive com o irônico nome de Lúcifer, o príncipe da luz, criado por Deus, que se revolta contra o Criador, formando um reino adverso. E intenta com seu relato (e a vaidade que o leva à escritura) incutir no leitor um incômodo, levando-o a entender sua própria solidão e loucura, condição, acredita ele, perene a todo e qualquer ser humano. Entende o homem como um ser solitário por nascimento, natureza, sentimento e vida, que teria uma curiosidade essencial sobre a confirmação secreta de sua sanidade. Os atos que aparentemente seriam mais repugnantes aos seus olhos e aos do mundo são interiormente praticados, encontrando na especulação da alma alheia o confronto com sua própria natureza de assassinos, invejosos, devassos, traidores, egoístas, mentirosos, pusilânimes, canalhas, mesquinhos, hipócritas, adúlteros, santos neuróticos, antropófagos, parricidas, matricidas, infanticidas, estupradores, todos, todos, todos os que estão dentro dele mesmo (p. 18).

Esse lado mau que cada homem traz dentro de si, e por condições externas impostas pela educação e convívio social, mantém reprimido, ganha um contorno fantástico na história do visconde Medardo di Terralba, em O Visconde Partido ao Meio, de Ítalo Calvino. Em certa guerra contra os turcos, nas planícies da Boêmia, o visconde é atingido por uma bala de canhão que o corta em dois no sentido longitudinal. A parte direita se mantém intacta, perfeitamente conservada, exceto pela enorme rasgadura que a separara da parte esquerda estraçalhada – esta, dada como inválida. É socorrido, e, após uma incrível intervenção cirúrgica, resiste, vivo e partido ao meio. Os habitantes de Terralba – após o retorno de Medardo à terra natal – logo perceberiam que não era só a aparência do mestre que havia mudado. De aspecto sombrio e taciturno, dedica-se a praticar pequenas maldades e, após a morte do pai, que morre em uma espécie de entrega desgostosa, Medardo assume o viscondado e inicia uma série de maldades pela região. Condenava culpados e inocentes à forca, incendiava bosques inteiros, vitimando pobres camponeses, e até mesmo o próprio castelo com sua ama dentro – ela que outrora lhe substituira a demanda de afeto causada pela ausência materna.

No entanto, a sua metade dada por perdida sobrevivera e volta em uma espécie de antípoda, sendo toda ela boas ações. Em um comportamento maniqueísta, o Mesquinho e o Bom seguem vidas de atos divergentes – um destrói e o outro repara – até o confronto final, no qual, bem e mal, tentando sobrepujarem-se, terminam por destruírem-se mutuamente. Após uma elaborada cirurgia, o visconde tem suas partes restauradas e reunificadas: Assim, meu tio Medardo voltou a ser um homem inteiro, nem mau nem bom, uma mistura de maldade e bondade, isto é, aparentemente igual ao que era antes de se partir ao meio. Mas tinha a experiência de uma e de outra metade refundidas, por isso devia ser bem sábio (p. 11).

Essa caricatura do uno que concentra em si virtude e vício, em medidas exatas e conflitantes, ilustra nitidamente o pensamento maniqueísta. O Maniqueísmo foi fundado na Pérsia, no século III, por Mani, também conhecido por Maniqueu, e tem como principal fundamento o dualismo absoluto. Defende que o universo está, assim, dividido em dois princípios básicos e absolutos: Luz e Trevas, ou Bem e Mal, tendo cada qual um reino próprio, que são distintos e separados entre si. O reino da luz é a manifestação do bem e do espírito; o das trevas, morada da matéria e lugar próprio de todo mal. A doutrina maniqueísta pregava um perene exercício de purificação que consistia em uma constante discriminação do bem e do mal, visando, através de uma conduta de vida reta e obediente aos preceitos maniqueus, libertar as partículas de luz aprisionadas na matéria, permitindo seu retorno ao reino da luz e, dessa forma, facilitando e apressando a separação definitiva entre bem e mal. Não podendo ser definitivamente destruído, já que é um princípio da realidade, o mal deve ser relegado ao mundo interior, o reino das trevas. Essa seria, então, a vitória maior que o bem pode almejar.

O principal nome ligado ao maniqueísmo foi o de Santo Agostinho, que durante um tempo foi um adepto de seus preceitos e, depois, um de seus mais ferrenhos detratores.

Nascido em Tagaste, província de Numídia, atual Argélia, filho de pai pagão e mãe cristã, viaja a Cártago para aprimoramento dos estudos. Lá se desvia moralmente e leva uma vida licenciosa, repleta de prazeres, principalmente sexuais. Converte-se ao cristianismo aos vinte e dois anos, vindo a tornar-se bispo em Hipona. Agostinho influenciou toda a Idade Média e fez parte do que os historiadores da Filosofia denominaram de Patrística, a filosofia dos padres da igreja. É, na realidade, uma apologia que sintetiza a filosofia grega clássica com a religião cristã. Suas experiências no campo dos estudos filosóficas foram intensas – além de seu contato com a experiência maniqueísta antes da adentrada ao mundo cristão. A questão do bem e do mal sempre foi uma preocupação em suas reflexões. Na obra Confissões, uma biografia em que contrasta sua vida de pecador com a graça divina, mas atento às preocupações filosóficas, a busca do entendimento da origem do mal é uma constante para o bispo de Hipona.

Francisco Renato de Souza
Colaborador


quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Escritos e Reflexões Sobre Arte... e Vida


Parte II

A ambivalência que mostramos diante da liberdade, principalmente quando o que está em jogo é o discurso da coletividade, por vários vieses, diz muito do que, num dado momento, nossa condição humana está expondo, ou mesmo, o que somos perante esta coletividade, indiferente de a levarmos como amarra de existência ou não.

Dessa forma, e com a colaboração de Contardo Calligaris, em artigo do Folha de São Paulo de 13/12, podemos endereçar a esse outro [que tenha valor de exemplo para nós] pedidos de ajuda e até de adoção, mas também queremos derrubá-lo. Por quê? Porque a sedução que o exemplo exerce sobre nós é vivida como uma violência que nos incita a "trair" nosso jeito habitual de ser, nossa inércia. De fato, odiamos, no exemplo, nossa própria vontade de igualá-lo. E nada como pensar o quanto a coletividade pode nos manter, enclausurando desejos e vontades, nesta habitual inércia, especialmente quando temos no outro - leia-se, no coletivo - exemplo de valores e conduta.

Pode parecer que não, mas, ao viver no coletivo, apesar de sabermos sua importância, o que mais nos interessa é mudá-lo - derrubá-lo talvez não, imagino que, dessa queda, algo ainda pior pode vir, mesmo porque estamos lidando com homens, e que têm desejos e vontades distintos; além de muitas ambições -, daí a grande preocupação em fazer com que nossa liberdade (apesar de não ser tudo o quê queremos), e em especial, nossa individualidade, possam exercer certo poderio nessa possível guinada. Todavia, aí temos um outro problema: este poderio, da forma como o exerceremos, não seria também uma nova coletividade direcionada?

Caindo então no teor da arte... como poderíamos usar metodologia tão revolucionária - até quando está entremeada de conservadorismo - para, ao menos, minimizar os males deste coletivo, e até da individualidade exacerbada de nossa liberdade? Mudando de nome, várias vezes ao longo da vida? Talvez esta última uma resposta, se não, pelo menos uma reflexão.

Afirmar a autoria como individualidade irredutível, por mais que pareça uma solução, se bem pensada, e direcionada, imagino que acaba se tornando, de fato, essa solução. Entretando, cairemos na mesma discussão do coletivo, e como os micropoderes deste coletivo podem estar muito bem amarrados, a ponto de nos colocar, de novo, em nossa individualidade, e involucrada na mesma... como acontece com muitos artistas ao longo de suas vidas.

Um outro perigo seria o fato de até mesmo a individualidade irredutível estar maquiada, sem o saber, sobre regras gerais e exteriores; assentada num pertencimento assaz discutível. É nesse momento que Henri Matisse entra com uma reflexão, de uma perspicácia fenomenal, em livro publicado recentemente pela Cosac Naify, chamado Matisse - Escritos e Reflexões Sobre Arte: É por isso [referindo-se ao fato de alguns artistas, sem o saber, estarem presos às regras de seu coletivo] que a criação, para o artista, começa pela visão. Ver já é uma operação criativa e que exige esforço. Tudo o que vemos na vida corrente sofre maior ou menor deformação gerada pelos hábitos adquiridos, e esse fato talvez seja mais sensível numa época como a nossa, em que o cinema, a publicidade e as grandes lojas nos impõem diariamente um fluxo de imagens prontas, que, em certa medida, são para a visão aquilo que o preconceito é para a inteligência. O esforço necessário para se libertar dela exige uma espécie de coragem; e essa coragem é indispensável ao artista, que deve ver a vida toda como quando era criança. E, mais que isso, ver a vida com um novo olhar: um olhar que, além de infantil, seja também coberto de esquecimento (como aqui exposto em posts anteriores).

Bernardo Carvalho, ao comentar referido livro, em artigo do dia 18/12 da mesma Folha, nos dirá: Se, para pintar uma rosa, é preciso "esquecer todas as rosas pintadas", e se "é preciso resistir sempre, custe o que custar", também se faz necessário entender que as circunstâncias mudam e com elas as características daquilo a que se deve resistir em nome da verdade da criação. E indo mais além, em nome também da verdade da vida. Pois, tão-somente a partir desta verdade é que poderemos usar de nossa liberdade, e individualidade, de uma maneira tal que nem o coletivo, com sua microfísica de poder, consiga nos açambarcar... estamos dentro sim, mas temos todo o direito de colocar nossa ousadia em nome de nossa liberdade e individualidade - e isso pode nos colocar de fora também... por quê não? -; e de nosso esquecimento, em nome de nossa sanidade intelectual e autônoma.

É preciso ter coragem para acreditar em nosso caminho, enquanto todos os demais seguem por um outro mais cômodo e coletivo. Assim podemos evitar a inércia que corrói nosso coração de ressentimento, dando-nos motivo para odiar o outro... não cabe aqui odiar, mas amar a vida de uma tal maneira que ela possa ser, realmente, nossa... independente do que o outro tem, e que muito poderia me incomodar.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Seção - Filosofia de Boteco: Dioniso Sóbrio XIV


Aforismos: Por Liberdade...

Por liberdade, pensando na multiplicidade que o mundo vem a nos oferecer, posso entender como uma necessidade, ou ainda, como um desejo de algo que é incompatível com nossa situação gregária. Pois, da coletividade é que me faço enquanto ser-vivente e, de uma forma mais tímida, também homem-livre - apesar de saber que não sou tão livre, da forma como o termo assim se me exige -, assim, nesta feitura de gente, viro gentes, viro povo... torno-me sociável. O homem social tem muito disso: uma liberdade que o obriga a não ser livre, embora saiba que seus direitos (ao menos alguns) ali estão constituídos... e nem sempre respeitados, como sabemos bem. Isso são artimanhas da manutenção de uma sociedade democrática e a tipificação de um grupo, por ela - mas primeiro por homens - idealizada. São coisas de Governo Representativo, como assim deveria ser o Brasil. Afirmação que me remete à Jonh Stuart Mill em seu livro O Governo Representativo, ainda em seu prefácio: Quando tantas pessoas obscuramente sentem a falta de tal doutrina [seria tal doutrina aquela advinda do Estado, figurado na noção de Governo, ou da Representatividade?] e somente alguns têm coragem de assumir o que obtiveram, qualquer um pode sem presunção sobre seus próprios pensamentos e com o melhor que conhecem dos pensamentos de outros, ser capaz de contribuir para a formação de tal doutrina, criando, em seu aparato de ser-em-representação, um ser-em-liberdade, visto que são pensamentos que se sustentam e se justificam num todo o qual nem sempre é somente-seu, ou compartilhado por saberes somente-seus. Pois bem, a falta de uma doutrina, tão importante e eficaz como essa, não seria uma possibilidade de uma vida em vontade? Aliás, não em vontade, mas em desejo possível? Ainda mais quando sabemos que a possibilidade de concussão de nossos desejos só se dá em coletivo, um coletivo que reforça nossa individualidade, enquanto ser desejante, e detentor de pensamentos próprios (serão nossos pensamentos tão próprios assim?). Perdendo-se no coletivo, como dirá o filósofo-professor-blogueiro Walmir, pode também se isolar na sua individualidade... dualidade assaz interessante para uma sociedade que até há muito pouco tempo, não aceitava sequer a contradição. Coisas de racionalistas modernos... Resta saber se a coletividade a qual estamos, às vezes perdidos, outras achados, dá margem para que um Governo Representativo se faça em conluio com nossa harmonia - em desarmonia. Em outro momento, Stuart Mill é ainda mais instigativo, quando dessas nossas faculdades humanas, que nos permitem construir governos representativos: As formas de governo são incorporadas a qualquer outro recurso para obter os objetivos humanos. Tais formas são consideradas no todo como um assunto de invenção e artimanha. Uma vez que elas são feitas pelo homem, assume-se que esse homem tem o direito de escolher fazê-las ou não, assim como de escolher de que modo e padrão elas serão feitas. Longe de afirmar se Stuart Mill dá sua razão ou uma opinião, o que mais chama a atenção é o fato de ele colocar o homem no centro desta doutrina de Governo Representativo, quando sabemos que, para além disso, e pensando em Michel Foucault em seu Microfísica do Poder: o poder que é visto a partir da representatividade, e que, em teoria adviu dos homens, nada mais é que a afirmação de uma mão invisível, onde um pólo de poder, tão invisível quanto, acaba por determinar as características de tal governo. Baseado nisso, penso o quanto a questão da liberdade pode estar próxima de referida construção... apenas uma reflexão!

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Escritos e Reflexões Sobre Arte... e Vida

Parte I


Em obra publicada pela Cosac Naify, intitulada Matisse - Escritos e Reflexões Sobre Arte, algumas facetas do grande mestre da pintura nos deixa, no mínimo, um pouco meditabundos acerca da condição humana, em especial quando o que está em jogo seria a normatividade de uma vida gregária e, quiçá, de uma vida gregária em arte - dizem que os artistas, de verdade, são sempre homens transgressores, mesmo quando estão afirmando o statu quo... fica aí a reflexão, para quem quiser adotá-la, é claro -, além de uma feliz discussão de situações outrora forjadas, como de plena liberdade.

Uma de suas afirmações é a seguinte: As regras não existem fora dos indivíduos; caso contrário, qualquer professor seria tão genial quanto Racine, por outro lado, tenta calcar suas reflexões em regras de um ideal "coletivo", no qual sua individualidade se dá no relato e na reflexão das obras de outros autores, daí a a afirmação da autoria como individualidade irredutível, trazendo também uma profunda queixa de como se tentou pensar, por individualidade, como constructo coletivo. Outra frase que nos coloca frente a frente com essa assertiva é: Durante toda a minha vida, me senti acuado porque não pintava como os outros. Nada como a sinceridade de um pintor que, vendo os outros, conseguiu afirmar, ainda mais, sua individualidade, bem como propôr regras coletivas à anseios individuais, tentando repensar até mesmo o forjamento de certos conceitos.

Reflexões como essas podem nos dizer muito de nós mesmos, e de nossa condição humana, em especial quando nossa vida tenta se pautar em certas regras, nem sempre tão normatizadas assim, ou mesmo, regras individuais, responsáveis por nos fazer indivíduos em coletividade. Essa constante luta entre nós-mesmos e o que poderiamos-ser, decerto, diz muito da sociedade em que estamos inseridos, e que nos constituiu, e como ela conduz suas normas e necessidades. E por necessidades, diria necessidades de afirmação gregária e social... não podemos nos esquecer que somos indvíduos em coletivo... e ainda, o coletivo tem muito dos indivíduos, principalmente quando de suas normatizações.

Muito sobre como se comporta a arte contemporânea pode nos dizer caminhos e anseios..., e isso fica bem expresso no ensaio de Bernardo Carvalho (donde tiro as citações de Henri Matisse), de nome O Novo Academicismo, publicado na Folha de São Paulo de 18/12: A arte contemporânea, em compensação [comparando-a com a arte moderna], parece cada vez mais uma "arte de professores", o que explica que muitos dos seus ideólogos volta e meia tentem derrubar o princípio de irredutibilidade individual da arte moderna em nome de um ideal oportunista de "coletivo", munidos de argumentos contraditórios, que correspondem tanto a uma equivocada reação política (o indivíduo seria uma invenção da burguesia, assim como a idéia de autoria individual) como às determinações da hora (a serviço do mercado, dão declarações tão contestáveis quanto a de que a pintura morreu ou ressuscitou, segundo tendências da moda). Pois bem, o que se nota é a invenção de uma condição burguesa (o individualismo) para forçar a coletividade de determinado sistema.

E quando a coletividade se utiliza de argumentos assim, penso que a condição humana já se deixou levar por tal referendo, deixando de ser, de fato, condição humana, plena de liberdade e numa incessante busca de afirmação de algo que ainda-não-é. Criou-se um algo que poderia-ter-sido apenas por meio de referida significação de códigos. Ou seja, o que tínhamos de mais nosso - que seria essa busca - já nos foi dado.

Nada como, provisoriamente, concluir com algumas considerações de Matisse, e que poderão nos levar a novas reflexões mui em breve: Um artista nunca deve ser: prisioneiro de si mesmo, prisioneiro de um estilo, prisioneiro de uma reputação, prisioneiro de sucesso, etc.. Não escreveram os Goncourt que os artistas japoneses da grande época mudavam de nome várias vezes ao longo da vida? Isso me agrada: eles queriam preservar a liberdade. Como, então, poderei preservar a liberdade, num ambiente em que, por si só, já se fez livre (do seu modo, é claro) para mim? Liberdade é também poder escolher que liberdade seguir: isso faz parte da verdadeira condição humana... nem que eu tenha que trocar de nome, várias vezes, ao longo de minha vida.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Nalgum Lugar de Sampa!


Em artigo publicado na Folha de São Paulo de 17/12, intitulado Demônio ex-Machina, uma constatação surpreende a alguns e a outros (principalmente para aqueles que sentem na pele - e no trânsito - referida constatação), apenas confirma o grande mal da atual geração, principalmente, habitantes de grandes cidades em países em desenvolvimento, como o Brasil. E, automaticamente, o grande mal de nossa possível condição humana - se é que alguma vez paramos para pensar a respeito. Estima-se que, entre as horas de rush, os motoristas de São Paulo, além de conseguirem empreender em seus veículos apenas 15 km por hora, ao voltar para casa, ainda estão totalmente expostos a estresse e assaltos, ou mesmo, violências no trânsito.

Um exemplo ainda mais interessante é o fato de, caso tenham ido para o trabalho de bicicleta, ou metrô - principalmente bicicleta - conseguiriam empreender uma velocidade maior em seu trajeto, chegando em casa, cada vez mais cedo, podendo usufruir de direitos básicos. E o que é ainda pior: conforme estatísticas, contando os 5,7 milhões de automóveis em circulação, todos os dias, temos uma média de 1 carro para cada 1,92 habitantes... existem mais máquinas que gente, ainda mais quando colocamos em jogo também as motocicletas.

Uma democracia em desenvolvimento, ao incluir, acaba deixando as pessoas cada vez mais excluídas, isso se levarmos em conta o artigo da Constituição Brasileira que se refere à liberdade de ir e vir... não é estranho, quanto mais incluídos no modelo de consumismo, impetrado por nosso atual direcionamento econômico-ideológico, ainda mais excluídos no que se refere sua liberdade?!

Reflexões que nos fazem pensar a importância que hoje é dada ao ser humano... ao homem e suas vontades ou valores, responsáveis por dar-lhe condição de existência. Valoriza-se por demais aquilo que, ao invés de libertar, apenas nos prende.

Quando damos conta do quanto somos livres - para consumir, principalmente -, mais escravos nos tornamos. Já dizia Chaplin em seu discurso n'O Grande Ditador, não sois máquina; homem é que sois... será que conseguimos entender o grau de importância e de aprofundamento desta mensagem? Ainda mais quando o que está em jogo é o futuro do planeta e nossa boa convivência com o mesmo?

De que adianta se preocupar com o Protocolo de Quioto, com o derretimento das calotas polares e o aquecimento global, se não sabemos nem mesmo o que nos apetece, e ainda, o que nos dá liberdade? Não sabemos mais nem quem somos, ou para que serve nossa consciência e, por conseguinte, nossa visão profunda do mundo... aliás, nem visão e/ou consciência temos tido mais...

Pobre raça humana, quanto mais evolui, mais profundamente se afunda em seus erros!

Seção - Filosofia de Boteco: Dioniso Sóbrio XIII


Aforismos: Silêncio

Pode uma sociedade democrática se eximir de suas responsabilidades, mesmo sabendo que referida exceção, quando compartilhada, acaba colocando em lados opostos, distintos anseios? Não teria ela, pois, o papel de fazer com que tais anseios, não-importando o quão divergentes sejam, se tornem convergência em maioria? Pois bem, belo intróito, todavia, apesar de estarmos diante de uma realidade assim, o que se nota, principalmente quando a questão democrática sai do âmbito da política e abarca o âmbito intelectual-ideológico, é que a divergência, e tão-somente ela, seria a única responsável por fazer valer sua máxima. Dessa feita, onde há convergência, imagina-se, a coisa sai do âmbito intelectual e cai no ideológico. Imagino que ao longo da história da humanidade esta realidade aconteceu de uma maneira assaz desmedida. Importando aqui, pois, compreender o quanto realidades históricas como essas ainda perduram, não permitindo que a divergência se mostre de maneira patente, penso que, ainda precisamos aprender muito acerca do silêncio e da divergência, em especial quando o que está em jogo são direitos e condições mínimas de um ser humano poder compartilhar e, com isso, se inserir de forma plena nesta tal democracia. Em situações em que o silêncio não é uma escolha, mas uma medida de sobrevivência é que conseguimos compreender o quão a divergência tende a ser importante para o estado democrático - e aqui retiro a política do foco e coloco a consciência no lugar. Silêncio não significa falta do que falar, mas muito a se falar, porém, em território minado. Não sabemos até que ponto nossa democracia aceita este tipo de divergência - a divergência da consciência. Que a plenitude do intelecto também possa ser compartilhada pelo silêncio e pela divergência... é dos contrários, e para os contrários, que o Tempo se mostra em sua plenitude, consolidando saberes. Numa sociedade com tanta informação - democrática - como é a nossa, nunca o silêncio nos foi tão importante.

sábado, 15 de dezembro de 2007

Seção D'Outro


Deus Existe?
Walmir Carvalho - amigo blogueiro

Escaramuças acirram discussões entre os criacionistas e os evolucionistas. Meu amigo blogueiro, Mino Carta, andou escrevendo sobre o tendepá.

Pensei, vou dar uns palpites.

Olhei no Gênesis bíblico, capítulo I: A terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo... O que me chama atenção é havia trevas sobre a face do abismo, quer dizer, não havia é nada. Um abismo em trevas não dá pra ser visto, é ou não é? Mas aí segue: Disse Deus: haja luz. E houve luz.

Seria o chamado Big Bang?

Os cientistas George Gamow, Robert Hermann e Ralph Alpher concluíram que, no início, ou seja, antes de haver universo, as galáxias estavam tão próximas que ocupavam todas o mesmo espaço – vai se entender uma miséria destas – a temperatura e densidade eram muito elevadas, e como se sabe que a tendência de tudo que é muito quente e muito e denso é de se esfriar e expandir, eles acreditaram que foi isso que sucedeu, que tudo se esfriou causando a explosão.
Bang.

Então tá. Continua o Gênesis: Deus viu que a luz era boa; e fez separação entre a luz e as trevas.

E os cientistas dizem: Na medida em que o tempo foi passando, aquela matéria explodida foi se distanciando, se resfriando e se agrupando, dando origem aos planetas estrelas e galáxias. Ficando distantes umas das outras devia ter uns lugares iluminados e outros trevosos, rapaz. Eu acho.

A Bíblia diz que isso tudo aconteceu no primeiro dia e muito crente afirma, confirma e bate o pé. Bobagem. Mas um poeta ou um cientista pode pensar dia como etapa. Poeta então pode qualquer coisa.

Aí a Bíblia dá seus pulos, fala das águas, do firmamento, da separação entre firmamento e água, que um estava em cima e outro em baixo, de manhã e tarde, essas coisas mais corriqueiras que aconteceram no segundo dia. Com um certo esforço poético, podemos pensar que aí está descrito o surgimento dos planetas de acordo com seus afastamentos e agrupamentos. Podemos, não podemos?

Deus, que nessa época andava muito bem disposto ao trabalho, disse: Ajuntem-se num só lugar as águas que estão debaixo do céu e apareça o elemento seco. E assim foi. Deu os nomes de terra e mar para os ajuntamentos e ficou satisfeito. Ficou mesmo, está lá no Gênesis. Ele sempre aprovou sua própria criação, viu que era boa. Só muito tempo depois deu de ficar chateado com algumas, afogou, queimou, virou-as em sal, mas no todo ficava satisfeito.

Mais um esforço poético científico e podemos ver que os planetas – a terra em especial – começavam a ter uma cara desmisturada.

Apreciando aquilo o Supremo disse – disse porque gostava de falar sozinho, nem precisava, mas era o modo d’Ele e não critico, pois minha mulher também fala sozinha – Produza a terra relva, ervas que dêem semente, e árvores frutíferas...

Se o planeta já estava desmisturado, podia receber vida, claro.

Mas aqui tem uma complicação: Deus só criou o sol e a lua depois de plantar a grama e as árvores frutíferas. Como é que planta nasce sem sol? Não nasce. Minha opinião é que foi erro de quem escreveu. Inverteu o terceiro com o quarto dia. Acontece.

Depois ele – o narrador – acertou, pois já com o sol e a lua Deus ordenou: Produzam as águas cardumes de seres viventes; e voem as aves acima da terra no firmamento do céu... Criou... todos os seres viventes que se arrastavam, os quais as águas produziram abundantemente... E viu Deus que isso era bom.

Rapaz, isto foi no quinto dia que nós, cientistas e poetas, podemos chamar de épocas.

Assim: o planeta melhorado, as plantas, a bicharada das águas.

Faltava o quê? Animais terrestres. Produza a terra seres viventes segundo as suas espécies: animais domésticos, répteis, e animais selvagens segundo as suas espécies. E assim foi. Tudo no bla-bla-bla, que a palavra é criadora ainda hoje. E por último: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; homem e mulher os criou.

É desse jeito, bem parecido, que os cientistas acham que foi: Átomo primordial, Big Bang, Separação e distanciamento, condições de vida geradas pelos corpos celestes em suas fúrias físicas, uns princípios de vida, evolução(?) até o top de linha, ecce homo.

A briga dos criacionistas com os evolucionistas está mesmo é no façamos o homem à nossa imagem e semelhança, pois se concordassem com Darwin, Deus seria mais parecido com um macaco, e eles não aceitam isso.

Se aceitassem teriam que admitir que Deus evoluiu também, o que seria impossível.

No mais é questã de opiniães.

Se Deus existe, coisa que não se pode provar, deve andar distribuindo por aí alguns pequenos benefícios e calamidades – pequenos na terra em relação ao universo – se não existe, coisa que também não se pode provar, os crentes têm boa imaginação.

Bom, pelo menos têm alguma imaginação.

Eu me mantenho agnóstico. E você?

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Seção - Filosofia de Boteco: Dioniso Sóbrio XII


Aforismos: Interpretação


Me llaman el desaparecido, que cuando llega ya se ha ido. Pois bem, o quê dizer de uma letra de música, quando essa música, por mais que coloquemos algum teor particularizado na mesma, transborda nosso limitado mundinho interpretativo e cai na boca de gentes, com informações as mais heterogêneas? O quê dizer, então, de um poema, uma prosa literária que, quando transbordada de lirismo de nossa pena, saindo deste grilhão, alavanca uma série de novas interpretações, nem sempre tão líricas assim? Ou ainda, o quê dizer de uma película que, ao questionarmos seu diretor sobre sua forte iniciativa política, ele vira para ti e diz: que nada, apenas homenageei uma antiga namorada!? Estranho tantas informações sobre o prisma de uma construção simbólica qualquer, como esta do desaparecimento a lá Manu Chao (cantor franco-espanhol que acaba de lançar seu mais novo álbum - La Radiolina - em São Paulo) e que nos brinda com a seguinte assertiva, ao se referir às várias traduções que suas letras despertam: (...) não me importo com as leituras e interpretações que estão além do que escrevi. Isso é o bonito de fazer música. Saber que as pessoas entendem outras coisas a partir de suas idéias. Ainda mais quando o que está em jogo são os significados decorrentes de cada construção imaginária, donde qualquer obra de arte faz eco. Este eco, por mais que o pensemos como tão-somente nosso, nos esquecemos que qualquer um pode entender o quê quiser de uma certa informação, pois sua vida foi diferente daquela vivida pelo produtor da obra de arte. Como também, suas significações - e construções - de mundo são diferentes, seu universo é distinto e, principalmente, sua tipificação identitária lhe é muito peculiar; e a seu grupo social também. Por mais que uma letra de música, uma película, um poema, ou ainda, uma pintura - esquecida no tempo, e rememorada por algum merchant - pareçam com a cara de seu dono, sua flexibilidade, devido aos vários olhares que por ali debruçaram suas lágrimas, faz com que uma cara de outrora se metamorfoseie numa cara de agora. Este é o segredo da humanidade saudável: saber ler sua vida numa obra de arte que não pertence a seu universo... ao menos, não num primeiro momento.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Exclusão Social - Uma Reflexão!


A exclusão surge quando tomamos consciência do eu

Pode-se dizer que a exclusão social passa a existir quando o homem se põe a viver em grupo. A partir do momento em que há a montagem de uma célula social há a diferenciação. O primeiro sintoma da exclusão social é a diferença; apenas nos socializamos quando escolhemos um grupo. O próprio ato de escolha já é um arquétipo de exclusão social, pois é aí que tipificamos nossos hábitos.

Para se escolher participar de um grupo social, automaticamente, levantamos algumas características em comum, do outro para conosco. Caso não consigamos fazer este levantamento, o outro torna-se, de fato, um outro-do-lado-de-fora de nosso grupo escolhido. Todo aquele que foge a essa escolha, consequentemente, está fora de nossos tipos ideais. A tendência de buscar tipos ideiais é o primeiro sintoma de nossa exclusão social, ainda no seio de nossos grupos de diferenciação - ainda mais quando sabemos que o tipo ideal nada mais é que, uma ilusão daquilo que não podemos ter, sem jamais atingirmos.

Um indivíduo que não faz parte daquilo que considero ideal é um indivíduo que não reconheço; assim se dá o discurso dos grupos que, de forma automática, acabam criando seus tipos de gregariedade, bem como seus tipos ideais.

Assim, a exclusão pode vir a partir das idéias distintas, de hábitos distintos e de modos (sejam eles da vestimenta, sejam da materialização de nossa individualidade), também, distintos. A escolha e, por conseguinte, a personificação de nossos gostos, é o primeiro passo para que excluamos o diferente. Há que se pensar numa solução?

Imagino que sim, todavia, só acontece quando reconhecemos a alteridade do outro. Reconhecer esta alteridade é ter em mente que o outro é diferente, embora participe de nosso (mesmo) grupo social.

Enfim, e não por fim, quando dizerem por aí que é o sistema e a sociedade que excluem... bem: em partes sim, só não não podemos esquecer que fazemos parte dessa sociedade, por isso, nela nos inspiramos para nossas ações e gestos. Ou seja, ela é o reflexo do que, interiormente, somos - ou do que queremos ser, como acontece em muitos casos.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Seção D'Outro


Não incorrer em anacronismo foi êxito do historiador Caio Prado Jr.
Por Carolina Justo

Entender o sentido da colonização brasileira é o grande tributo intelectual para a história do país creditado a Caio Prado Jr.. Mas esta não foi sua única contribuição. Ele tinha sensibilidade para o problema do anacronismo, destaca o historiador Fernando Novaes, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade de São Paulo (USP). Caio Prado Jr. não caiu no pecado de, anacronicamente, partir da história de Portugal para explicar a história do Brasil, como se fosse mera extensão dela.

A história da colonização é a história de Portugal e a pré-história do Brasil ao mesmo tempo. E o problema está no ‘ao mesmo tempo, afirma Novaes. É verdade que a colônia brasileira foi parte da metrópole portuguesa – e é como os portugueses tendem a vê-la –, destaca Novaes, mas, contra-argumenta ele, para se tornar nação precisou se rebelar contra a metrópole; precisou negar a metrópole. Novaes fez essa análise na conferência de abertura de um seminário em homenagem aos 100 anos de Caio Prado Jr. O seminário aconteceu em outubro no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, e foi organizado pelo Centro de Estudos Brasileiros (CEB).

Crítico de uma nova geração de historiadores que costumam utilizar de modo descuidado conceitos criados contemporaneamente para narrar o passado – e com isso incorrer em anacronismo –, Fernando Novaes enunciou análise inovadora sobre a obra de Caio Prado Jr.. Não incorrer em anacronismo teria sido um de seus grandes êxitos historiográficos.

O problema do anacronismo na história do Brasil, explica Novaes, começa na viagem de Cabral e na descoberta. O Brasil não estava encoberto, como é que foi descoberto?, pergunta ele em tom brincalhão e ao mesmo tempo provocativo. Para ele, a viagem e a descoberta não fazem parte da história do Brasil, mas da história de Portugal. O problema do anacronismo na história do Brasil, avalia ele, é que a ela foi incorporada a história de Portugal, e com isso foram acrescentados à nossa oito séculos de história.

Durante o seminário, foram expostas diversas fotos tiradas por Caio Prado Jr. e que fazem parte do acervo da biblioteca do IFCH. Cenas comuns do cotidiano brasileiro. Segundo as legendas, as visões do Brasil capturadas por Prado Jr. demonstram sua paixão pelo Brasil. Por isso ele teria tratado da especificidade do Brasil: porque o Brasil era sua preocupação. Para entender a especificidade da colonização brasileira, ele tomou como objeto de estudo a colonização em geral. E foi este recorte, explica Novaes, que permitiu a ele romper com as perspectivas anacrônicas e desenvolver a problemática que resultou no estabelecimento do sentido da colonização.

O foco no Brasil, na análise de Novaes, também foi decisivo em outro aspecto para o historiador Caio Prado Jr. Ele era um historiador marxista, e não um marxista historiador, pontua ele. O assunto era o Brasil; o marxismo era a ferramenta. Segundo contou Novaes, certa vez perguntaram a Prado Jr. por que, sendo ele um marxista, não seguia a cartilha. Ele então teria respondido que era o seu objeto que conduzia a sua escolha, e não a sua escolha que conduzia o seu objeto – ou a sua percepção do objeto. Para Novaes, esta é uma lição importante: Prado Jr. soube dialogar com as ciências sociais.

Este diálogo não existia na historiografia tradicional, até porque as ciências sociais não existiam institucionalmente. A historiografia moderna dialoga, mas por vezes de forma problemática, avalia Novaes. O historiador tem que saber historicizar conceitos, para não criar anacronismo, explica. Ele pode usar os conceitos na dimensão explicativa, mas não na narrativa. O problema é que na história essas coisas estão juntas. E é por isso que é difícil, e é por isso que é interessante. Na síntese de Fernando Novaes, a história é narrativa e, sendo narrativa, é analítica. Para ele, Caio Prado Jr. conseguiu narrar a história do Brasil analiticamente.

O sentido da colonização

O sentido da colonização aparece no princípio do livro Formação do Brasil Contemporâneo. Nele, Caio Prado Jr. explica que a colonização funcionou como uma empresa comercial complexa. Ela visava atender aos interesses mercantis da expansão marítimo-comercial européia, que se estendeu pelo século XV e seguintes. Foi por isso que a sociedade e a economia brasileiras foram organizadas e estruturadas com base na produção agro-exportadora de larga escala, caracterizada pelo latifúndio, pela monocultura e pela escravidão. A tese de Prado Jr. é a de que a colonização tomou este rumo devido aos interesses comerciais da Europa, aos quais o Brasil era submetido.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Seção - Filosofia de Boteco: Dioniso Sóbrio XI


Aforismos: Mais Futebol, Menos Exclusão

No dia do encerramento do Campeonato Brasileiro, Série principal, onde a elite luta com maestria e bravura para melhorar a vida dos brasileiros-torcedores, após a morte de 7 pessoas no estádio da Fonte Nova em Salvador, finalizando o ciclo da várzea (ao menos, imagino, é assim que a CBF encara a Série C) do Campeonato Brasileiro, com duas novidades no ar, uma nem tanto, e outra, com certeza mais evidente; a grande questão que se levanta é o ponto de como um esporte de massa pode servir de interesses financeiros, ou mesmo políticos, e até matar pessoas. Já, com relação a estas novidades, o Brasil sediando a Copa do Mundo de 2014 (candidatura única, diga-se de passagem, por isso a não tão-novidade) e o Lanús (37 pontos), dependendo apenas de um empate diante do Boca Juniors, fora de casa, e o Tigre (34 pontos) disputando a final do Campeonato Argentino - chamado por eles, também, de Clausura - como possíveis (pela primeira vez, ambos) campeões do Argentino - e pensar que o Tigres veio da Segunda Divisão do Clausura, na Temporada passada. Pois bem, não foi sobre isso que me propuz a falar, mas especificamente sobre como a organização do futebol pode servir para a exclusão e/ou para a morte daqueles que mais se interessam por este esporte, os menos favorecidos financeiramente, e sua paixão desmedida, repsonsável incluise por fazer estas pessoas esquecerem as mazelas que convivem diuturnamente. Passando pelo Brasil, o filósofo português Manuel Sérgio (74 anos), mestre do badalado técnico, também português, José Mourinho, fez a seguinte afirmativa, referindo-se ao desastre da Fonte Nova, publicado no Folha de São Paulo de 02/12: O que aconteceu foi um desrespeito, prova de que o povo está em último lugar. O futebol é um espetáculo de massa, para o povo. Precisamente por isso não me admira que não haja consideração para com esse público. "Uma tragédia atingiu o povo? Então não há problema, não conta". É esse o pensamento dominante em uma sociedade vertical, hierárquica. Pois bem, nunca um português compreendeu tão bem o Brasil como Manuel Sérgio, e isso ainda se referindo ao futebol, máquina de alienação nacional... grande ironia. Apenas fica a certeza: o Brasil, todos sabemos, mantém esta estrutura há séculos; como, mesmo diante de uma situação dessa, não se pensa em quaisquer soluções? Apenas prova o que estamos cansados de saber: querem que o futebol continue sendo objeto de alienação e massificação... as consequências disso não vem ao caso... vai morrer um bando de alienados mesmo!!!! Triste conclusão de alguém que se dispõe a sediar a melhor copa do mundo de todos os tempos(!): ao menos foi isso que disseram no dia da escolha sem concorrente!