domingo, 28 de outubro de 2007

Um Aparte Regional: Democracia e Mercado


As instituições democráticas, como bem apontado por Clio, em publicação anterior (e outras mais), ao invés de ser uma solução para a economia e a vida política dos países emergentes, acabam se tornando uma negaça econômica de uma escumalha que ainda domina a OMC - Organização Mundial do Comércio. Dominando a OMC, impõe uma democracia a lá liberalismo (vedete pós-moderna do Fim da História), a todos aqueles que, desta escumalha não participam, e que ainda lutam, e relutam, para disso participar (não estariam querendo impôr os mesmos elementos aos outros que, posteriormente também emergentes tornar-se-iam?), onde todo aquele que tenta, também dessa democracia compartilhar, restaria o quinhão da próxima rodada.

Pois bem, em momento ainda anterior, nos referimos à democracia, tendo como exemplo a Argentina (na boca de uma eleição que apenas reforça o que resta à democracia deste lado de baixo do equador), e como suas instituições - as instituições da democracia -, baseadas em partidos, e no livre-comércio, ainda estão impregnadas de bolor. E, baseado neste bolor, como nós somos responsáveis pela democracia, os males que a ela acometem, acabam recaindo em nós como uma carga de culpa. A culpa de não sermos ilustrados o suficiente para escolher bem nossos representantes. E aí, nós tiramos o peso das costas desta escumalha que, mesmo quando votamos direito, continuarão fazendo a mesma coisa. O problema é bem maior do que imaginamos. E a escumalha tão maior quanto... e a democracia, ainda um maior problema - pois ela ainda é um caderno marcado, com cartas curingas! E uma outra democracia, seria possível? Boa pergunta... nem opino a respeito...

Em artigo do dia 26/10, escrito por Flávia Marreiro, na Folha de São Paulo, há a seguinte afirmação, ainda corroborando com o tema Argentina: O Brasil é um jovem de cinco séculos. a Argentina, uma anciã de 200 anos. O país do futuro versus o do passado mítico. Uma breve história de duas nações próximas e, ao mesmo tempo, tão distantes. Em momentos distintos, e por anos afim! Até que ponto, e quem assim determinou, o Brasil é país de futuro, e a Argetina uma velha anciã de passado mítico, com toda carga de sacro posta nesta afirmação?

Imagino que nosso futuro esteja baseado em nosso modelo econômico, ainda pensando na afirmação de Flávia e na do mercado. E o passado de nossa tão nobre vizinha baseado na aversão do mercado à mesma, e na forma como um país de graus educacionais tão altos, conseguiu chegar à desavença da democracia em tão pouco par de anos... sintomático não?

Será que a forma como representamos, ideologicamente, as instituições brasileiras não seria um sintoma do grau futurístico de nosso país? E, por outro lado, a forma como os argentinos representam suas míticas e anciãs instituições, e seu descontentamento com relação à democracia, não seriam também sintomas desta percepção democrática, tão vilipendiada pelo mercado, e por seu falso liberalismo (centro e controle das relações econômicas) a lá Adam Smith, como bem demonstrara o artigo de Clio?

A forma como as duas fronteiras, abaixo do equador, vêem esta relação democrática é bastante interessante, quando tentamos compreender qual o grau e qual a faceta da atual condição democrática dos povos.

Dois fragmentos do artigo de Flávia Marreiro dão-nos uma dica de como nós, vizinhos abaixo do equador, podemos melhor-ver a democracia e o mercado! Ao menos é isso que se deseja, não é mesmo!

Os brasileiros ainda enxergam na Argentina um parceiro pouco confiável. "Se pudesse dialogar com os entrevistados, diria que esse sentimento está relacionado aos nossos ciclos históricos como curtos nos últimos 20 anos, se comparados aos do Brasil", diz o antropólogo [argentino], citando os problemas do governo Alfonsín (1983-89) com a hiperinflação, as políticas liberais de Menem (1989-99) e a crise de 2001. "Mas o que não mudou, e tem de ficar claro, é o interesse no Mercosul." Olha o mercado tentando ditar as regras de novo.

É no processo histórico do país que também aparecem pistas do "passado mítico" e nenhuma referência o tal "futuro promissor" citado pelos brasileiros. "A idéia de passado tem a ver com o processo geracional e a contínua mobilidade social interrompida há 20 anos". Com o fim da crise, a percepção começa a mudar. "O horizonte fica mais previsível e faz as pessoas começarem a pensar no futuro. Mas é um processo lento e há a inflação, fantasma que ressurgiu nos últimos meses". Pois é, meu caro, sabemos onde está o mal?

Aliás, como falar em mal se a questão do mercado nunca pensou nisso? Ou será que o mal é a democracia, em tempos de capitalismo? Ou ainda, o problema não estaria na forma como conduzimos (e vimos que não é bem assim, pois não conduzimos turba nenhuma) a democracia? Caramba..., que dúvida cruel!

sábado, 27 de outubro de 2007

Economia Moral versus Liberalismo - um comentário crítico acerca do texto de E. P. Thompson

No texto: A Economia Moral da Multidão Inglesa no Século XVIII, que compõe um dos capítulos do livro Costumes em Comum, E. P. Thompson, desenvolve algumas hipóteses inspiradas em Marx. Nesse sentido, o livro tem uma ligação estreita com a Formação da Classe Operária Inglesa e com as Particularidades dos Ingleses, nestes trabalhos Thompson visa com suas críticas combater alguns pilares da ortodoxia marxista.
O principal era o que estabelecia uma correspondência direta entre infra-estrutura e superestrutura, cuja principal conseqüência para os estudos históricos era o reducionismo que via uma relação direta entre desenvolvimento industrial e consciência de classe. Noutra perspectiva, Thompson verifica que a consciência de classe não depende da formação de um partido, do desenvolvimento tecnológico e muito menos da ideologia comunista para conduzir esta luta de classes. Inversamente, é na luta de classes que se configura a consciência da luta e da classe e esta se dá no transcurso histórico de luta e não apriori ou de fora para dentro por intermédio de um partido ou de uma vanguarda revolucionária.
Esta primeira crítica combate a idéia de movimentos operários, aos quais eram considerados utópicos com um nível de consciência inferior, nestas análises reducionistas eram encaixados todas as revoltas pré-industrial, os socialistas ditos utópicos pré-1848 e mesmos os anarquistas. Tais movimentos eram preconceituosamente denominados turbas. Contra isso, Thompson inverte a perspectiva de que a classe operária é fruto do desenvolvimento industrial, pelo contrário, o que se verifica na Inglaterra do século XVIII, objeto histórico de Thompson neste texto, é que a classe operária está em formação desde antes da Revolução Industrial e que os operários de fábrica vítimas históricas dos cercamentos que os impuseram à venda da força de trabalho como única forma de sobrevivência são herdeiros da cultura popular que lutava contra as imposições do laissez-faire nascente que estava destruindo uma economia moral. Esta noção de Thompson conceitua as práticas culturais antigas que regulamentava os costumes, inclusive as relações de troca, evitando os açambarcamentos e possíveis usuras dos comerciantes. Entre outras coisas, aquilo que impedia moralmente os fazendeiros de venderem suas colheitas para intermediários, obrigando-os a irem vender seus produtos no mercado para que o preço não aumentasse com a inclusão de atravessadores nas transações comerciais.
Neste texto Thompson nos mostra que o estabelecimento do liberalismo se deu através de lutas e em confronto com uma prática cultural existente que
... tinha como fundamento uma visão consistente tradicional das normas e obrigações sociais, das funções econômicas peculiares a vários grupos na comunidade, as quais, consideradas em conjunto, podemos dizer que constituem a economia moral dos pobres. Os desrespeitos a esses pressupostos morais, tanto quanto a privação real, era o motivo habitual para a ação direta. [1]
Dessa forma, o que Thompson denomina de economia moral eram as práticas costumeiras de uma cultura que impunha que: Os agricultores deviam trazer os cereais a granel para a praça do mercado local; não deviam vendê-lo enquanto ainda estivesse no campo, nem deviam retê-lo na esperança da elevação dos preços. Tais costumes nos parecem hoje em dia absurdos, pois estamos tão inseridos e habituados com os imperativos liberais, que esses fatos se apresentam com uma tonalidade exótica. E aí está um grande problema, pois alguns historiadores em vez de investigar como se deu a transposição de uma economia moral para o liberalismo, já tomam este como natural, como uma organização inerente da sociedade. Havia um controle nos mercados que impedia os abastados de comprar antes dos pobres e a supervisão dos mercados também era uma proteção ao consumidor. Nesse sentido, as revoltas não eram meramente motins espontâneos gerados por épocas de más colheitas e fome e sim calcados numa cultura consensual que fora aos poucos sendo destruída pelas práticas mercantis liberais, mas não sem resistência e conflito advindo das revoltas das classes subalternas.
As práticas liberais foram sendo impostas gradativamente e, com isso, o mercado cada vez mais foi ficando menos transparente, pois os fazendeiros moralmente obrigados a venderem suas colheitas no mercado, burlavam os costumes e as vendiam para os intermediários, no entanto, para manterem as aparências iam assim mesmo ao mercado, e quando os consumidores chegavam diziam-lhes: já acabou. Outra prática que estava entrando em vigor contra a economia moral era o da recusa dos fazendeiros venderem em pouca quantidade, pois muitos já estavam vendendo toda a sua colheita antecipadamente para comerciantes.
Aos poucos também o governo que, baseado no direito consuetudinário que tendia a regulamentar as velhas práticas que estavam sendo burladas por comerciantes, fazendeiros e moleiros, começava a ser cada vez mais ambíguo em suas normas, pois a ideologia liberal já estava alcançando um status científico que garantia que o próprio mercado regularia a oferta e a procura e que em tempos de más colheitas, os altos preços garantiriam o racionamento dos gêneros evitando a fome, o que teoricamente seria muito bom para o governo. O mito da auto-regulação do mercado estava se tornando hegemônica.
Entretanto, o autor é consciente de que a economia moral a qual se baseavam as revoltas contra a carestia, a fome, o açambarcamento e os sujeitos históricos que impunham estas situações aos populares como mercadores, fazendeiros da gentry e moleiros agiam segundo um modelo teórico consistente, esse era [porém] uma reconstrução seletiva do paternalismo, extraindo dele todas as características que mais favoreciam os pobres e que ofereciam uma possibilidade de cereais mais baratos.
Assim Thompson a seguir escreve:
Pois um aspecto a economia moral da multidão rompia decisivamente com a dos paternalistas. A ética popular sancionava a ação direta coletiva, o que era categoricamente reprovado pelos valores da ordem que sustentavam o modelo paternalista.[2]
Thompson nos mostra que os preceitos do liberalismo não poderiam ser comprovados empiricamente nas práticas comerciais do século XVIII na Inglaterra e para desmitificar o que, na verdade, se constituía como uma ideologia liberal da auto-regulação do mercado, ele escreveu:
Não deveria ser necessário argumentar que o modelo de uma economia natural e auto-reguladora, funcionando providencialmente para o bem de todos, é tão supersticioso quanto as noções que sustentavam o modelo paternalista – embora, curiosamente, seja uma superstição que alguns historiadores econômicos têm sido os últimos a abandonar. Em alguns aspectos, o modelo de Smith se adaptava mais acuradamente às realidades do século XVIII do que o modelo paternalista; e, em simetria e alcance de construção intelectual, era superior. Mas não se deve deixar de perceber o ar ilusório de validação empírica que o modelo contém. Enquanto o primeiro apela a uma norma moral – ao que devem ser as obrigações recíprocas dos homens -, o segundo parece dizer: "é assim que as coisas funcionam, ou funcionariam se o Estado não interferisse". Entretanto, quando se consideram essas seções de A Riqueza das Nações, elas impressionam menos como um ensaio de investigação empírica do que como um excelente ensaio de lógica que se autovalida.[3]
Thompson assim é consciente de que a tradição paternalista também é ilusória na medida em que tais costumes se baseavam numa moralidade tradicionalista e demonstravam o medo pelo “novo” além de ser embutido de superstições de todo o tipo. Por outro lado, o liberalismo aparentemente obra do intelecto humano e de sua ciência mais desenvolvida, na realidade do século XVIII não poderia ser mais comprovado do que o paternalismo. A sua lógica, nesse sentido era uma construção ideológica que procurava romper com os costumes vigentes, até então, em benefício de uma classe ou de grupos que, com elas, ascendiam socialmente.
Quando consideramos a organização real do comércio de cereais do século XVIII, não temos à mão a verificação empírica de nenhum dos dois modelos [nem o do protecionismo da economia moral nem o do liberalismo]. Tem-se feito pouca investigação detalhada acerca do mercado; não há nenhum estudo importante sobre a figura-chave do moleiro. Até a primeira letra do alfabeto de Smith – o pressuposto de que os preços altos eram uma forma eficaz de racionamento – continua a não ser mais do que uma afirmação. É notório que a demanda de cereais ou de pão é altamente inelástica. Quando o pão custa caro, os pobres (como lembraram certa vez a uma observadora das altas esferas) não comem bolo. Da perspectiva de alguns observadores, quando os preços subiam, os trabalhadores talvez comessem a mesma quantidade de pão, mas cortavam outros itens nos seus orçamentos; talvez até comessem mais pão para compensar a perda de outros itens. De um xelim, num ano normal, seis pence seriam gastos com pão, seis pence com ‘carne inferior e muitos produtos da horta’; mas num ano de preços altos, todo o xelim seria gasto com pão. [4]
Tais documentos nos remetem ao problema de se considerar como lei natural as relações de mercado de oferta e procura, estas “leis” só são apreensíveis e inteligíveis no interior de uma sociedade, levando-se em conta as práticas culturais e os costumes dessa mesma sociedade. O caso do aumento do trigo concomitante com o aumento do consumo do pão, ao contrário, do que a “lei de mercado” afirmava, é emblemático porque nos permite evidenciar que os hábitos alimentares e os costumes da sociedade não estão à mercê das intempéries da natureza ou da ganância dos mercadores que escondiam o estoque de trigo quando o preço estivesse em baixa para vender em alta em um momento melhor, muito pelo contrário, estas práticas também são determinantes no contexto histórico.
Por outro lado, o que se percebe é que por trás da ideologia liberal defensora do livre-câmbio que garante um ambiente propício ao que pode lucrar mais sobre os que podem menos, é que há o predomínio marginal do monopólio entre os comerciantes que, detentores únicos de certas mercadorias essenciais, passam a controlar o preço dos produtos de primeira necessidade no mercado.
Assim, o liberalismo escamoteia o que seria o seu contrário, o monopólio. E torna-se além de uma ideologia, também uma utopia, pois na prática ele não existe ou quando existe é um momento transitório, imposto por discurso ideológico, que transfere um mercado controlado pelo consenso moral de uma cultura há muito vigente para o controle de indivíduos que se enriquecem monopolizando o comércio dos gêneros essenciais à sobrevivência da população, como nos mostra a pesquisa histórica de Thompson.
E para além destes documentos o que todo defensor do liberalismo sonha é com o monopólio do mercado e a eliminação de seus concorrentes. Em um plano mais geral podemos constatar a luta dos países chamados emergentes na OMC contra os subsídios fiscais dos países ricos que sobretarifam os produtos primários importados que aportam em seus mercados consumidores. Os mesmos países ricos que impedem a concorrência de igual para igual entre os produtos primários são os mesmos que impõem o livre-mercado aos países “emergentes” para que seus produtos tecnológicos mais avançados entrem sem sobretaxa nos mercados alheios.
Portanto, o liberalismo é uma fachada que disfarça a luta intensiva pela instituição do monopólio pelo maior tempo possível. Em tempos imperialistas em que a tecnologia vai aos poucos eliminando a força de trabalho, que foi no capitalismo industrial a fonte privilegiada de lucro que se dava na produção, a criação de valor passa a ser obtida em outra esfera: no controle do mercado consumidor, por meio de leis protecionistas, de imposição tecnológica, enfim, pelo controle do mercado por parte das transnacionais. Mas este controle não ocorre à margem dos governos e sim por eles, através dos Estados e não sem a gerência deles, pelo contrário, quase tudo acontece via governo, ora escusamente ora por lei, obviamente submetido aos ditames das grandes empresas, os grandes patrocinadores das eleições. Em suma o dia que o liberalismo existir de fato e não apenas como ideologia que é um outro nível de realidade, nunca mais se gastará tanto nas eleições, e o governo será, se existir, apenas um chefe de Estado de luxo tal qual a monarquia inglesa. É por vias legais e governamentais que as regras de mercado, supostamente auto-regulado, se concretizam. Assim, o Estado tão rejeitado pelos papas do neoliberalismo é o canal privilegiado por onde passa os ditames de mercado e por onde são legitimadas suas práticas. É por isso que o neoliberal é um defensor da democracia, pois por meio dela se legitima práticas antidemocráticas e em vez de combater tais práticas, troca-se os governos e mantém o regime que as legitima, pois na democracia o culpado é sempre o povo que escolheu errado, que deu “azar” nas cartas que escolheu para jogar num jogo que as cartas já são marcadas e as regras já estão dadas e que, portanto, dentro delas, jamais se mudará o jogo. Precisaríamos virar a mesa e impor um outro jogo em que as regras seriam ditadas por nós.
[1] THOMPSON. “A Economia Moral da Multidão Inglesa no Século XVIII”. In: Costumes em Comum, p. 152.
[2] THOMPSON. “A Economia Moral da Multidão Inglesa no Século XVIII”. In: Costumes em Comum, p. 167.
[3] Ibdem, p.162.
[4] Ibidem, pp. 162-3.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Seção: D'Outro


Função Social da Bibliofilia
Por: Diário do Nordeste


Detalhes sobre a rotina e o contexto contemporâneo da bibliofilia são apontados por José Augusto Bezerra, presidente da Associação Brasileira de Bibliofilia

Parece um hobby, como colecionar moedas, selos... Sem diminuí-los, mas temos que ressaltar que o livro tem outros valores, além do histórico. Há livros únicos. A Bíblia de Gutenberg, por exemplo: só existem seis no mundo, duas na Biblioteca Nacional, mais do que esclarece o Presidente da Associação Brasileira de Bibliófilos, José Augusto Bezerra, fazendo referência à primeira obra tipográfica com uma tiragem ´industrial´ (cerca de 180 cópias, em pergaminho e papel, de suas 1282 páginas), concluída em 1455.

Autor do livro O Espírito do Sucesso (Editora Expressão Gráfica, 2004) - em que tece considerações sobre disciplinas como a Filosofia e a Psicologia, entre referências a personagens históricos como Alexandre, O Grande, considerado o criador da primeira e maior biblioteca da humanidade - José Augusto Bezerra fala com a autoridade de quem, ao longo de 40 anos, desenvolveu uma das maiores bibliotecas particulares do Estado, atualmente reunindo cerca de 20 mil volumes, divididos em “ramos” como dicionários; manuscritos; literatura e história do Ceará; modernistas; gramáticas; artes; ex-líbris; brasilianistas; história do Brasil e de outros países, entre outros.

O pesquisador aponta que foi o Conde da Barca, português Ministro de Dom João VI e responsável também pela vinda da missão artística ao Brasil, o primeiro bibliófilo particular do País. A partir dele é possível estabelecer um mapa da biblioteca no Brasil. Augusto acrescenta que, ao longo dos séculos, as bibliotecas particulares têm preservado melhor as obras sob seu cuidado, em face de não estarem sujeitas a mudanças administrativas e terem o acompanhamento direto de seu próprio dono, independente da quantidade de volumes. E em face do número menor de pessoas que as consultam, ressalta.

Apesar deste contingente distanciamento com o público, elas guardariam uma função social considerável, tanto que, em países cultos, os bibliófilos são tidos em alta conta pela sociedade, fato que está começando a acontecer também no Brasil, como atesta a eleição unânime de Mindlin para a ABL, o que é algo raríssimo na instituição. Essa função social da bibliofilia, mesmo com seu caráter particular, estaria relacionada à possibilidade de ela preservar fontes que possam contribuir para que as novas gerações conheçam melhor o seu passado. O que se torna mais evidente quando estas coleções acabam integrando o patrimônio de alguma instituição pública, caso dos 30 mil volumes da coleção do paulista José Mindlin sobre o Brasil, há alguns anos disponibilizada à Universidade de São Paulo. Um belo exemplo do desprendimento do bibliófilo, que não visa fins lucrativos propriamente, mas sim deixar um conjunto de obras e documentos que possam servir de orientação à posteridade.


Uma rotina plena de detalhes

Até atingir esta função, a rotina da bibliofilia envolve uma série de orientações, algumas delas relacionadas a seguir por José Augusto Bezerra. Por exemplo, se o livro estiver incompleto, a obra pode não perder seu valor, dependendo de sua importância e/ou sua raridade. Às vezes só encontramos uma folha de um livro que existiu há muito tempo, e só aquela folha vale mais do que muitos livros, dimensiona. Por outro lado, José Augusto sugere a existência de critérios mais sutis para a valorização do livro, além do tempo de sua publicação ou da originalidade de suas folhas. E considera um “purismo” o hábito de alguns bibliófilos guardarem os livros, sem lê-los, sequer tocá-los, chegando a fazer fac-similes para isso.

Com a mesma perspectiva, José Augusto Bezerra identifica possibilidadades de livros atuais se tornarem clássicos, considerando fatores como primeiras edições, livros de grandes autores ou até desconhecidos que enfocam temas por ângulos que são inovadores e até revolucionários, inclusive no campo científico. Atualmente, estamos com uma carência de grandes autores no Brasil, como era a expectativa pelos livros de Rachel de Queiroz, como foi ‘Espectros’, primeiro livro de Cecília Meireles, e ainda hoje, no caso de Portugal, José Saramago, por exemplo. Nem sempre um livro de 100 anos tem valor bibliográfico ou bibliofílico. Outros livros que saíram ontem, podem ter valores, sugeridos por detalhes como um erro tipográfico. Como foi o caso de um livro raríssimo de Machado de Assis que ele próprio retirou de circulação por conter uma letra equivocada. Ele corrigiu a mão. Depois saíram edições corrigindo o acidente.

Detalhes decorrentes de muita pesquisa são a chave do bom desempenho da atividade de bibliofilia e da sua própria caracterização. É preciso atentar para a data da edição, ou seja, sua cronologia; o número de exemplares existentes, ou seja, a raridade; o valor sentimental por ter pertencido a pessoas importantes; interferência no curso da história, pois alguns livros provocaram até revoluções; o valor artístico também da obra na sua parte gráfica, envolvendo aspectos como o papel, a encadernação, a tipologia, as ilustrações, as cores etc. E ainda o valor de mercado porque muitas destas obras são verdadeiras relíquias.

O bibliófilo cearense acrescenta outras orientações para a boa convivência com o ofício. Manuscritos e outros documentos não devem ser dobrados, pois isso quebraria as fibras do papel. Eles devem ser guardados envoltos em um papel que os proteja da umidade e da poeira, permitindo assim uma espécie de ‘respiração’ do papel para que ele não resseque e diminua sua vida útil.


Sebos e suporte digital

José Augusto Bezerra também desfaz alguns preconceitos relacionados aos sebos e ao suporte digital. Às vezes, no sebo, encontram-se verdadeiras preciosidades, justamente porque as pessoas não têm consciência de que se trata de um livro raro. Essa identificação é muito sutil, mesmo para bibliotecários, alguns aspectos que dependem da vivência. Em relação às novas tecnologias, ele aponta que vê o livro como um guardião da sabedoria, do conhecimento, e não como um mero formato. O livro começou sendo feito de barro, na Mesopotâmia. Depois, de papiros, pergaminhos, pedras, um papel feito de trapos. São mudanças de suporte, ele não deixa de ser um livro por ser eletrônico. Eles mudam com a tecnologia, a matéria-prima de cada tempo e local. O livro-eletrônico ainda está se afirmando no mercado, com certeza irá ter, gravado em CD, mas conviverá com as formas tradicionais. Nunca se editou tantos livros como atualmente. Dado que talvez ajude a explicar o incremento no interesse pela bibliofilia.

Seção: Reflexões


Partidos Políticos e Democracia - Sobre a Argentina


Lendo o jornal Folha de São Paulo, numa crônica de Clóvis Rossi, sobre a Argentina desconhecida, e suas eleições próximas, me deparei com uma afirmação que, a cata de justificação de textos anteriores, tem-se discutido assaz, sobre o tema democracia e partidos políticos, pensando-se em nível de Brasil, e que, além de ser bastante incisiva, tal afirmação, veio para dar-nos ainda mais elementos; os quais nos faz entender o Brasil, a democracia, a História e a América Latina - quiçá o mundo, arriscaria dizer - neste tema tão delicado, e banalizado, que é a política, e a politicagem. Clóvis Rossi, num dado momento, asseverará o seguinte: Ajuda na degradação [referindo-se à pouca atenção e grande desinteresse (72,8% dos argentinos dizem se interessar pouco ou nada por política) dos argentinos com relação às suas próximas eleições, em se pensando que sempre foram um povo muito ferrenho, nas discussões políticas, além de muito questionador] o fato de o sistema partidário ter implodido completamente, na esteira, aliás, do que aconteceu ou está acontecendo em toda a região. É triste verificar que o que nem a ditadura mais selvagem conseguiu (erradicar os partidos históricos) ocorreu na democracia. Com certa surpresa me deparo com uma informação que, há pouco - coisa de dois a três dias - fora lançada neste blogue, inclusive com uma certa discussão (recado ao amigo Walmir: somos dois amigos que escrevemos este blogue, o que levanta ainda mais o grau de discussão e discernimento dos nossos mais variados temas, e que mostra, bem mais, a pluralidade dos saberes e temas) que, aliás, muito rica e gostosa. Por isso minha gratidão pelo trabalho bem feito, e bem avaliado. Pois bem, retomando a reflexão, até mesmo um jornal como o citado acima, vem para corroborar com a discussão, apesar de, no último parágrafo, o mesmo autor justificar a democracia e dizer que a mesma ainda tem a evoluir - outra discussão que nos remonta a mais uma discussão, e que já citamos no blogue: Evolução. Vou ainda mais longe: a grande questão da democracia ainda é uma seara inóspita - ao menos do ponto de vista do conhecimento e reflexão -, automaticamente, a questão dos partidos e da História também assim o são, aliás, o são com um diferencial: como o Bicho-Preguiça, seus movimentos são lentos, todavia, a forma como o momento direciona este movimento, acaba se tornando outro problema; sem entrar no mérito, também, da consciência... outro trem (como bom mineiro que somos) ainda mais complicado!

terça-feira, 23 de outubro de 2007

História: Bicho-Preguiça


Durante algum tempo, e alguns textos, sempre se referindo à História, entramos em contato com temas evolutivos; que não se mostraram plenos de vida, como deveriam ser quaisquer visitações evolutivas, nem com uma evolução tão homogênea, e tão plena de possibilidades humanas, jamais temporais, como até o momento fora, além disso, passamos também pelo esquecimento; tema que nos mostrou (como ainda pode nos mostrar, visto que é objeto inacabado) assaz importante, e de uma relutância em se abster de seus quehaceres, que chega a assustar, mostrando a todos que, a própria noção de esquecimento pode muito bem ser utilizada como arma de batalha, e ainda, indumento de vitória, trazendo àqueles que disso se - quem sabe algum dia - dispuserem a usar, como ótima esquadra, ainda dos tempos da Marinha Britânica Real, por fim, e ainda não acabado, se despontou em dois (talvez três) novos tentáculos: a identidade; e sua possível utilização de suspeita para mascarar certos feitios, o antidemocratismo da democracia; mostrando para o mundo que as idéias, por mais que tenham passado por uma história de consolidação, ainda deixa-nos a desejar, rogando aos nossos ouvidos, pragas de outrora, cobertas de ouro representativo e pleno de consciência, surge então, novo elemento, ainda essa do bicho-preguiça; nobre realização de uma história ainda em construção, e que tem na copa das árvores uma possibilidade de renovação, isso caso não caiamos no erro de vender nossos créditos de carbono em outros ambientes, e para compradores errados. Pois bem, parágrafo longo, poderia ser um aforismo, mas me atrevo a pensar um pouco mais, trazendo uma reflexão que ainda não chega a ser artigo. Daí, nada mais justo que novos parágrafos de prosa intensa e viva, como gostaria que assim se tornasse.

Longe de fugir das estripulias da crítica, que nos aconchega em novas paragens, dando-nos mais munição para o combate, ouso ir mais além da crítica, incitando-a a mostrar-nos algumas novas palavras (e que tenham gosto de sangue de vida, não de morte) para, disso, ainda novos degraus galgar. Daí o resgate de alguns temas por aqui já debatidos, e que quase voltaram no primeiro parágrafo.

Consciência é propriamente apenas uma rede de ligação entre homem e homem – apenas como tal ela teve de se desenvolver: o homem ermitão e animal de rapina não teria precisado dela. Devem se recordar que tais palavras não partiram de minha pena, mas que poderia ser o pontapé incial para nossa investida, rumo ao homem novo e que, a contrapelo da História Bicho-Preguiça, prefere nem saber porque ela levara tal nome, uma vez que sua consciência se encheu desta possível solução, às vezes por falta de ousadia, outras, porque nunca lhe foi proporcionado um pequeno naco da evolução. Imagino que este homem novo, resultado da evolução, prefere nem pensar nesta prerrogativa, pois a preguiça lhe foi posta como ambição, jamais como solução evolutiva: esta mesma que podemos nos referir à História Bicho-Preguiça.

Quando me refiro à consciência, isso antecipa uma discussão mais apurada acerca da representação democrática, e como esta representação, devido a via torta da evolução, e a falta do esquecimento no complexo tutânico, levou homens à condição de seres aptos a exercer sua representatividade: indumento caro àqueles que, longe de fazer disso uma História Bicho-Preguiça, faz uma vida em preguiça. Além do mais, são homens assim que permitem que Kronos devore seus filhos, para poder, assim se manter e, também, não deixar possíveis seres de esquecimento: apenas lembranças de um crime; um historicídio de horrores, pondo por terra até nossos simpáticos bichos-preguiça.

Os fantasmas que perseguimos, de forma bem intensa e direta, são fantasmas de lembrança, não de esquecimento... O que nos coloca frente a frente com a seguinte afirmação que, devem se recordar, também não-minha: Posto que somos o resultado de gerações anteriores, somos, ademais, o resultado de suas aberrações, paixões e erros, e também, sim!, de seus delitos. Não é possível livrar-nos por completo desta cadeia de erros. Podemos até condenar tais aberrações, e assim acreditamo-nos livres delas, porém isso não muda o fato de que somos seus heredeiros diretos. [Somos a segunda natureza de uma natureza que, pode até nem ter existido.] Poderia seduzir-nos a tentativa de darnos, a priori, um passado do que gostaríamos de ter procedido, em contraposição àquele de que, realmente, procedera. Uma tentativa sempre perigosa, porque é difícil encontrar um limite, na negação do passado. Caso não o aceitemos, ainda assim ele nos perseguirá, dizendo o quão herdeiros somos de seus erros.

Sim, tem havido uma grande evolução, meu medo maior é a forma como esta conscientização tem se estruturado. Podemos estar criando novos fantasmas, no porte de Kronos - ou talvez pior -, dando motivos para o surgimento de novo historicídio, sendo-nos reservado, como deste prato componentes, o prato de frente, do cardápio principal. História é Bicho-Preguiça sim, disso não há como negar; o problema é tentar compreender qual o grau de evolução que temos buscado, e como temos deixado de lado nosso esquecimento... dá medo, mas me arrisco a pular sobre o abismo, pois, somos corda estendida sobre, jamais destino, apenas ligação... também palavras não-minhas, mas que aqui se encaixariam muito bem!

domingo, 21 de outubro de 2007

Artigo: Entre o Mito do Partidarismo e o Niilismo do Abstencionismo

Estamos vivendo hoje a pior decepção da esquerda brasileira. Decepção porque o declínio das idéias e práticas da esquerda no Brasil se deve unicamente às estratégias e alianças mal-sucedidas, sem falar nos inúmeros fatos que nos envergonham na história recente do PT.
Sabemos que a fundação do PT trazia uma nova esperança para a política de esquerda no Brasil, porque abria um novo espaço de luta na política brasileira onde os trabalhadores nunca tiveram chances reais: a via eleitoral.
Nesse sentido, o PT surgiu sob o influxo do insucesso do “castrismo” brasileiro, da desarticulação das esquerdas pela repressão bem sucedida imposta pelas forças contra-revolucionárias que tomaram o poder e, claro, de uma base sólida formada pelo operariado do ABC.
A estratégia eleitoral do PT, diferentemente, das incursões mal logradas de antes, tinha justificativas bastante coerentes que eram abertura política, a luta por eleições diretas e, como foi dito, a falência da estratégia de guerrilha em um país continental como o Brasil.
Em finais do século XIX, socialistas brasileiros já defendiam a via eleitoral, mas contra eles havia uma série de ocasiões que inviabilizavam tal organização. A primeira e mais geral era a característica do liberalismo autoritário brasileiro que na época republicana impossibilitou uma adesão mais frutífera à candidatura de representantes operários, entre outros fatores, pela pouquíssima e quase nula representação partidária no Brasil que, em média na Primeira República, o número de eleitores girou abaixo de 5%; menor do que os anos do Segundo Reinado antes da reforma eleitoral de 1881.
Este foi um dos motivos que fez do anarquismo uma força entre os operários brasileiros, pois a ação direta era uma estratégia muito mais eficaz e convincente que conseguia assim uma maior adesão, dando aos anarquistas a hegemonia da organização operária em praticamente toda a Primeira República, sofrendo uma gradativa perda de influência a partir da repercussão do sucesso da Revolução Russa no Brasil, que teve o apoio quase que unânime dos anarquistas e acabou por favorecer a fundação do Partido Comunista do Brasil em 1922, com a participação de ex-libertários como Astrojildo Pereira.
Embora, a fundação do PCB tenha sido um momento marcante na história do operariado brasileiro, ele esteve longe de garantir uma participação popular importante na política brasileira, porque, entre outras causas, o contexto político no Brasil era marcado pelo coronelismo e pelo voto de cabresto. O Brasil ainda era um país de economia agrária e, apesar da preocupação do PCB com os camponeses, a sua organização centralizada e restrita aos grandes centros urbanos impossibilitava a mobilização do campesinato que se distribuía separada e irregularmente pelos Oito milhões de km2 do território brasileiro.
Diante de tais dificuldades o que restou foi a aliança a uma pequena burguesia que pouco ou nada sabia das práticas e ideais socialistas.
Por outro lado, logo que o Partido Comunista conseguia algumas vitórias singelas nas urnas, como a eleição de alguns deputados, os governantes brasileiros, com o pretexto de defesa da soberania nacional e acusando o PCB de ser uma organização estrangeira comandada por Moscou, tratava de cassar os mandatos dos candidatos comunistas e de colocar o Partido na clandestinidade.
A partir de 1964, com o golpe contra-revolucionário, as esquerdas foram desestruturadas pela repressão violenta e sendo obrigada a se entrincheirarem-se na luta armada dos vários grupos guerrilheiros que se formaram no Brasil, marcados mais pelo desespero e heroísmo do que pela possibilidade prática de tomar o poder no Brasil.
Com o morticínio e a derrota imposta pela Ditadura a estes grupos e com o crescimento industrial do ABC, espontaneamente foram surgindo uma organização de base, que possibilitou a criação de sindicatos fortes e a fundação do PT, assim, como a Central Única dos Trabalhadores, que reunia os sindicatos combativos que eram a base do Partido dos Trabalhadores.
Foi assim que a partir dos anos de 1980, a esperança das idéias e práticas de esquerda no Brasil voltou a estar representada na estratégia eleitoral de um Partido. E 1989 talvez tenha sido o episódio mais intenso e dramático que poderia ter mudado os rumos do Brasil, num momento único em que a direita brasileira, pulverizada em vários partidos e imbuída pela ambição das facções de tomarem para si o bolo inteiro do poder, permitiu a ascensão de um, até então desconhecido ao segundo turno, para enfrentar o representante único de toda a esquerda Brasileira: Lula.
Foi nos acréscimos do segundo tempo que a direita percebendo seu erro, se aliou ao ilustre desconhecido e utilizando de todos os meios legais e ilegais conseguiram retomar as rédeas do jogo e dar a vitória a Fernando Collor. Daí para frente nas outras eleições, o Lula de 89 foi sofrendo mudanças e adequações até chegar ao Lula comestível e aceitável pela direita brasileira de 2002.
O ano de 2002 representa ao mesmo tempo a eleição de um ícone da esquerda brasileira e a maior derrota desta mesma esquerda, porque, por outro lado, representa também a suprema hegemonia da direita, que consegue manter a sua diretriz econômica e política em um governo dito de esquerda. Em outras palavras, a esquerda representa a direita no poder porque foi assimilada pela direita e utilizada por ela para conseguir a legitimidade política que os governos FHC haviam perdido.
Mais uma vez em nossa história, a organização partidária revela uma desconfortante ilusão, pois sua fácil assimilação pela direita revela aquilo que os anarquistas cansavam de alertar em seus congressos e mais tarde, com a fundação do Partido Comunista, foram execrados por isso, a idéia de que os trabalhadores jamais podem ser representados por uma regra do sistema que os exclui, que os explora. É urgente a necessidade de inventarmos um novo jogo para lutar pelo poder. As eleições apenas encenam romanticamente a violência cotidiana imposta aos oprimidos. A eleição nesse sentido é a teatralização da opressão sob o disfarce da representação partidária.
Em suma, um mito que precisa ser desmitificado para que possamos fazer frente ao poder que nos oprime de todos os lugares, não estando em nenhum lugar em específico. Estamos lutando contra o inimigo com as próprias armas que ele criou. Toda a vitória que conseguirmos não passa de um fingimento que ele nos impõe. As armas que eles nos dão, é óbvio, não podem atingi-los. Essas armas são as eleições pseudodemocráticas. Votar é um auto-engano e como cantava o poeta, Renato Russo: Mentir para si mesmo é sempre a pior mentira.
Estamos entre o niilismo da defesa do abstencionismo eleitoral e a ilusão do partidarismo como possibilidade de representação dos interesses populares. Nem um, nem outro nos serve, devemos buscar nova alternativa urgentemente.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

O Esquecimento...


Parte III


O Império Romano dá-nos a grata medida do quão importante, e ao mesmo tempo tão corriqueiro, a diferença momentânea é para a constituição de uma igualdade, também momentânea. Sua grande expansão e, principalmente, sua sólida derrocada, se deve a estes dois momentos, tão distintos e, na mesma medida, tão próximos e entranhados.

O esquecimento que os vários povos, outrora conquistados, tiveram que se utilizar para poderem constituir sua civilização, teve papel bastante patente na consolidação de sua cultura. Além disso, o fato de haver liberdade entre estes povos conquistados, de continuarem com suas crenças antigas, é-nós um paradoxo interessante: por não terem se esquecido do que praticavam, pois assim faziam diuturnamente, acabaram se utilizando disso para se esquecerem do domínio outrora imposto pelos Imperadores da Cidade Eterna.

A diferença que foi permitida a estes povos teve uma característica que a torna diferente de outras construções imperiais, mas todavia, era-lhes permitido certa igualdade, ao oferecerem a estes povos a condição de se tornarem cidadãos romanos, não o sendo. Herança de Alexandre e o helenismo por ele incentivado.

Gibbon dirá assim, a respeito: [Os povos conquistados] Podiam ocasionalmente sofrer os desmandos e as injustiças da autoridade delegada; o princípio geral de governo era contudo prudente, simples e benéfico. Podiam cultuar a religião de seus antepassados, ao mesmo tempo que, no tocante a honras e vantagens cívicas, eram promovidos, por graus eqüitativos, até a igualdade com seus conquistadores.

Como é possível ser igual a alguém que domina, desmanda e taxa? Aliás, como é possível manter a diferença numa situação de possível igualdade? Será necessário esquecer o que se tem, ou que se construiu, em dado momento? Ainda mais; será possível se esquecer do que se tinha, num bombardeio constante de coisas tão não-nossas? Pois bem, o esquecimento aí teve via dupla, sendo, por isso mesmo, paradoxal, pois, logo após a queda do grande Império, certos hábitos antigos, anteriores aos instituídos - pero no mucho -, pelos romanos, nunca mais voltaram a ser parte diária e quotidiana destes povos conquistados.

A confusão que esta profilaxia nos remete traz ainda mais dúvidas... sair de um ambiente que não é meu, passando a ser meu, por meio de minha aceitação, e fazer disso algo que poderia ser só meu, tão-somente é possível quando conseguimos lidar com o esquecimento em momentos típicos e específicos... lembrando que a lembrança reforça minha diferença perante a igualdade do outro! E meu esquecimento reforça a situação de que eu possa estar tanto na diferença, quanto na semelhança do outro, e para com o outro; fazendo isso, sendo eu um pouquinho mais que a lembrança do tempo do outro, e do outro. É muita confusão!

Sobre História... e Otras Cositas Más!


Parte I


Ao conclamar os fatos, para que produzam certo efeito da história dos homens, e nos homens, além de construirmos uma ficção que diz respeito a nós, ou àqueles que de tais fatos compartilham, estamos criando alguns monstros para uma coleção particular. Embora nos esquecendo de que junto aos fatos vêm sempre as idéias de um tempo, acabamos afirmando que o esquecimento, neste momento, torna-se arma crucial para a consecução da memória de um povo: logo, de seu legado histórico, bem como de sua existência psicológica... ao menos do grupo que, destes fatos, faz proveito.

Ademais, tendo como instrumento o esquecimento, de forma automática e sintomática, criamos também graus de memória. Algumas num patamar coletivo, outras poucas, num pequeno patamar, posto como um simples rascunho do individual. Quando Gibbon descreve sobre os feitos do declínio e queda do Império Romano, mais que coletar fatos, ele constrói uma ficção que a seu gosto convém, e que, sei lá se ele tinha algum grupo contigo, e que a seu grupo se justifica, embora a nós nos dá um ótimo instrumento de constatação psicológico de tempos idos, e de personalidades pretéritas. Esta construção histórica, que pode ser encontrada em Declínio e Queda do Império Romano, pode servir de subsídios para que possamos compreender como se deram os vários processos históricos, pela civilização passados, e por nós em especial, executados: seja do ponto de vista da crença no que está posto, seja do ponto de vista da construção do que poderíamos definir como feições novas.

Esta multidão de fatos históricos que têm acompanhado a civilização, em sua longa evolução, é uma multidão que nada mais faz que provar a condição de fato que é. Objeto limitado, às vezes necessário, outras dispensável, para a memória coletiva de um grupo, ou mesmo de toda uma humanidade em específico. E por humanidade em específico, procuro fugir do conceito de que, como humanidade que somos, a nós convém, e nós justificamos, uma mesma conduta, ou ainda, mesmas noções coletivas morais.

Gibbon chega a dizer que alguns fatos têm a condição de fatos necessários para uma construção histórica de alguém, jamais de um todo. Alguns fatos são, inclusive, úteis para a construção de verdades, também úteis à humanidade. Daí pensa a história como uma conclusão parcial de alguém que, mais que parcialidade, quer se mostrar como uma totalidade. Aliás, o próprio Gibbon acaba fazendo isso em sua obra, ou indo ainda mais longe, em seu estilo de escrita.

Quando um filósofo se envolve nessa discussão, uma outra noção de História daí advém. Ele, por sua vez, tentará chegar a uma conclusão, a partir de certa personalidade específica, tentando compreender com isso duas coisas: por que certa personalidade tem esta noção de pensamento, e como sua sistemática cognoscente contribui para os feitos de um momento histórico, e até mesmo para o constructo dos fatos que deste momento surgiram para, posteriormente, pelas mãos do historiador, chegar a uma conclusão deste tempo ido, ou a algum livro inovador de Estudos Históricos. Notamos, com isso, também uma constatação parcial, no entanto, com perspectiva de totalidade.

As características particulares, notadas por estes filósofos, na personalidade de um tempo, além disso, contribui para que o fato histórico ganhe status de constatação verossímel. Daí Gibbon dizer que: tais fatos dizem respeito apenas a elos individuais de uma cadeia, a qual também fazemos parte. Uma cadeia por nós contruída, e a nós necessária... como constatação!

O vasto caos de acontecimentos que desta construção surge, além de nos dar um parâmetro para as crenças deste período, também nos coloca como agentes diretos do que poderia, ou não, ser constatado como fato histórico, logo, como verdade histórica. O historiador se utiliza disso para tentar pôr ordem no caos: entretanto, uma ordem tão-somente a ele conveniente. Como não nos confundir, quando sabemos que, considerando os fatos deste jeito, acabamos os desentranhando do restante? E novamente uma história parcial, que se quer total. Embora para nós, enquanto instrumento que movimenta a máquina, seja total, pois a isso, e somente com isso, lidamos. Há em nós uma limitação; a mesma que nos coloca, de novo, confirmando algo.

A contrapelo, quando surge o esquecimento, e deste esquecimento partimos, novamente estamos totalizando algo que, para nossa visão de presente, e para o momento de pretérito, ainda continua parcial.

Nada como nos utilizar das palavras do próprio Gibbon: Vemos que mesmo os espíritos mais isentos de preconceitos não se podem livrar inteiramente deles. Suas idéias têm um ar de paradoxos, e percebemos, pelas cadeias rompidas, que eles as desgastaram. Devemos, pois, não apenas reconhecer mas sentir a força do preconceito; devemos aprender a jamais nos espantar de seu aparente absurdo e a suspeitar com freqüência da verdade daquilo que parece dispersar confirmação. E assim, segue adiante com seu raciocínio.

Desta feita, quando nos espantamos, ao sabermos que uma bela mulher consegue fazer derrubar um senador, apesar da choldra putrefacta que se encontra em Brasília, e nos mostra um corpo belo... nada mais simples que encarar estas fotos, e o que está por trás delas - por mais absurdo que seja esta constatação -, como sintoma de fatos e personalidades de outrem... talvez até de toda uma civilização chamada Brasil... isso pode nos dizer muito de nós, que nem mesmo suspeitamos saber.

E assim segue o texto... sua prosa não pára!

domingo, 14 de outubro de 2007

O Esquecimento...


Parte II


As ações morais que fazem parte deste jogo, vêm para justificar o elemento linguagem, e o quanto sua lábia nos é eficiente; a ponto de manter-nos convencidos de que: o quê se fala, de fato é - e este jogo sabe muito bem envolver seus jogadores, a tal ponto deles acharem que isso é a vida. Fica assim, um jogo de palavras que, unido a uma situação, ou mesmo uma condição social, acaba por determinar qual seria o caminho a seguir e, mais que isso, quais seriam as ações morais que dariam feitio à espécie.

Quando criamos situações como essas, antes de mais nada, é necessário criarmos uma outra situação: aquela que não nos permite esquecer o que estamos vivendo. A situação da constante lembrança; mesmo quando determina o que é conveniente e o que não é, é uma situação de afirmação; aliás, é uma sensação de plenitude da vida... esta vida da humanidade-Deus. Afinal de contas, qual o grau de seriedade, de um grupo, para fazer valer uma condição de verdade; essa mesma que requer muito de lembrança e repetição?

A paridade que poderia estabelecer direitos, além daqueles da justiça convencional, aliás, da Justiça Positiva - essa mesma que determina nossa legalidade de existência -, seria uma paridade na diferença. E há que convir: o que seria da diferença se a mesma fosse obrigada a se lembrar como, e sempre, como sendo uma diferença? Até que ponto poderíamos construir alguma coisa tendo como parâmetro uma eterna diferença? Por diferença, o justo seria a (esta diferença) compreender como um estágio passageiro, donde o qual ditaria novos rumos, para uma igualdade na diferença, ou melhor, para podermos pensar que nossa diferença nos faz igual à humanidade e, como tal, também nós, deveríamos compartilhar desta sua justiça, e também desta humanidade-Deus... para alguns!

Não custa relembrar Nietzsche (aforismo §93, da mesma obra citada na Parte I): O direito vai originalmente até onde um parece ao outro valioso, essencial, indispensável, invencível e assim por diante. Nisso o mais fraco também tem direitos, mas menores. Daí o famoso unusquisque tantum juris habet, quantum potentia vale [cada um tem tanta justiça quanto vale seu poder] (ou, mais precisamente: quantum potentia valere creditur [quanto se acredita valer seu poder]). Será que a paridade leva isso em consideração? Ou, de uma forma mais incisiva: até que ponto a diferença se justifica como um eterno fardo? Usa-la-ei hoje, para depois de amanha voltar a usá-la, pois, amanha tenho que me utilizar da igualdade. Mas, antes disso, tenho que me igualar aos meus iguais. Será isso possível? Sim, talvez no dia de hoje, dia de esquecimento para poder me lembrar do que preciso esquecer.

Onde se encontra então o templo da dignidade humana, dentro de uma humanidade onde a(s) religião(ões) é(são) tanta(s) e tamanha? Não teria eu que adorar o deus? Não teria eu que fazer de minha vida, meu exemplo e justiça, um modelo perfeito deste mesmo deus? Mas, em qual templo poderei depositar as oferendas?

Onde posso ver no outro certa originalidade, se nem mesmo sei o que é diferença? Como poderei acreditar nalgo se, doutro lado, me ensinam a lembrar, sempre, que o outro nos dá essa referência? Aliás, não posso nem pensar em esquecer, pois a isso se condiciona minha condição de lembrar, embora, aquilo de que tenho que me lembrar apenas repete o que o outro também precisa lembrar, e jamais o que meus iguais poderiam lembrar... ou não! Ao me remeter ao outro, acabo me esquecendo de meu igual, e de que minha diferença não pode se condicionar somente a ele, mas também ao outro; criador nato dessa diferença.

É um paralelo difícil, tanto quanto a relação que tenho com o outro. É-me, também, importante, reconhecer a diferença dentro de uma igualdade, além de minha mera condição de outro. Me pareço ao outro no que ele tem de mais forte, ou de mais fraco e corriqueiro? Sou rebanho, ou posso ser pastor? Me é permitido tentar esta segunda opção?

É belo guardar silêncio juntos
Ainda mais belo sorrir juntos --
Sob a tenda do céu de seda
Encostado ao musgo da faia
Dar boas risadas com os amigos
Os dentes brancos mostrando. [Nietzsche]

Me é difícil dar risadas junto, guardando um silêncio que não me é permitido guardar?, pois, se não posso fazer parte da diferença por um dia, como tenho que fazer dela minha morada eterna?

Gostaria de pensar muito, sem deixar de esquecer minhas vivências, visto que, pensando muito, e pensando objetivamente, não me resta nada mais que lembrar da humanidade-Deus (e sua vivência, que me é presenteada), o que me impede de esquecer por alguns instantes. Ao não me esquecer de minhas vivências, e também desta sociedade; vivo dentro de um modelo que me lembra sempre, sobre o que eu devo me lembrar. Caso eu esquecesse com facilidade minhas vivências, poderia não me esquecer dos pensamentos por ela suscitados.

Numa sociedade onde temos que nos lembrar sempre dela, acaba não restando tempo para nos esquecer destas nossas vivências, tão caras à nossa condição de cidadão livre que somos (ou, ao menos, que poderíamos ser)!

Os pensamentos suscitados por meio do esquecimento poderiam ser uma boa arma para combatermos o templo da dignidade humana... ainda bem que posso continuar essa prosa, me esquecendo do II que, por ora, passa a existir, não fazendo mais parte de mim... Prefiro ficar de costas para minhas lembranças (e como a humanidade-Deus, minhas lembranças também a ela pertence), pois do esquecimento, já me esqueci de esquecer!

sábado, 13 de outubro de 2007

O Esquecimento...


Parte I


A dignidade humana precisa se constituir a partir de exemplos advindos de Deus, e de sua auto-criação, dentro da sociedade gregária. Como uma autojustificação de ações que, apesar de comprometer a essência dessa sociedade, é também seu instrumento de afirmação. O esquecimento pode ser um desses elementos que Deus-Sociedade coloca no mundo para ser o guardião da soleira do templo da dignidade humana, logo, da dignidade da própria sociedade. Pois, por humanidade, nada mais que o singular da sociedade. Mas, não a humanidade do ponto de vista de seu significado vário, mas do ponto de vista da imparidade e individualidade de cada representante desta.

O esquecimento se justifica para se justificar as ações morais da sociedade. Sua luta de manutenção requer um constante lembrar-se, logo, um constante afirmar. Pois, ao nos lembrar que ali está, nada mais faz que uma autojustificação de um modelo já adotado, e amplamente considerado. Considerado para e por quem? Uma pergunta que requer esquecimento para ser respondida, pois assim feito, deixa de ser moral.

Cada indivíduo é acrescido ao valor da coisa estimada. E é a sociedade que acaba por estimar aquilo que, para nós, posteriormente, mostra-se como zelo! E para isso a Justiça precisa se constituir, tal como uma eqüidade e uma mesma correlação. Nós somos o hábito de uma justiça que se quer eqüinânime!

Dirá Nietzsche em Humano, Demasiado Humano, em seu aforismo §92: Dado que os homens, conforme o seu hábito intelectual, esqueceram a finalidade original das ações denominadas eqüitativas, e especialmente porque durante milênios as crianças foram ensinadas a admirar e imitar essas ações, aos poucos formou-se a aparência de que uma ação justa é uma ação altruísta; mas nesta aparência se baseia a alta valorização que ela tem, a qual, como todas as valorizações, está sempre em desenvolvimento: pois algo altamente valorizado é buscado, imitado, multiplicado com sacrifício, e se desenvolve porque o valor do esforço e do zelo de cada indivíduo é também acrescido ao valor da coisa estimada. Ainda estamos a estimar valores que nos vêm pela imitação e pela repetição. E que tem na educação das crianças um eterno lembrar-se do que era, sem ter sido.

O quê fazer de uma sociedade que, para afirmar-se, nega toda a magia do esquecimento, e que constitue como prosa oficial apenas aquela que quer para si, e não para a liberdade dos homens, aí viventes?

O hábito intelectual de repetir, sempre, a eqüidade que se quer para homogeneizar, é o mesmo hábito que de Deus parte, para a afirmação da sociedade. Até que ponto divinizamos algo para logo em seguida cometermos seu Teocídio?

Que a prosa seguinte disso lide!

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Seção: Filosofia de Boteco - Clio Ébria V

Aforismos: Poder
Já dizia Hannah Arendt contradizendo a Aristóteles que o homem não era um animal político e sim que a política como um produto humano, na verdade, estava "entre-homens", isto é, a política enquanto atividade humana se dá na relação entre-homens.
Em Microfísica do Poder, Foucault afirma que o poder é despersonificado, que está pulverizado na sociedade, que não tem lugar, em suma, o poder é um exercício.
Uma afirmação que à primeira vista pareceria óbvia e constituir-se-ia em um truísmo, se pensada em sua profundidade resulta em uma verdadeira revolução da inteligibilidade política.
Em conseqüência da análise foucaultiana ocorre a desmitificação do poder centralizado do Estado ou da personificação do poder em uma ou mais pessoas. O poder é constituído por redes que se entrelaçam e o sustenta.
Isto constitui um soco na boca do estômago de todos os sabores e tendências políticas. É uma crítica ao anarquista individualista do final do século XIX que defendia a política pela ação e acreditava que atentados a grandes chefes de Estado poderia ser uma contribuição enorme a causa revolucionária. É também um tiro certeiro no pé do liberal que criticava o Estado por emperrar a concorrência e o livre-câmbio dos negócios.
O poder não está nas pessoas! Matando Bush, não se conseguirá mudar a política externa dos EUA. Matando o líder do tráfico no Rio de Janeiro não eliminará o tráfico. Eliminando o aparato técnico e ideológico do Estado não acabará com a dominação entre os homens.
A dominação está inserida desde a mais simples relação "entre-homens" até a mais complexa. O pior desta revolução que Foucault nos impôs é que os próprios dominados exercem uma parte da dominação que recai sobre eles. O poder se mantém não só pela violência, mas também pelo consentimento, aceitação, indiferença... Exercemos o poder mesmo enquanto dominados!

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Seção: Filosofia de Boteco - Dioniso Sóbrio VII


Aforismos: A Mortalha da Libertação


Entre idas e vindas, cá estou novamente com a mortalha de Deus, em minhas mãos. Trapos de uma humanidade que se gaba de criar seu próprio Deus e que a Ele dá medidas de sua faceta, com caretas de sua demanda. Sempre que a civilização se viu na iminência de vir a ser o que agora é, ela mesma, por si só, se usou de Deus, criando subterfúgios para seus anseios mais terrenos, humanos e conformativos - até por que isso é mais confortável e, acima de tudo, conforta o ser. E é por isso que a humanidade, supõe Proudhon em Filosofia da Miséria, criou a existência de Deus como mecanismo de auto-justificação; e como fonte de provações e comprovações. Por isso mesmo fatalmente, supõe a existência de Deus: e se, durante o longo período que se fecha com nosso tempo, ela acreditou na realidade de sua hipótese. Pois disso dependia, inclusive sua existência; e de sua existência, dependia, também, o conforto da espécie. Como um monte de argila por se fazer, ela deu tez a seus desejos mais íntimos, fazendo de uma capa transcendente sua real necessidade de coabitação e existência; fazendo toda uma prole de anseios pulular, gritando aos nossos olhos. (...) se nesse período adorou o inconcebível objeto; se, depois de se ter apanhado nesse ato de fé, persiste cientemente, mas não mais livremente, nessa opinião de um ser soberano que sabe nada mais ser que uma personificação de seu próprio pensamento. Pois ao se criar, criou para si, também uma cela. A mesma clausura que carregamos como uma mortalha. A necessidade de se cometer o Teocídio, só assim se explica pela necessidade de se manter a mortalha, ainda sob controle das mãos, embora, bem longe da sabedoria primordialmente humana. Mas, o grande problema foi, justamente, ter abrido mão da liberdade, que outrora desfrutara para se existir, enquanto clausura de uma vivência falsa e enganosa. Simples como a necessidade de se manter mestra da situação, também simples foi a sua justificação: uma constante necessidade de se manter aferrada aos grilhões de sua própria criação existencial. (...) se ela está às vésperas de recomeçar suas invocações mágicas, deve-se acreditar que uma alucinação tão estranha oculta algum mistério que merece ser aprofundado. E sabe o que se poderia aprofundar? Como explicar a necessidade de um mistério, por meio de uma mortalha de sombra e flagelação, donde o ser livre só assim se dá, enviesado na prisão de um conceito e na conceituação de um signo? Pois, explicar a liberdade por meio da prisão é o mesmo que justificar Sísifo e sua condenação - apesar de o termos justificado junto à Evolução, e suas cinco faces. Assim que, forçosamente, optamos pela civilização, também optamos pela prisão e pela mortalha. Resta saber se, desses trapos, conseguiremos fazer um outro instante de vida - bem como, um belo e requintado traje real, de um reino que assim se parece -, ou ainda, um outro instante de existência, donde sua única justificativa seja a própria existência... essa do homem pleno de seu viço e de sua galhardia; não a da sociedade!

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Brasil Raso e Brasil Profundo: Flamengo e São Paulo - o jogo


Se antes houve uma reflexão acerca de um Brasil que se encontra distante do Brasil, e longe do mundo, um Brasil em que o Brasil esqueceu; o quê dizer então de um Brasil em franca evidência, onde os número falam ainda mais que a própria situação? Imagine 59 mil pessoas querendo ver um Brasil em clara alienação e evidente distinção? Um Brasil onde o Brasil coloca holofotes? Será que podemos culpar um povo, uma nação, uma raça, só pelo fato de querer fazer de sua medíocre vida algo mais? E o quê dizer deste mesmo movimento num rincão em que o esquecimento nada mais é que o final do dia de um dia extremamente massacrante? O quê dizer de uma cidade que faz a cara do Brasil, e de um povo que tem medo de mostrar sua cara, nesta cidade? Pois é, 59 mil pessoas se esqueceram, ao menos por 90 minutos, desta cara que querem esquecer, e que ainda insistem em viver. Apoiar um time que dá alegrias é apoiar uma vida que não tem quase nada de alegria. Viver em evidência, longe de viver no esquecimento, pode ter o mesmo efeito... seja nos rincões da Amazônia, seja nos rincões da Guanabara. É o Brasil que, ao mesmo tempo em que quer se mostrar, também quer se esconder, respectivamente!!

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Seção: Reflexões



Brasil Profundo


O Brasil Profundo é muito mais profundo do que imaginamos. Seu buraco é tão longo e escuro que nem mesmo conseguimos ver sua escuridão - apenas uma sombra de algo, ou de alguém, e nada mais.

Assistindo ontem um programa sobre a Série C do Campeonato Brasileiro, me veio uma tristeza na alma, e principalmente, uma dor aguda na ponta dos dedos - estes mesmos que vos tecla - para jogar no papel tanta angústia. E ao me referir a Brasil Profundo, o falo tentando encontrar, ou ao menos ouvir, todas as vozes esquecidas por uma indiferença brasílica e uma indigestão nas entranhas. Como se os intestinos tivessem dado um nó. Um nó de angústia e de dor, que nem na alma se pode esperar dor mais aguda.

Como se várias mãos dadas tentassem dizer para o mundo que há vida na várzea das grandes competições da vida, e que esta vida faz parte de um Brasil que muito pouco conhecemos - isso para não dizer que nada conhecemos - no entanto, todo dia pulsa e respíra tal como nós: seres cosmopolitas do sul do país. O que dizer de um Ríver da Amazônia, ou de um Barras do Piauí? Nada, nem sabíamos que estes nomes tivessem vida; apesar de gritarem todos os dias, pedindo apenas para serem vistos e ouvidos.

E para balizar essa informação, nada melhor que o corriqueiro para nos ensinar. O corriqueiro de quem está gritando, a plenos pulmões, que existe, e que faz parte de um Brasil que também é nosso, sem o sabermos. Referindo-se ao futebol fala-se muito em alienação - mas se fala também de vida, e de vidas que pedem ajuda, fazendo um apelo a nossos ouvidos requintados -, e ainda mais quando essa tal de alienação tem a ver com o simples domingo de um pai de família alienado, e que grita: ainda assim existo! Num domingo e no mundo em que se busca na TV e na pelota um pouco de dignidade para aqueles que se encontram nos rincões do Brasil Profundo. E para aqueles que fazem destes rincões uma vida inteira, apesar de feliz...

Aqueles que buscam num simples domingo, sua TV e uma pelota na cabeça, um pouco de dignidade para uma vida que é a própria invenção de uma tragédia. Um drama que nada mais é que a invenção de um cotidiano que também fazemos parte - com nossa indiferença e asco -, sem o saber. Uma vida que tenta se afirmar, a contrapelo da Federação e da Confederação, mostrando que está ali... mesmo quando insistem em não ver.

Uma aventura pelo Brasil Profundo diz mais de nós, do que poderíamos imaginar!